Zaira, de Voltaire, na Casa da Ópera de Vila Rica, em 1793

  • Zaïre de Voltaire, au théâtre de Vila Rica en 1793
  • Voltaire's Zaire at the Vila Rica theatre in 1793
Traduction(s) :
Zaïre de Voltaire, au théâtre de Vila Rica en 1793

O artigo pretende discutir os sentidos da representação da tragédia Zaira, de Voltaire, na Casa da Ópera de Vila Rica, em 14 de julho de 1793 - um ano após a finalização do processo de devassa da revolta colonial anti fiscalista e anti metropolitana conhecida como Inconfidência Mineira e na data histórica da Tomada da Bastilha, início da Revolução Francesa. O estudo partirá da articulação de letrados coloniais na criação da Academia Ultramarina e da própria Casa da Ópera, passando pela circulação da obra teatral de Voltaire na América portuguesa no final do século XVIII, e pelo estudo do próprio texto de Voltaire no contexto local, para traçar hipóteses sobre o significado dessa representação ambígua no palco do pequeno teatro colonial.

L’article se propose de discuter les possibles significations de la représentation de la tragédie Zaïre, de Voltaire, au théâtre de Vila Rica, le 14 juillet 1793 - un an après la fin du processus juridique contre la révolte coloniale anti-fiscaliste et anti-métropolitaine connue comme l’Inconfidência Mineira et à la date anniversaire historique de la Prise de la Bastille, qui fut le début de la Révolution Française. L’étude partira de l’association de lettrés coloniaux qui créèrent l’Académie Ultramarine et le théâtre lui-même, en passant par la circulation de l’œuvre théâtrale de Voltaire dans l’Amérique portugaise à la fin du XVIIIe siècle, et par l’étude du texte de Voltaire dans le contexte local ? Seront tracées des hypothèses quant au sens de cette représentation ambiguë sur la scène du petit théâtre colonial. 

The aim of this article is to discuss the possible meanings of the performance of Voltaire's tragedy Zaire at the Vila Rica theatre on 14 July 1793 - one year after the end of the legal process against the anti-fiscalist and anti-metropolitan colonial revolt known as the Inconfidência Mineira and on the historic anniversary of the storming of the Bastille, which was the beginning of the French Revolution. The study will take as its starting point the association of colonial scholars who created the Ultramarine Academy and the theatre itself, through the circulation of Voltaire's theatrical work in Portuguese America at the end of the eighteenth century, and the study of Voltaire's text in the local context? Hypotheses will be drawn as to the meaning of this ambiguous representation on the stage of the small colonial theatre.

Plan

Texte

No dia 14 de julho de 1793, a tragédia Zaira, de Voltaire, foi encenada na Casa da Ópera de Vila Rica. Pela primeira vez um texto de um dos philosophes mais controversos do séc. XVIII era representado naquele pequeno teatro colonial, localizado na capitania de Minas Gerais, o coração econômico da América portuguesa.

Teatro Municipal de Ouro Preto - Casa da Ópera

Teatro Municipal de Ouro Preto - Casa da Ópera

Zaira subia ao palco da Casa da Ópera num contexto particular. Possivelmente, a estreia marcava a reabertura do teatro após os desdobramentos da revolta antifiscalista e antimetropolitana de 1789, conhecida como Inconfidência Mineira (um marco na construção do imaginário pós-republicano do Brasil), em um dia que carregava simbologias políticas: 14 de julho era aniversário da Tomada da Bastilha, a data histórica do início da Revolução Francesa.

Naquele momento, Vila Rica talvez respirasse mais tranquila, pois os conspiradores que “questionaram o inquestionável1”, ou seja, o poder metropolitano, tiveram punição exemplar: o processo da devassa que durou três anos, entre prisões, interrogatórios, julgamentos, foi finalizado em 1792, no Rio de Janeiro. Os principais envolvidos na conjuração foram sentenciados com o degredo, e Joaquim José da Silva Xavier, o alferes agitador, foi condenado à forca. O “Suplício de Tiradentes2”, um espetáculo macabro de violência e morte na capital do vice-reino, terminou com a exposição da cabeça do condenado em alta estaca no centro de Vila Rica, ainda em 1792.

A cidade entre serras e penhascos acostumava-se agora com a ausência de muitos de seus “homens bons” - como se denominava a elite local, atuante em cargos públicos importantes na capitania, proprietária de terras, lavras e escravizados. Os que se envolveram na sedição, ou estavam mortos ou foram exilados em África, não mais participando do Senado da câmara, dos eventos das Igrejas e irmandades religiosas, das festas públicas, das reuniões no Palácio do governador, das tabernas e dos camarotes da Casa da Ópera. Inconfidentes como Tomás Antônio Gonzaga, José Álvares Maciel, Alvarenga Peixoto, João de Rodrigues de Macedo e Cláudio Manuel da Costa eram frequentadores da casa de espetáculos. Este último, inclusive, não era apenas um simples espectador. O poeta e advogado mineiro, além de ser assinante de camarotes no teatro, teve um texto de sua autoria, São Bernardo, encenado na primeira temporada de inauguração da Casa da Ópera, em 1770 - o único de um autor local3.

