O Palco das Nações ou Percursos teatrais da diplomacia

Résumé

Em duas loas, publicadas no final do século XVIII, cruzam-se os percursos da arte teatral, por um lado, e das relações diplomáticas luso-espanholas, por outro. Aí se evidencia como a representação teatral consiste na formal progressão de vozes e corpos, em presença e/ou ausência, num estimulante jogo entre o que se revela e se oculta. Aqui o palco também serve propósitos políticos, de ambicionada influência externa, desvelando uma acção dramática perpassada de sentidos que convêm, de sobremaneira, à negociação diplomática.

Plan

Texte

O conceito de «percurso» aqui abordado compreende desde a deslocação de um embaixador para uma corte estrangeira, acepção linear, até à cadência que acompanha e traduz a evolução de uma representação teatral cortesã em louvor de benignos acontecimentos. Pelo meio, fazem-se ainda notar as diferenças na atitude, rumo a uma determinada direcção, que algumas figuras da representação expressam, e a aproximação de cortes, em aliança, para se avizinharem de um espaço mais lato, em concreto, a Europa, de modo a verem reforçadas as suas reivindicações e poderio político. Com base na leitura de duas loas, conservadas numa miscelânea de impressos da Biblioteca Nacional de Portugal (L. 1279 A.), daremos ensejo à aplicação do referido conceito para aquilatar a dimensão, a um tempo, espectacular e política de dois momentos da História do Teatro.

Loa de 1691

O primeiro impresso apresenta a seguinte informação na folha de rosto:

Para dar fin a los regocijos con que el muy ilustre señor D. Joseph de Faria, embiado extraordinário de la corona de Portugal a la Castilla celebró el nacimiento del serenissimo señor Don Francisco Xavier, infante de Portugal, segundo genito del Augustissimo Don Pedro Segundo y Dª Maria Sophia Palatina, sus reyes; se representó la armonica zarzuela de La Venida de Amor al Mundo, con muy discretos saynetes, a que dió principio esta Loa, que escrivia, por orden de dicho señor embiado, Don Juan de Quevedo Arjona; representóla la compañia de Damián Polope. Impressa em Madrid, año 1691.

O nascimento do filho do rei português tira partido da estadia de um embaixador português, Dom José de Faria, na corte de Castela. Aí, a pedido do mesmo, é escrita uma loa, por Don Juan de Quevedo Arjona, que é representada pela companhia de Damián Polope, imediatamente antes da zarzuela La Venida de Amor al Mundo.

Circunstâncias e Intervenientes I

Acerca dos intervenientes nesta ocasião de mais uma etapa das relações entre Portugal e Castela, podemos começar por precisar que Dom José de Faria, mais um agente da política de relações externas de D. Pedro II, se via a braços com uma complexa conjuntura europeia, em que ponteavam o final das Guerras da Restauração, a necessária aliança com a Inglaterra para apoio militar e, mais tarde, a Guerra da Sucessão Espanhola. Recorrendo a homens de prol, com determinado perfil diplomático, o monarca esperava salvaguardar a posição do reino numa Europa dividida. Sabe-se, igualmente, que era Cavaleiro da Ordem de Cristo, pois assim se lê na folha de rosto de Acentos Lyricos al Feliz Nacimiento del Esclarecido Principe, Hijo Primogenito de los Señores Reyes de Portugal, de Juan de Matos Fragoso, dedicados a Dom José de Faria. A dedicatória corre nos seguintes moldes:

… y corra por cuenta de Vossa Señoria ilustrissima el referirlo con su grande talento, en quien la sciencia, erudición, noticias y profundidad de estúdios se hallan tan iguales que cada qual pretende la primacia, pues que diré del garbo y luzimiento con que Vossa Señoria ilustrissima en esta corte se ha singularizado en las reales funciones, con agrado de todos… (p. 3).

Juan de Matos Fragoso enaltece o talento e erudição de Dom José de Faria e destaca, através do emprego de «garbo» e «luzimiento», o desempenho do representante de Portugal na corte espanhola. É um testemunho a favor da competência diplomática do enviado luso.

Quanto a Don Juan de Quevedo Arjona, são-lhe atribuídas apenas duas comédias: Santo Domingo de Guzmán (El bueno entre los guzmanes, y el mejor entre los buenos) e El mejor Rey de Borgoña. Sabe-se que a primeira se baseia largamente numa comédia de Alonso de Quevedo e que a segunda foi escrita no mesmo ano do impresso, 1691, para a mesma companhia de Damián Polope. A folha de rosto de outro impresso (pertencendo à mesma miscelânea das loas e de Acentos Lyricos) informa-nos de que é também ele o responsável pela escrita de Festiva Demonstración y Regozijado Aplauso, que al Felicissimo Nacimiento de el Serenissimo Señor Infante Don Francisco, Segundo Genito de los Augustissimos Reyes de Portugal, Don Pedro Segundo y Doña Maria Sophia, por solicitação de Dom José de Faria, a quem também dedica a obra (no final da dedicatória surge a indicação de Julho de 1691). Desta maneira, infere-se que nesse ano de 1691 as celebrações em torno do nascimento de Dom Francisco assentaram na escrita de Juan de Quevedo Arjona. Neste último impresso encontramos um excerto que se reporta à representação da zarzuela La Venida de Amor al Mundo:

De amor la venida al Mundo
Logró en cadencias sonoras
regio salon, que se vió
cielo adornado de antorchas.
Con bien texidas mudanças,
vozes se unieron canoras
que el oído unas suspenden,
si la atención llevan otras.
Sarao y Zarçuela al aplauso
del recien nacido exortan
que dando fin a sus cultos
fueron de Apolo lisonja. (pp. 13-14)

Na descrição da zarzuela, em princípio igualmente da lavra de Juan de Quevedo Arjona, o que mais sobressai é a cadência, as sonoridades e a alternância das vozes. Em relação à componente visual é-nos dito que o salão régio se converteu em céu repleto de tochas. Por aqui, se infere que a loa também foi representada em espaço régio, pois lembramos que o respectivo impresso faz notar que esta teve lugar imediatamente antes da zarzuela.

A companhia teatral de Damián Polope estava sediada em Madrid - inferimos que assim seria igualmente em 1691 - como documentação posterior, de 16951, atesta. As mesmas fontes informam do carácter flexível do elenco, que num dado ano podia ser formado com gente da corte ou fora dela. Actuava nos currais de comédias, nomeadamente no de La Cruz, um dos mais importantes de Madrid. Contudo, como o impresso indicia, apresentava-se, igualmente, em espaços particulares, provavelmente no palácio de Real Alcázar de Madrid, residência oficial da corte espanhola. Aliás, sabe-se que a 12 de Janeiro de 1693 a companhia de Damián Polope fez uma representação da comédia A Secreto Agravio, Secreta Venganza, de Pedro Calderón de La Barca, no mesmo palácio2.

O acontecimento que o impresso fixa e igualmente celebra é o nascimento do infante, filho de Dom Pedro II e de D. Maria Sofia de Neuburgo, Francisco, Duque de Beja e Condestável de Portugal, nascido em 25 de Junho de 1691. É este tipo de ocasião e respectivo festejo que é devidamente potenciado por Dom Pedro II para fomentar relações de aliança com as nações estrangeiras, nomeadamente com Espanha, com a qual até há pouco tempo tinha havido um conflito de soberania. O teatro é assim perspectivado como prática diplomática que deve ser antes de mais entendido, a um tempo, enquanto “oferenda” do embaixador, por parte de Portugal, e como prova de bom acolhimento, por parte de Espanha. É, assim, possível estabelecer uma correspondência entre as circunstâncias diplomáticas da presença de um enviado estrangeiro e o assunto da loa, aqui em análise.

Texto I

A loa antecede uma zarzuela, uma representação análoga à da comédia espanhola, mas apenas composta por duas jornadas, em que se destacam partes cantadas e declamadas3. Já os sainetes com que se representaram a dita zarzuela devem ser entendidos como composições breves e jocosas, com partes bailadas e cantadas4.