Cláudio Manuel também participou do processo de edificação do prédio teatral. É provável que tenha sido um articulador, costurando relações entre João de Souza Lisboa, o coronel e contratador construtor do teatro, e o governador-geral da capitania de Minas Gerais na época, José Meneses de Castelo Branco e Abranches, o Conde de Valadares, numa aliança entre a máxima autoridade local e parte da oligarquia intelectualizada da região para formar novos círculos letrados em Vila Rica. As práticas da cultura urbana expandiram-se para além dos salões e palácios, muito além das Igrejas, envolvendo um novo espaço construído para apresentar espetáculos, a Casa da Ópera4.

Essa articulação entre elite letrada e poder político já vinha sendo preparada anos antes, quando da chegada do Conde de Valadares, vindo de Portugal, em Vila Rica - por sinal, uma cidade com vida cultural intensa desde as primeiras décadas de formação da capitania. Na cerimônia de posse do governador, em setembro de 1768, Cláudio Manuel organizou um recital de poesias para a apresentação de poemas laudatórios em formato musicado, éclogas, odes e sonetos. Em dezembro do mesmo ano, houve a comemoração do aniversário de 26 anos do novo governador e Cláudio Manuel encenou seu drama musicado O Parnazo Obsequioso, inspirado na obra Il Parnaso Acusado e Difeso, de Metastasio5. Foi nessa ocasião que o poeta anunciou a criação da Arcádia Ultramarina, uma extensão da instituição literária Arcádia Romana6, em ambiente colonial.

A iniciativa de Cláudio, longe de ser uma ação isolada, foi tramada em contato com outros poetas mineiros que estavam na Europa. Cláudio, que havia estudado Direito Canônico em Coimbra, tinha relação com Basílio da Gama, natural de São José do Rio das Mortes, Minas Gerais. Este, aproximara-se primeiramente da Arcádia de Roma, durante o período em que esteve na Itália protegido pelos jesuítas. Basílio tinha o nome pastoril de Termindo Sipílio e indicava sua naturalidade como “americano7”.

Para um luso-brasileiro, ser membro da Arcádia italiana era sinal de prestígio e reconhecimento. Era a certificação do novo partícipe como integrante dos círculos de produção da alta cultura ocidental. Além do mais, teria como pares ninguém menos do que Pietro Metastasio e Carlo Goldoni - os maiores libretistas italianos do século XVIII.

Uma prática da agremiação romana era a fundação de colônias em outras regiões da Itália. Cada “colônia” teria uma espécie de chefe local, chamado de “vice-custódio”, subordinado diretamente à Roma. Tudo leva a crer que uma dessas “colônias” era a Ultramarina, anunciada pelo vice-custódio Cláudio Manuel, em Vila Rica. Em 1768, Basílio da Gama esteve de passagem no Brasil e deve ter chegado a se encontrar com Cláudio Manuel na cidade mineira8. Outros letrados também seriam membros da instituição, como Joaquim Inácio de Seixas Brandão, natural do Rio de Janeiro e formado em Medicina, em Montpellier; e os mineiros formados em Coimbra, Manuel Inácio da Silva Alvarenga e Inácio José de Alvarenga Peixoto.

A Arcádia Ultramarina era de certa maneira um projeto coletivo, consequência também da circulação de homens letrados, muitos deles provenientes de uma elite colonial que investira na formação universitária - inexistente na colônia - enviando seus filhos para universidades europeias. Em terras estrangeiras, esses jovens estudantes deparavam-se com novidades científicas, filosóficas e literárias que marcaram o século XVIII como o século das “Luzes” - em Portugal, sobretudo a partir do governo de D. José I, com a reforma educacional da Universidade de Coimbra. Mas novidades e trocas teóricas não estariam limitadas ao contato a um só reino ou região, pois o cosmopolitismo era uma das caraterísticas indissociáveis do espaço alargado da República das Letras que se formara ao longo do século XVIII e culminaria nas revoluções posteriores9.

Por outro lado, tudo indica que a prática de fundação de diversas Arcádias não seria um projeto muito planejado por parte da instituição romana. Sérgio Buarque inclusive levanta a hipótese da Arcádia já estar em decadência naquele momento, escrevendo que “a academia do parnásio nunca se mostrou parcimoniosa quanto à admissão de novas “colônias” e novos pastores”. O historiador Sérgio Alcides, complementando a tese de Sérgio Buarque, analisa que numa “estimativa discreta”, no catálogo de associados à Academia haveria cerca de 15 a 20 mil acadêmicos10.

Mesmo assim, a possibilidade de formação da Arcádia Ultramarina em relação direta com a instituição romana significava uma forma de equiparação artística, ultrapassando os limites geográficos da América portuguesa, para colocar os poetas coloniais em “pé de igualdade diante da produção cultural européia11”, além de motivar o compartilhamento de referências e experimentações literárias baseadas em uma tradição discursiva e emulativa a partir de tópicas neoclássicas.

Os intelectuais e artistas que circulavam nas academias literárias mobilizaram debates sobre gêneros teatrais na Itália e na França. A forma teatral teria um interesse específico, dada sua capacidade de mobilizar audiências, pelo estabelecimento de uma relação direta com o espectador, em suma, por seu caráter “público”. A atualização francesa de utile et dulce, de Horácio, tornou-se para os autores acadêmicos setecentistas um princípio para defender a utilidade da arte. O teatro assumiria uma função pedagógica e civilizatória, seria capaz de moralizar e educar os costumes, representar vícios a serem combatidos e virtudes a serem exaltadas. O interesse pelo teatro estava presente nos círculos literários europeus, e por isso também estava no horizonte dos letrados coloniais.

Todos os Ultramarinos de alguma maneira escreveram sobre/ para teatro, alguns tornando-se também frequentadores ativos da Casa da Ópera de Vila Rica, o palco que apresentará Zaira em 1793. Cláudio Manuel, além de São Bernardo, era autor de vasta obra teatral, envolvendo poesias dramáticas, textos em rima solta e traduções de peças de Pietro Metastasio, como consta na carta que enviou para a Academia Brasílica dos Renascidos, na Bahia, em 175912. Basílio da Gama foi tradutor de obras teatrais italianas e francesas, e trocou correspondências com o próprio Metastasio, relatando sobre teatros coloniais frequentados por gente “que não sabe que existe Viena no mundo13”. Em Portugal, Basílio também era reconhecido por seu envolvimento com o teatro. Em 1773, um estudante de Coimbra, que assina como J.C.D.M (João Cabral de Melo), escreve Epistola a Joze Bazilio da Gama sobre a utilidade de hum Theatro em Coimbra, solicitando o apoio do poeta para a iniciativa teatral14.

Alvarenga Peixoto pode ter sido autor de uma tradução da tragédia Mérope, de Maffei15 - texto, inclusive, reformulado por Voltaire. E Tomás Antônio Gonzaga, por sua vez, que não era da geração dos Ultramarinos - mas que depois se aproxima de Cláudio Manuel - cita a Casa da Ópera de Vila Rica em seu poema satírico As Cartas Chilenas, obra que circulou em forma de panfletos anônimos, no ano de 1786. Na dedicatória da obra, inclusive, destaca a função pedagógica do teatro, reiterando o discurso ideológico neoclássico do “teatro como escola da moral e dos costumes16”.

Por fim, Silva Alvarenga, poeta mestiço, que também estudou Cânones na Universidade de Coimbra, entre 1768 e 1776, dedicou seu primeiro poema publicado ao próprio Basílio da Gama - amigo com quem conviveu nos oito anos em que esteve em Portugal. Na epístola, Silva Alvarenga cita Nicolas Boileau ao elogiar Basílio da Gama e, ao fim do poema, celebra feitos do Marquês de Pombal, carregado de otimismo quanto ao reinado de D. José I:

Hoje aplana os caminhos aos séculos vindouros/ A glória da nação se eleva e se assegura/ Nas letras, no comércio, nas armas, na cultura./ Nascem as artes belas, e o raio da verdade/ Derrama sobre nós a sua claridade./ Vai tudo a florescer, e porque o povo estude/ Renasce nos teatros a escola da virtude./ Consulta, amigo, o gênio, que mais em ti domine: /Tu podes ser Molière, tu podes ser Racine. / Marquezes tem Lisboa, se cardeais, Paris./ José pode fazer mais do que fez Luiz17.

O texto alude à função moralizante do teatro, estimulando o amigo homenageado a escrever para o teatro. Os referenciais neoclássicos estão claros: Tu podes ser Molière, tu podes ser Racine, indicando talvez o desejo de Basílio da Gama de se tornar um dramaturgo.

Mais tarde, quando retornou à América, Silva Alvarenga teria uma das maiores bibliotecas da colônia, com mais de 1500 exemplares. O autor possuía coleções de obras completas de Pierre Corneille, Crébillon, Marmontel, Molière, Ludovico Ariosto, textos teóricos de Nicolas Boileau e D. Roland, o tratado de retórica de Quintiliano, textos de Racine, e o teatro completo de Voltaire18. Aliás, o philosophe era uma presença importante nas bibliotecas dos letrados luso-brasileiros.

Voltaire não era um dos filósofos mais radicais do movimento que ficou conhecido como “luzes” ou “república das letras”: circulava em ambientes aristocráticos e burgueses, criticava valores da sociedade do antigo regime sem, contudo, propor uma ruptura radical com a nobreza; sofria com o autoritarismo e censuras persecutórias, ao mesmo tempo em que era aclamado por parte de suas obras - especialmente o teatro e a poesia. Suas ideias mobilizaram debates polêmicos no século XVIII e, anos mais tarde, em 1791, em pleno processo revolucionário, numa espécie de apoteose triunfal, seu corpo foi panteonizado no Panteão, o templo “onde tudo será Deus, exceto o próprio Deus19”.

Para os Ultramarinos, a Henriade, de Voltaire, inspirou diretamente a composição do poema Vila Rica, de Cláudio Manuel da Costa, de 1773, e exemplares de obras como Dictionnaire philosophique, Romans et Contes, Œuvres e Siècle de Louis XIV, presentes nas bibliotecas privadas coloniais20, deviam circular entre os letrados.

Ao mesmo tempo, o interesse específico pelas obras teatrais do filósofo francês se dava também pelo sucesso público de suas tragédias nos palcos europeus setecentistas. A Voltairomania, termo criado pelo Abade Desfontaines, como título do seu texto de resposta aos ataques anônimos de Voltaire: La voltairomanie, de 173921, rapidamente dissociou-se do conteúdo de provocação ao filósofo francês para se tornar sinônimo da popularidade das obras voltairianas na França e em outros lugares do mundo (voltairofilia/ voltairofobia).

Em Portugal, enquanto em 1770 textos polêmicos de Voltaire entravam para o Index das obras proibidas pela Real Mesa Censória, com a alegação de serem “abomináveis produções da incredulidade e da libertinagem de homens tão temerários e soberbos22”, Basílio da Gama, na época matriculado na Universidade de Coimbra, entregou um requerimento para a instituição censória com a tradução da tragédia Mafoma, ou o fanatismo, do filósofo francês23. O texto fora proibido, mas posteriormente, outras tentativas foram feitas, com veredictos favoráveis. Em 1776, há outro pedido de aprovação para licença de representação da peça no Teatro da Calçada da Graça e apesar de não haver o nome do tradutor, o registro de localização indica o nome de “José Basílio da Gama24”.