As pessoas da Loa são: Iris, ninfa; Neptuno, galan; Fortuna, ninfa; Apolo, galan; Nereo, galan; Tetis, diosa; Entendimiento, galan; Discordia, ninfa.

A composição contava também com música. Inicia-se com a Discordia a tentar impor-se ao negar a evidência perante os demais da importância do nascimento do infante e quanto nele assenta o resplendor do luzidio reino de Portugal. Num excerto, cabe a Iris contender com a Discordia em nome do «Natal más augusto»:

Iris: Porque ay superior deidad
que tus altivezes fuerça
à ser del solio que ocupa
en tus blasones ofrenda.
Discordia: Qué deidad?
Íris: La que Lisboa
Venus Germana confiessa
Beldad, cuyos resplandores
Castilla, ufana, celebra
en él Natal más augusto
de un infante, donde muestra
fecunda, sobre divina,
los alientos su belleza. (p. 5)

Lisboa surge aqui associada a uma figura divina, Vénus. Em face da protecção divina, só resta a Castela celebrar os resplendores de Lisboa, através do festejo do nascimento do infante, que se mostra supremo em fecundidade e beleza. A cidade assim descrita deve ser entendida como sinédoque de Portugal. É ainda de notar a conveniente reverência que Castela indicia perante o reino luso, pois é preciso não esquecer que o texto foi escrito a pedido de José de Faria, enviado português à corte castelhana. A dimensão política e diplomática da representação desta loa é notável, se conservarmos em mente que as Guerras da Restauração tinham finalizado apenas vinte e três anos antes, mais precisamente em 1668. A loa faz intervir uma maioria de figuras mitológicas e algumas alegóricas para contextualizar a reverência que Castela nela presta a Portugal. O domínio espanhol de outrora, exponencial por via da perda da soberania lusa, estava, desta maneira, suplantado, fazendo emergir um novo contexto europeu, no qual Portugal chamava a si renovados interesses e ambições.

Ardilosamente, a Discordia incorpora, numa argumentação coerente, as eventuais réplicas adversas ao reino de Portugal, por parte dos que se pudessem manifestar contra o novo paradigma das relações diplomáticas entre Castela e Portugal. A sua atitude é de explícito desafio perante a aclamada supremacia portuguesa, como nos mostra outro excerto:

Fortuna: Si nace infante dos vezes,
muchas los dioses atiendan
à celebrarle.
Iris: Y en Íris
la oliva, la paz le ofrezca.
Neptuno: Neptuno rinda sus ondas.
Fortuna: Fixe Fortuna su rueda.
Apolo: Laureles le ciña Apolo.
Nereo: Nereo sus blasones ceda.
Tetis: Tetis publique su aplauso.
Entendimiento: Y el Entendimiento atienda
à su exaltación.
Discordia: Logrando
que la Discordia convierta
à los ecos de su nombre
en jubilos la tristeza;
si bien porque de Discordia
algo mis alientos tengan
reparo que de Castilla
la corte augusta festeja
este Natal, siendo assunto
de las quinas portuguesas.
Entendimiento: Esse no es reparo, puesto
que si bien se considera
esta estancia, cuyo adorno
luzen circunstancias regias,
más que de Castilla es,
de Portugal, quando en ella
tan repetidos obséquios
la lealtad exerció en muestra
de la que ilustre el Faria
oy su embaxador professa
à su rey, cuyos candores
en sus obras reberveran;
fuera de que ya la unión
de estas coronas celebra
recíprocas de sus glorias
las dichas que amor alienta. (pp. 11-12)

Como bem se lê, todas as figuras da loa, tirando a Discordia, prestam prontamente, e sem qualquer reserva, homenagem ao nascimento do infante. A Discordia não vê outra opção a não ser juntar-se ao uníssono de vozes, tratando de converter a tristeza em júbilo. Deste modo, a Discordia encetou um percurso com final feliz, pois a sua contraposição em relação às restantes figuras foi sendo rebatida, o que resulta na confluência da sua voz com o tom geral de regozijo, na parte final da loa. A este respeito, se pode referir uma transferência representativa se pensarmos que o caminho percorrido pela Discordia é o da própria Castela, que durante certo período não se mostrou convencida do valor de Portugal enquanto nação soberana.