O poeta, anos antes, escreveu um poema dedicado ao teatro, chamado A Declamação trágica, em 1773, inspirado pela obra La Déclamation Théâtrale, de Claude-Joseph Dorat, um tratado em verso publicado entre 1758 e 1767. Na obra em questão, Basílio da Gama dirige-se a uma atriz anônima e usa ao longo de todo o texto citações de várias peças francesas, majoritariamente de autoria de Voltaire, inclusive Zaira, nosso objeto de estudo25.

Outro acadêmico luso-brasileiro, filiado à Arcadia Romana e amigo de Basílio da Gama, chamado Seixas Brandão, pode ter traduzido duas peças de Voltaire para o português (Zaira e Alzira), provavelmente ainda no final da década de 1760, depois de formado em Montpellier, quando já circulava por Lisboa, segundo Adrien Balbi26.

Se no reino, o teatro de Voltaire era lido, discutido e começava a entrar nos palcos com força no final da década de 1760, por intermédio inclusive de luso-brasileiros como o próprio Basílio da Gama e talvez Seixas Brandão, data de 1778 a primeira representação de uma tragédia do philosophe na América portuguesa, mais especificamente, Zaira, na Casa da Ópera do Rio de Janeiro - 15 anos antes da encenação de Vila Rica. Foi o musicólogo Curt Lange (1903-1997) quem encontrou uma partitura musical para a encenação da peça no teatro carioca27.

Naquele momento, a casa de espetáculos, em atividade desde a década de 1760, seguia um cronograma de temporadas teatrais anuais, com espetáculos toda a semana. Seu repertório, como o de outras Casas da Ópera como a de Vila Rica, baseava-se sobretudo em adaptações de óperas italianas de Metastasio, comédias de Goldoni e António José da Silva, o Judeu, entremezes e adaptações cômicas “ao gosto português28”. As noites de espetáculo eram conhecidas como jornadas teatrais, envolvendo música, dança, pantomimas e intermédios cômicos, com cenários de aparato barroco e maquinários para a produção de uma teatralidade híbrida e de efeitos. Os ares aristocráticos das óperas italianas misturavam-se ao apelo popular das comédias. Por isso que a encenação de Zaira trouxe novidades também em termos formais: era a primeira vez que uma tragédia declamada francesa era encenada em um teatro da América portuguesa.

Zaira foi representada no último ano de governo do Marquês do Lavradio, o responsável pela criação da Academia de Ciências do Rio de Janeiro, em 1771, um dos espaços letrados mais importantes do Rio de Janeiro naquele período. A Academia era organizada por meio de sessões que discutiam e apresentavam trabalhos ligados à História Natural e à Medicina. O interesse de Lavradio pelas Ciências Naturais não o impediu que se aproximasse também do teatro. O vice-rei descreve a casa de espetáculos em suas correspondências29. Em 1776, recebeu a dedicatória de um poema encomiástico de Alvarenga Peixoto, como prólogo do drama lírico Eneias no Lácio (de temática clássica a partir de um episódio da Eneida, de Virgílio):

Ao mesmo Marquês [do Lavradio]/ Servindo de prólogo ao drama Enéas no Lácio/ Se armada a Macedônia ao Indo assoma, / E Augusto a sorte entrega ao imenso lago;/ Se o grande Pedro errando incerto e vago/ Bárbaros duros civiliza e doma;/ Grécia de Babilônia exemplos toma,/ Aprende Augusto no inimigo estrago,/ Ensina a Pedro quem fundou Cartago/ E as leis de Atenas traz ao Lacio e Roma./ Tudo mostra o teatro, tudo encerra;/ Nele a cega razão aviva os lumes/ Nas artes, nas ciências e na guerra./ E a vós, alto senhor, que o rei e os numes/ Deram por fundador à nossa terra,/ Compete a nova escola de costumes30.

Na ocasião, Alvarenga Peixoto havia acabado de retornar de Portugal, depois do tempo de estudos em Coimbra, para assumir o posto de ouvidor da Comarca de Rio das Mortes, em Minas Gerais. Estava de passagem pelo Rio de Janeiro e deve ter encontrado uma boa oportunidade de aproximação com Lavradio para tramar novas articulações de redes letradas na América Portuguesa. O poeta sabia que a proteção do poder público era fundamental na organização de instituições coloniais e que Lavradio era um vice-rei interessado na ciência e nas artes.

No mesmo ano de 1776, o poeta mestiço Silva Alvarenga chegava à cidade também vindo de Portugal. Dali retornaria a Minas para depois, em 1782, assumir o posto de professor de retórica na cidade do Rio de Janeiro. Mais tarde, estaria envolvido em outro episódio caracterizado como sedição, a Inconfidência Carioca, de 1794, em torno de investigações sobre a Sociedade Literária do Rio de Janeiro, da qual foi um dos fundadores.

A presença dos dois Ultramarinos na capital do vice-reino pode ter trazido novas discussões sobre a poética teatral, juntamente com exemplares de textos dramatúrgicos à América portuguesa. O apelo do teatro neoclássico francês, assunto de debates no reino entre os letrados luso-brasileiros, deve ter atualizado conversas entre os homens cultos do Rio de Janeiro. Datam também de 1776 encenações de Molière na Casa da Ópera31. Ou seja, o teatro francês chega no ambiente colonial no mesmo ano de retorno de dois poetas ultramarinos, Silva Alvarenga e Alvarenga Peixoto.

É curioso porque a primeira edição conhecida de uma tradução portuguesa de Zaïre data de 1783, em Lisboa, feita pelo ator Pedro António, quando o pedido para representação da peça no Teatro do Bairro Alto data de 176932. Ou seja, a encenação carioca de 1778, se seguiu uma tradução para o português, baseou-se no manuscrito da encenação ou teve outra origem. Quem teria se empenhado nessa tradução? Teria sido feita pelos próprios Ultramarinos? Talvez Basílio da Gama, que já tinha traduzido Mafoma, ou o Fanatismo, de Voltaire, ou Seixas Brandão, como apontado por Balbi.

O fato é que o círculo de letrados mineiros, apesar da não continuidade da Arcádia Ultramarina - que provavelmente teve uma vida curta, tal como outras tentativas coloniais e inclusive portuguesas - manteve-se ativo durante toda a década de 1780. Em Minas Gerais, com a chegada de novos letrados em Vila Rica, como o poeta Tomás Antônio Gonzaga, as sociabilidades expandiram-se: “A Arcádia Ultramarina, ainda que não tivesse mais esse nome, achava-se agora viva, mais viva, de fato, do que ao tempo do Conde de Valadares33”, como escreve Sérgio Buarque. E apesar da dispersão em 1789, devida à revolta da Inconfidência Mineira, de certa maneira a vida literária em formação34 desdobrou-se no Rio de Janeiro, com Silva Alvarenga e a Sociedade Literária.

Sabe-se que Zaira teve mais uma encenação em Cuiabá35, três anos antes da de Vila Rica, em 1790, como consta na descrição das comemorações pelo aniversário do ouvidor de Cuiabá, Dr. Diogo de Toledo Lara Ordenhes36. Homem erudito, admitido na Academia das Ciências de Lisboa, em 1795, foi considerado o “primeiro naturalista de São Paulo”, segundo Taunay37. De família paulista, Ordonhes foi licenciado em Cânones, em Coimbra, em 177938, e assumiu o posto de juiz de fora da Vila de Cuiabá, em 1785. Não há indícios de um contato mais direto com os poetas mineiros, mas é certo que as redes de letrados estenderam-se na América portuguesa, num contexto de difusão das Luzes: a elite intelectualizada luso-brasileira devia se conectar não só pelo referencial acadêmico, mas também pela formação universitária europeia, pelos laços de sangue e vínculos familiares, pelos altos postos que ocupava, pelos negócios lucrativos a tratar.

Pelas fontes documentais, Zaira só será encenada novamente em Vila Rica, em 14 de julho de 1793 - a última representação registrada do século XVIII, na mesma temporada onde será representada Mafoma, também de Voltaire. Zaira, a tragédia de maior sucesso do philosophe, escrita em 1732 em versos alexandrinos e apresentada pela primeira vez no mesmo ano na Comédie-Française, narra a história de Zaira, uma jovem escravizada desde o nascimento em Jerusalém, no tempo da sétima cruzada do rei francês São Luís, ou Luís IX. O conflito gira em torno dos personagens de Zaira e Orosman, filho do sultão Saladin e atual soberano, que quer se casar com Zaira, contrariando o costume poligâmico muçulmano. De acordo com Voltaire, é um “jeune homme plein de grandeur, de vertus, et de passions39”. Zaira corresponde seu amor, embora desde a primeira cena se anuncie a tensão religiosa que se desdobrará ao longo das cenas. A protagonista tem origem francesa e cristã, mas por ter sido criada em cativeiro num reino muçulmano, nunca fora batizada. A tragédia atinge seu ápice quando seu pai, Lusignan, rei cristão de Jerusalém, que é prisioneiro de Orosman, é libertado e a reconhece como filha. Uma série de mal-entendidos levam ao desenlace final, com a morte de Zaira por Orosman, enlouquecido de ciúmes.

Voltaire estimulado por estudos filosóficos e históricos, escreve a primeira tragédia com tema “francês”: os personagens são de origem francesa, baseados em um período determinado da história do reino. O autor quis colocar em cena o “contraste de valores como honra, pátria, amor, religião40”, a partir do conflito entre as ideias de fanatismo e tolerância. Em suas próprias palavras seria uma “tragédia cristã41”, que estimularia debates filosóficos e um aprendizado moral por parte do público. A peça, nesse sentido, contribuiria para a relativização de religiões diferentes. O final trágico mostraria pela via contrária o princípio universalizante da tolerância religiosa.
A discussão religiosa era vital na obra de Voltaire, que assumiu por vezes uma postura militante, como no caso jurídico de Calas, de 1761, motivador da escrita do Tratado sobre a Tolerância, redigido entre 1762 e 176342. A tolerância como imperativo moral em Voltaire abria a possibilidade para a constituição de um ethos ou modelo comportamental universal, ao mesmo tempo em que se apresentava como força política pacificadora. O princípio da tolerância conectava-se com a ideia de liberdade, também defendida por Voltaire: liberdade política, civil e religiosa que deviam se espalhar para além das fronteiras de um único território.