Todavia, a Discordia, apesar de convencida, não deixa de colocar a questão incómoda de a circunstância celebrada ser do âmbito das lusas quinas e não de Castela, ou seja, o nascimento de mais um infante luso seria assunto de interesse para Portugal e não para Castela. A esta observação responde o Entendimiento com a exaltação da lealdade demonstrada pelo embaixador Faria ao seu rei e com a união das duas coroas, da qual decorre naturalmente a celebração das respectivas glórias e bem-aventuranças. A figura do embaixador, e consequentemente da sua missão, sai reforçada, ao sedimentar a desejável união de Portugal e Castela. A loa acaba por funcionar como artificioso e eficaz prolongamento da acção de Dom José de Faria na corte estrangeira. Há claramente um sentido político a retirar da representação da loa, que extravasa a mera contextualização histórica de um acto teatral.

Percursos com entendimento

Conforme indicação cénica inicial, «Dieron principio los instrumentos y à quatro vozes se cantó adentro», a representação da loa, que integra várias partes cantadas, inicia-se com vozes que se fazem ouvir de dentro, “alegando” corpos ainda vedados ao olhar. Logo, um primeiro percurso a considerar é o do bastidor à cena. A primeira figura a sair para cena é o Entendimiento, que o faz «como confuso». A seguir saem a Discordia e Iris que surgem lutando. Depois, sai a Fortuna, que começando imediatamente a falar, vem secundar a posição conciliatória do Entendimiento. Segue-se Apolo, que também começa logo a falar; depois, Neptuno, idem, e, por fim, Nereo, que também entra para dizer a respectiva fala.

A este nível é importante considerar as duas últimas indicações cénicas do texto:

Aqui tomaron achetas y se empeçó el sarao, con muy artificiosas y vistosas mudanças y lazos, y entre una y otra mudança salió uno de los galanes, y representando una copla, desocupava el puesto, para que en él una dama cantasse una seguidilla, con que bolviendo à su lugar, prosiguieron con el mismo orden que se sigue, hasta dar fin.

Primera mudança.
Neptuno: Viva la beldad Germana,
cuya fecunda belleza
luze al Lusitano aurora
quando al Palatino estrella.
Cantó Iris: Pues los que de su aliento rayos dispensa
equivocan las luzes de las esferas.

Segunda mudança.
Nereo: Principe y infante vivan
y el laurel Portugués tenga
sienes para su corona
braço para su defensa.
Cantó Discordia: Porque à triunfos de Palas sus obras puedan, en vozes de la Fama, lograrse eternas.

Tercera mudança.
Entendimiento: Su Embaxador generoso
reciba la en hora buena
de esta dicha y de los gozos
con que la dicha celebra.
Cantó Tetis: Que en tan heroyco assumpto solo pudieran lucirse los alientos de sus finezas.

Dieron fin al sarao con un lazo, que se concluyó, quedando las damas delante en ala y los galanes detrás, cantando ellas y representando ellos à un tiempo.

Todos: Para que Lusitania siglos possea
su monarca, su infante, principe y reyna.

Fin. (pp. 13-14)

Considerando que se trata de um festejo régio, que se estendia por dias, há diferentes momentos a considerar. O programa de celebrações é um percurso com etapas e formalismos. A loa inicia esta parte do programa, segue-se o sarau e depois representa-se a zarzuela.