A liberdade também aparecia como tema na tragédia ao representar a escravidão. Zaira é uma mulher escravizada desde a infância, e infiel aos olhos dos cristãos, porque não fora batizada. A despeito da condição de cativa e da “alma infiel”, como descreve seu irmão, Nérestan, é virtuosa. Voltaire cria impasses morais na personagem: pela sociedade, é escravizada, pela religião é infiel, mas do ponto de vista da subjetividade, é cheia de virtudes, capaz de cultivar um espírito “elevado”, estabelecendo uma identificação dos espectadores com a personagem. Não à toa, a peça foi considerada um “sucesso de lágrimas43”. O discurso emocional da tragédia abriria espaço para se pensar de outra forma na ideia de liberdade como oposição categórica, através do discurso da escravizada virtuosa?

Por outro lado, a dramaturgia de Zaira com o final de mortes sucessivas marca a virada de Orosman de um líder justo e amoroso, que “traitait avec douceur les esclaves chrétiens”, para um personagem impetuoso, violento, cego de ciúmes, “bárbaro”, como o próprio Nérestan o chama. O choque entre modelos de culturas intensifica-se ao longo da peça através do posicionamento autoritário de Lusignan ao não aceitar a união de Zaira com Orosman, do discurso intolerante e arrogante do próprio Lusignan e de Nérestan em relação aos muçulmanos. A tragédia termina com o triunfo da religião católica, que surge através da redenção de Orosman e a libertação de todos os cristãos de Jerusalém. A possibilidade de convivência entre religiões não se efetiva plenamente: a morte de Orosman marca as suas desmedidas pessoais que transbordam para seu governo, minimizando as atitudes intolerantes dos cristãos ao longo de toda a peça.

Além disso, não há um processo de mudança nem de aprendizado para os personagens: o que se anuncia no início potencializa-se até o final, pois os conflitos religiosos e políticos entre cristãos e muçulmanos só se intensificam a ponto de terminar em mortes e lágrimas. O amor entre Zaira e Orosman não foi suficiente para evitar a tragédia.

Entre o sentimentalismo cristão e o discurso sobre a tolerância religiosa no cenário exótico de Jerusalém (influenciado pelos grandes espetáculos operísticos), a complexa trama que remetia à Othello, de Shakespeare, mas principalmente à Bajazet, de Racine, era agora presentificada na Casa da Ópera de Vila Rica. Dada a gravidade dos acontecimentos políticos anteriores em Minas Gerais e a memória da Inconfidência que permanecia na capitania através de boatos e murmúrios, é possível indagar sobre o significado político dessa encenação no 14 de julho.

A Casa da Ópera, agora propriedade da Junta da Fazenda44, tinha como autoridade máxima o governador geral, Luís António Furtado de Castro do Rio de Mendonça e Faro, Visconde de Barbacena - o mesmo responsável pelos primeiros desdobramentos jurídicos da Inconfidência após a suspensão da derrama de fevereiro de 1789 e a delação de Silvério dos Reis. Nessa ocasião, Barbacena garantira a proteção de alguns sediciosos, entre eles o contratador João de Rodrigues de Macedo, que não seria submetido a nenhum interrogatório, investigação ou implicação. Este último, um dos protagonistas da conjuração, era um dos homens mais poderosos de Minas Gerais. O contratador fora credor de figuras eminentes, como Alvarenga Peixoto; era o principal cliente do advogado Cláudio Manuel da Costa e figura constante no tribunal de Tomás Antônio Gonzaga, ouvidor de Vila Rica. Ou seja, não era acadêmico, mas tinha relações muito próximas com os letrados. Macedo justamente tinha assinado um camarote no teatro de Vila Rica em 1793, acompanhando a temporada teatral que mesclou óperas italianas, comédias e entremezes com a obra de Voltaire45.

O contratador talvez fosse um dos únicos vivos conectados diretamente com a geração dos poetas que ajudou a construir o teatro mineiro e frequentou o espaço ao longo das décadas de 1770 e 1780. Mas os debates estéticos e filosóficos protagonizados pelos inconfidentes que motivaram a existência do próprio teatro já não mais eram ouvidos na vila colonial. A cultura urbana de Vila Rica modificava-se agora com a ausência de seus letrados rebeldes, e novos “cidadãos” teriam de ocupar os assentos do prédio teatral. A condenação à morte e o degredo dessa elite intelectualizada na capital do vice-reino um ano antes, em 179246, trazia para a atmosfera de Vila Rica um clima de fantasmagoria.

A Casa da Ópera estava lá, como um dos resultados materiais do projeto ideológico dos Ultramarinos; Voltaire era apresentado nos palcos, remetendo a ciclo de estudos, debates, trabalho em torno do teatro neoclássico francês pelos mesmos poetas desde Portugal e o Rio de Janeiro, passando talvez por Cuiabá; e a data escolhida para o início da temporada com a apresentação da tragédia, 14 de julho, como se numa tentativa de reatar laços com os Inconfidentes que já não mais existiam, remetia à Revolução Francesa, às leituras radicais de autores como Abade Raynal, Diderot, Robertson, Condillac e Mably, às correspondências com Tomás Jefferson47.