O primeiro momento vive da dinâmica entre partes cantadas e representadas e de corpos que, progressivamente, vão completando a cena. O palco é o ponto de chegada para uma reunião de clamores em torno do feliz acontecimento. O sarau parece mais formal e demarcado quanto ao posicionamento das figuras. Há um «puesto» que é ocupado à vez por um galã e por uma dama, um representa, a outra canta. Para um final apoteótico, contribui um «lazo», cujo arranjo coreográfico dispõe as damas adiante em ala e os galãs detrás delas. Os movimentos aqui anotados enquadram-se em categorias formais do espectáculo (loa, sarau, lazo) e, no seu sentido mais primordial, intentam dar o melhor início e fim possível a uma demonstração festiva exemplar.

Loa de 1695

Na, já referida, miscelânea da BNP, encontramos imediatamente a seguir outra loa, que exibe inúmeras semelhanças com a anterior. Na respectiva folha de rosto encontramos a seguinte informação:

Loa que represento la compania de Carlos Vallejo, el dia 22 de Abril de 1695. A la celebración del feliz nacimiento del S.r infante de Portugal, D. Antonio Francisco Joseph, hijo tercero de los sereníssimos reyes de Portugal, Don Pedro II y Doña Maria Sophia Isabel, representandose la comedia También se ama en el abismo, en casa del embiado de Portugal, Don Diego de Mendoza Corte-Real, a que assistieron los ministros estrangeros y la mayor parte de la nobleza de esta corte y con ella se dió fin à los tres dias de festejo.

Embora parte significativa dos intervenientes difira em relação à loa de 1691, os felizes auspícios são idênticos, já que se trata de celebrar o nascimento de mais um infante, terceiro filho de Dom Pedro II e Dona Maria Sofia de Neuburgo, desta feita António Francisco José.

Circunstâncias e intervenientes II

A companhia de teatro agora em funções é a de Carlos Vallejo, igualmente sediada em Madrid, no decurso do ano de 1695, actuando no Curral de el Principe5, a par com o de La Cruz, anteriormente mencionado, um dos principais espaços teatrais de Madrid. À semelhança do notado em relação à companhia de Damián Polope, há documentação teatral que atesta a presença da companhia de Carlos Vallejo no palácio de Real Alcázar de Madrid, em ano posterior ao do impresso. Assim, a 17 de Fevereiro de 1697, num Domingo de Carnaval, teve lugar a representação da comédia ¿Cuál es afecto mayor, lealtad o sangre o amor?, de Francisco Antonio de Bances Candamo6.

No que diz respeito ao embaixador, sabe-se que Diogo Mendonça Corte-Real foi figura proeminente dos negócios de estado portugueses, tendo sucedido nos cargos de Corregedor da Comarca do Porto, Embaixador português na corte de Castela, de 1693 a 1703, Secretário Real das Mercês e do Expediente e Secretário de Estado, este último já no reinado de Dom João V. Chama-se a atenção para o facto de neste impresso se declarar que a representação da loa e da comédia decorreram em casa do próprio diplomata, onde se destaca a presença da nobreza do reino de Castela e de vários ministros estrangeiros, ou seja, tratava-se de um público seleccionado, em relação ao qual se visava impacto favorável da representação em nome dos interesses de Portugal. Se, por um lado, não dispomos do nome do autor da loa, por outro, ficamos a saber que, mediante o título aduzido, También se ama en el abismo, o autor da comédia, recheada de personagens mitológicas, como Proserpina, Juno e Júpiter, é Don Agustín de Salazar y Torres.

Texto II

As figuras alegóricas da loa são: el Amor; el Mérito; el Aplauso; el Decoro; la Magestad; la Embidia; la Paz; la Victoria.

Mais uma vez a loa, que se inicia ao som de «caxas y clarin», logra hiperbolizar a circunstância do nascimento de um infante, sendo que, à semelhança do que acontecia na loa anterior, também aqui sobressai o conflito entre a Embidia e as restantes personagens, que se baseia nos impulsos bélicos da primeira, por oposição à paz que as outras preconizam. Assim se constata que o conflito entre personagens não resgata diferentes atitudes face ao reconhecimento do valor luso, antes se rege pelo contraste guerra/ paz. Como bem se prevê, a Embidia é aplacada pela dimensão superior de uma circunstância tão feliz como o nascimento do infante, cujo mérito e beleza maior redimem o seu desejo de guerra.