A tolerância e liberdade evocadas no texto de Voltaire talvez ecoassem no imaginário pós-Inconfidência. Por outro lado, os próprios limites temáticos da peça abriam espaço para o discurso católico “triunfar” no palco de Vila Rica. E estranhamente, a história de Zaira, contemporânea ao rei Luís IX da França, canonizado como São Luís, duplicava-se na religiosidade local pela presença da pintura do próprio rei francês na Igreja do Carmo, vizinha à Casa da Ópera48. Teria Zaira, no teatro colonial, um sentido também religioso? A presença católica nos palcos do teatro, desde a encenação de São Bernardo, de Cláudio Manuel, ganhava novos ares, impulsionada pela atualização frente ao repertório português, que cada vez mais se influenciava pela dramaturgia neoclássica francesa. A provocação política como um eco da Inconfidência Mineira, através das coincidências implícitas à autoria de Voltaire, e à escolha do dia 14 de julho, estaria amalgamada à cultura religiosa local.

Ao mesmo tempo, a encenação, organizada pelo empresário Antônio de Pádua, subordinado ao governador-geral, foi feita por atores e atrizes negras e mestiças, libertas e escravizadas, os trabalhadores dos teatros coloniais. Aliás, a dimensão da escravidão em cena, temática da peça, se materializava no palco, ganhando outros sentidos com esses artistas que mesmo pintando suas caras de branco, mostravam a cor da pele escura pelas mãos49.

Pelos relatos existentes de outras encenações, como a de Cuiabá, a cena provavelmente foi construída como tragédia declamada, misturada a entremezes cômicos e apresentações musicais, motivados pelo apelo popular e mercantil de uma cena espetacular, de efeitos e comicidades. É de se perguntar para quem o texto francês estava sendo encenado: se para os sobreviventes da revolta, partícipes de uma geração que não mais existia; se para um público interessado em atualizações do repertório europeu, envolvido mais com sensações estéticas espetaculares do que com sentidos de discurso; se para membros de uma nova elite letrada, que de alguma maneira reivindicava o movimento antimetropolitano; se para os interessados no elogio da religião católica, envolvidos com as irmandades locais; se para o próprio governador, figura contraditória no movimento da Inconfidência mineira. O que estreou no palco do teatro em 1793 era uma apresentação ambígua, que diante de sua relação com o passado recente local, temática da peça, influência religiosa e hibridismo de formas, explicitava o contexto de crise política em fins do Antigo Regime colonial, fechando uma espécie de ciclo ilustrado e sedicioso, iniciado com Cláudio Manuel da Costa, Basílio da Gama e os letrados Ultramarinos.

Fontes Manuscritas

CARTA enviada por João de Sousa Lisboa a Rodrigo Francisco Vieira em 14 de Dezembro de 1770 sobre o aparecimento da Ópera São Bernardo, Belo Horizonte, APM, CC 1205, fls. 45v e 46.

CARTAS enviadas pelo Dr. Claudio Manoel da Costa à Academia Brazilica dos Renascidos em Salvador da Bahia, Belo Horizonte, APM, Col. APM Cx. 01 doc. 03.

O Parnazo Obsequioso e Obras, Manuscrito, 1768, AHMI, Ouro Preto, MG.

Partitura da encenação de Zaira no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, ACL/UFMG. Cx. 23, Série 10.3.16.13, fl. 4.

Recibo passado ao Sr. João Rodrigues de Macedo por Antônio de Pádua pela assinatura de um camarote de 14 de julho de 1793 a 2 de março de 1794, Belo Horizonte, ACL/UFMG Cx. 23. Série 8.1.30.44.

Regimento da Real Mesa Censória, “Título X: Das regras que se devem observar na Censura dos Livros, em quanto se não formar hum novo Index Expurgatorio, e do que na formaçaõ se deve praticar Lisboa, ANTT, RMC.

Bibliographie

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Notes

1 MAXWELL, 2010, 282. Retour au texte

2 “Festa do Despotismo: suplício de Tiradentes”. Retour au texte

3 “CARTA enviada por João de Sousa Lisboa a Rodrigo Francisco Vieira”. Retour au texte

4 O processo de articulação entre Cláudio Manuel da Costa, João de Souza Lisboa e o Conde de Valadares é estudado no capítulo 01 da tese de doutorado de Mariana MAYOR, 2020. Retour au texte

5 O Parnazo Obsequioso e Obras, 1768. Quem faz a relação com Metastasio é Sérgio Buarque de HOLANDA, 1991, p. 235. Retour au texte

6 Instituição literária fundada pelo círculo de intelectuais em torno da rainha Cristina da Suécia, em Roma, em 1690, financiada no início do século XVIII por D. João V, rei de Portugal. A Academia retomava tópicas gregas e romanas em oposição à tradição barroca. Retour au texte

7 CANDIDO, 2011, p. 157. Retour au texte

8 Sérgio Buarque discute sobre essa possibilidade: “Nota-se que o audacioso Basílio da Gama (...) andara pelo Brasil, muito provavelmente, em Minas Gerais, onde tinha a família, no mesmo ano em que se instalara ali a “colônia” arcádica de Vila Rica: seu regresso ao Velho Mundo em 30 de junho de 1768 está bem documentado, figurando ele no rol dos passageiros embarcados àquela data no Rio de Janeiro a bordo da nau Nossa Senhora da Penha de França.” HOLANDA, 1991, p. 240. Retour au texte