No demais a loa é vincadamente laudatória em relação à coroa portuguesa, destacando a sua glória, valor, esplendor, e evocando, para tal, o augusto rei Dom Pedro, a sua «excelsa esposa» e o infante recém-nascido:

Canta Victoria: Del Marte Lusitano
fecunda, intenta dilatar la gloria,
para que mire, ufano,
eternizada à siglos su memoria,
dexando copia del valor profundo
en un tercero del mejor segundo.
Canta Paz: Generoso repartee
de su grandeza el esplendor à España,
logrando quien à Marte
le obscureza el honor de la campaña,
quando con três antorchas se pregona
el immortal blason de su corona.
Canta Victoria: Viva en union dichosa
tronco de tres renuevos generosos,
dando à su excelsa esposa,
como en tributo, obsequios amorosos,
para que en bronces el buril escriva
que Augusto siempre El Rey Don Pedro viva.

[…]

Magestad: Sirviendo à la Magestad
de columnas en que crezcan
uno y outro infante, à rayos,
los ardores que la cercan.
Victoria: Porque sus victorias sirvan
de admiración, quando sean
blasones à la Iglesia.
Paz: Y eternizando la paz,
la dicha de sus fronteras,
los visos de sus azeros
la otomana luna tema. (fól. 3v)

O primeiro fragmento, a cargo das figuras da Victoria e da Paz, é abundante em adjectivos que ecoam a magnificência lusa, tal como a referência a Marte, culminando com vivas a Dom Pedro. O discurso de Victoria reporta-se a batalhas e confrontos que é necessário vencer, enquanto a Paz aborda as actuais relações bonançosas entre Portugal e Espanha, com o primeiro a partilhar – «generoso» é o adjectivo empregue – o esplendor da sua grandeza.

O segundo fragmento faz corresponder as vitórias de Portugal ao enaltecimento da Santa Madre Igreja e o contexto de paz ao zelo pelas fronteiras lusas, que já não têm a Espanha como inimiga, incidindo, então, na desejável submissão do infiel. Uma vez ultrapassada a ameaça espanhola, havia que concentrar esforços indómitos na luta contra os inimigos da Igreja, o que justifica o final da loa ao som de cadências marciais, nomeadamente «caxas», quando estas ao longo do texto sublinhavam os impulsos de guerra da Embidia, que, entretanto, se havia dado por vencida e convencida. A guerra continua a prevalecer, com a ressalva de ser agora dirigida aos hereges.

Esta loa tem um sentido político mais directo do que a primeira, dado que integra uma perspectiva sobre certos aspectos da política externa de Portugal ausente da anterior. Ambas consagram os maiores louvores a Portugal. Contudo, a segunda explicita o novo paradigma luso de relacionamento com outras nações, em concreto Espanha e o Império Otomano. O assunto político da loa é perfeitamente adaptado às circunstâncias que rodeiam a sua representação. O teatro é assim estratégia artística e comunicativa para difundir directrizes diplomáticas e motes de política externa. É um teatro que serve um fim que não se restringe à prática artística, procurando aliciar e convencer. A este respeito, é fundamental não esquecer que no impresso é referido como público a nobreza de Castela e ministros estrangeiros.

Percursos em cadência marcial

Esta composição inicia-se com a saída por portas diferentes das figuras do Amor e do Decoro. Enquanto isso, de um lado soa música e do outro caixas e clarim, e canta-se e representa-se, sem se ver, como a indicação inicial anota: «Suena à un lado música y a otro caxas y clarin, y salen por diversas puertas el Amor y el Decoro, mientras se canta y representa, sin verse».

A primeira fala pertence à Embidia, que ainda está nos bastidores, «al lado de la Caxa»: En mis manos el laurel/ se eternize: guerra, guerra» (fól. 2). Salienta-se a intentada correspondência entre o sentido da fala da Embidia e o som “mais grave”, da caixa, que o acompanha e sublinha. O alinhamento entre fala e acompanhamento sonoro pretende dilatar o efeito espectacular do que opõe a Embidia às restantes figuras. A este mesmo nível, de dentro, cantam a Paz e a Victoria, «al lado de la música». O discurso harmonioso e conforme das duas figuras é ampliado pelo efeito musical. Convém não esquecer que enquanto isto decorre Amor e Decoro já estão em cena, mas as suas primeiras falas reportam-se a uma disputa que se ouve e não se vê.

Pela indicação cénica seguinte, somos informados de que, apesar de estarem ambos em cena, ainda não se tinham encontrado: «Enquentranse los dos y truequen puestos» (fól. 2). O que nos é dado perceber, quer por uma quer por outra loa, é que há um jogo teatral que assenta no prolongamento do artifício entre dar a ouvir, sem que se veja, e dar a ver, sem que se reconheça, como neste último exemplo, em que Amor e Decoro ocupam um mesmo espaço sem, todavia, se aperceberem da presença um do outro. Quanto à troca de «puestos» também parece ser recurso recorrente, que reforça o sentido das falas das personagens. O percurso não é, pois, linear, progredindo através do artifício, que procura conjugar eficazmente verbo e movimento.

Numa fala do Amor há uma paráfrase curiosa de cena:
Amor: La ignorancia me conduce
a este sitio, donde pueda
salir de mi confussión,
que aquestas vozes alientan. (fól. 2v)

A cena é o refúgio do Amor para escapar da confusão que as vozes de dentro, discordantes, alimentam, embora estas se continuem a fazer ouvir.

A dada altura, tem lugar a saída da Embidia e Magestad por uma porta lateral, soando desse lado caixas, e por outra porta do lado oposto, a Paz e a Victoria, sendo que daí se ouve música. A chegada à cena não encerra a disputa, que se estende de dentro para fora. Com efeito, a entrada do primeiro par de figuras traduz-se pela disputa de uma coroa de louros.

A ordem pela qual as figuras saem para cena ao longo da loa é a seguinte: Amor e Decoro, em primeiro lugar, Embidia e Magestad, e Paz e Victoria, estes dois pares em segundo lugar, o Aplauso, em terceiro lugar, e o Mérito, em quarto lugar. Em analogia com o notado em relação à loa de 1691, uma figura entra em cena para começar a falar.

Mais uma vez, a parte final da loa é muito importante para o entendimento da movimentação de cena:

Suenan instrumentos, toman achetas y empieza el sarao; à cada copla de un galán y seguidilla, la mudança.

Decoro: Logre el portugués monarca
en la sucessión eterna
sus glorias, puesto que mira
fiadores de su diadema.
Cantó Paz: Quando Sol Hispano de su trono vea,
con sus mismas luzes, matizar la Esphera.

Primer mudança, cruzados atravesados.

Amor: Venus Germana consiga
la que en Lusitania reyna
el tributo que à su dicha
le merece su belleza.
Cantó Victoria: Puesto que fecunda, repetir ostenta
de sus rayos astros, de su cielo estrellas.

Otra mudança, bueltas en cruz hechas y deshechas.

Aplauso: El principe generoso
en el nuevo infante tenga
de su poder el apoyo
y el lustre de su grandeza.
Cantó Magestad: Porque el Indio adusto, que sus plantas besa,
venere su nombre, sus alientos tema.

Otra mudança, bandas.

Mérito: Uno y otro infante al orbe
su augusta memoria estiendan
y sus victorias publiquen
el valor de que se precian.
Cantó Embidia: Quando sus azeros de Marte en la esphera
de las roxas quinas coloquen la empressa.

Otra mudança, derechas. (fóls. 4-4v)

Também esta loa acaba com a alternância entre representação e canto: representam os galãs, cantam as damas, como na anterior. Ao desempenho de cada par, segue-se uma mudança, que, em 1695, é complementada por uma breve anotação, que remonta ao movimento e disposição dos corpos. A cada mudança corresponde um movimento formal e pré-estabelecido dos intervenientes, que sublinha a acção, dinâmica e alternada, das vozes. Desta maneira, o desfecho da loa enfatiza o carácter solene do acontecimento e da própria representação. Aqui joga-se o efeito de um percurso, cujo início se expressa pela sugestão que vozes e sons contrastantes de dentro logram alcançar e termina com o esplendor de variação que fala, canto e movimento emprestam à cena cortesã. Os desencontros e desarmonias, tanto os internos à acção dramática como os externos com Espanha, foram em absoluto ultrapassados, originando uma superlativa convergência de elementos.

Conclusão

Em nome de uma contingente reconstituição histórica, procurámos reunir circunstâncias, intervenientes, textos e contextos, de modo a documentar dois momentos das relações luso-espanholas, em que pontifica o teatro como prática estratégica, com vista a uma aliança mais duradoura. O percurso realizado a partir do final das Guerras da Restauração foi de necessária reaproximação diplomática entre Portugal e Espanha e teve no teatro um recurso profilático. Os impressos analisados são, pois, documentos que interessam, simultaneamente, aos Estudos de Teatro e à História das Relações Luso-espanholas, atestando preocupações, aduzindo argumentos e referenciando novas áreas de influência. Preconizámos, assim, um itinerário, cujo auge remete para a sequência “loa, sarau, lazo, zarzuela”. Seguindo por entre figuras e atmosferas cortesãs do século XVII, chegamos ao final, logrando, quiçá, um percurso.

Bibliographie

ARJONA, Don Juan de Quevedo, Para dar fin a los regocijos con que el muy ilustre señor D. Joseph de Faria, embiado extraordinário de la corona de Portugal a la Castilla celebró el nacimiento del serenissimo señor Don Francisco Xavier, infante de Portugal, segundo genito del augustissimo Don Pedro Segundo y Dª Maria Sophia Palatina, sus reyes, Madrid, año 1691.

_________, Festiva Demonstración y Regozijado Aplauso, que al Felicissimo Nacimiento de el Serenissimo Señor Infante Don Francisco, Segundo Genito de los Augustissimos Reyes de Portugal, Don Pedro Segundo y Doña Maria Sophia, [Madrid], [1691].

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Notes

1 N. D. Shergold y J. E. Varey, Teatros y Comedias en Madrid: 1687-1699 Estudio y Documentos, Colección Fuentes para la Historia del Teatro en España VI, London, Tamesis Books Limited, 1979, 179-180. Retour au texte

2 Teresa Ferrer et al., Base de datos de comedias mencionadas en la documentación teatral (1540-1700), CATCOM. Publicación en web: http://catcom.uv.es. Retour au texte

3 Evangelina Rodríguez Cuadros, Diccionario crítico e histórico de la práctica escénica en el teatro de los Siglos de Oro, TC/12, Patrimonio teatral clásico español. Textos e instrumentos de investigación, Programa Consolider Ingenio CSD 2009-00033. Publicación en Web: http://parnaseo.uv.es/Ars/ARST6/diccionario/inicio.html. Retour au texte

4 Idem, ibidem. Retour au texte

5 N. D. Shergold y J. E. Varey, Teatros y Comedias en Madrid: 1687-1699 Estudio y Documentos, Colección Fuentes para la Historia del Teatro en España VI, London, Tamesis Books Limited, 1979, 179-180. Retour au texte

6 Teresa Ferrer et al, Base de datos de comedias mencionadas en la documentación teatral (1540-1700), CATCOM. Publicación en web: http://catcom.uv.es. Retour au texte

Citer cet article

Référence électronique

Isabel Pinto, « O Palco das Nações ou Percursos teatrais da diplomacia », Reflexos [En ligne], 2 | 2014, mis en ligne le 18 mai 2022, consulté le 28 mars 2024. URL : http://interfas.univ-tlse2.fr/reflexos/611

Auteur

Isabel Pinto

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Centro de Estudos de Teatro

vilhalpandos@hotmail.com

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