9 CHARTIER, 2009 ; VILLALTA, 2015. Retour au texte

10 ALCIDES, 2004, p. 87. Ver também HOLANDA. 1991, p. 203. Retour au texte

11 CANDIDO, 2011, p. 160. Retour au texte

12 Na carta, Cláudio Manuel descreve suas obras teatrais como: “Muitas poesias dramáticas que se representaram diversas vezes, nos teatros de Vila Rica e de outras cidades de Minas e do Rio de Janeiro; Mafalda Triunfante, que se mandou imprimir e foi composta a empenho do Exmo. Bispo Frei Manuel da Cruz, a quem foi dedicada; Ciro, ou a liberdade de Camboides; Circe e Ulysses, Orlando Furioso, Siques e Cupido em rima solta; Calipso; Várias traduções dos dramas do abade Pedro Metastasio: O Artaxerxes, a Dircea, o Demétrio, o José reconhecido, o Sacrifício de Abraão, o Régulo, o Parnaso Acusado; alguns destes dramas em rima solta, outros em prosa, proporcionados ao teatro português.” In CARTAS enviadas pelo Dr. Claudio Manoel da Costa [...]. Retour au texte

13 “L’omaggio dell’incolta America è ben degno del grande Metastasio. Questo nome è ascoltato con ammirazione nel fondo delle nostre foreste. I sospiri d’Alceste e di Cleonice sono familiari ad un popolo, che non sa che ci sia Vienna al mondo. Bel vedere le nostre Indiane piangere col vostro libro in mano, e farsi un onore di non andar al teatro ogni volta che il componimento non sarà di Metastasio!”. In METASTASIO, 1951-1954, p. 897. Retour au texte

14 TOPA, 2003, p. 18-21. Retour au texte

15 VERÍSSIMO, 1916, p. 3. Retour au texte

16 “Dois são os meios porque nos instruímos: um, quando vemos acções gloriosas, que nos despertam o desejo de imitação; outro, quando vemos acções indignas, que nos excitam o seu aborrecimento. Ambos estes meios são eficazes: esta a razão porque os teatros, instituídos para a instrução dos cidadãos, umas vezes nos representam um herói cheio de virtudes, e outras vezes nos representam a um monstro, coberto de horrorosos vícios.” GONZAGA, 1942, p. 207. Retour au texte

17 SILVA ALVARENGA, In HOLANDA, 1979, p. 355. Retour au texte

18 A lista completa de obras encontradas na biblioteca de Silva Alvarenga está em TUNA, 2009. Retour au texte

19 ROBINET, 1896, p. 540, in SABORIT, 2009, p. 150. Retour au texte

Disponível em: https://static.scielo.org/scielobooks/x9qvt/pdf/saborit-9788599662984.pdf. Acesso em 14 de dezembro de 2019.

20 TUNA, op. cit.; FRIEIRO, 1981; ARAÚJO, 1988 e VILLALTA, op. cit., 2015. Retour au texte

21 LEPAPE, 1995, p. 128. Retour au texte

22 De acordo com Edital da Real Mesa Censória de 24 de dezembro de 1770: “Autores franceses e ingleses: Fontaine, Hobbes, La Mettrie, Rousseau, Spinoza, Voltaire: Lettres Philosophiques, Essai sur l’Histoire Générale, Précis de l’Ecclésiastique, Mélanges de Littérature, dHistoire et de Philosophie; Religion naturelle, Poème sur le désastre de Lisbonne, La loi naturelle (todas estas obras se acham juntas na Coleção das do sobredito autor, reimpressa em Amsterdam 1764, e também separadas. Atribuem-se-lhes as seguintes: Épitre à Uranie, 1733; Candide, ou l’optimisme, 1759; La Pucelle d’Orléans, 1762 ; Dictionnaire Philosophique Portatif; Le Catécumene, 1768 ; Le Dîner de Mr. de Boulainvilliers, 1768; L’Homme aux quarante écus, 1768; La Philosophie de l’Histoire, Utrecht, 1765; La princesse de Babylone, Gen, 1768, reimpressa na mesma cidade, e ano, debaixo do título: Voyages et aventures d’une princesse Babylonienne pour servir de suite a ceux de Scarmentado; Zapata, ou Questions d’un Bachalier, 1768.”
In Regimento da Real Mesa Censória.
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23 Em 26 de Abril de 1770, foi distribuído ao padre mestre António Pereira um requerimento de José Basílio da Gama com uma tragédia intitulada O fanatismo. Registo do despacho para o censor da tragédia O fanatismo com registo de regresso em 26 de Abril de 1770 e 7 de Maio de 1770. Retour au texte

24 CAMÕES e PINTO, 2012. Retour au texte

25 “(…) Talvez a enternecer-nos vosso desejo aspira?/ Fazei com esses olhos que eu na infeliz Zaíra / Veja a cruel batalha de um peito generoso,/ Que perde as esperanças de vir a ser ditoso:/ Quando banhando as mãos do Pai, a quem adora,/ Prefere ao seu Amante um Deus, que ainda ignora.” GAMA, 1996, p. 256. Retour au texte

26 BALBI, 1822, p. 209. Retour au texte

27 Partitura da encenação de Zaira no Rio de Janeiro. Retour au texte

28 A expressão “ao gosto português” fazia referência à herança das comédias espanholas que em Portugal se transformou em um novo fenômeno editorial e teatral. Enquanto nos teatros régios portugueses Metastasio era representado em italiano, acompanhado pela publicação de libretos bilingues, em alguns teatros públicos foram encenadas traduções de espetáculos em português, muitas delas com reescrituras e anexações de novas cenas. Retour au texte

29 LAVRADIO, 1978. Retour au texte

30 ALVARENGA PEIXOTO, 1956, p. 33. Retour au texte

31 Ver BUDASZ, 2008 e BRESCIA, 2010. Retour au texte

32 Zaira, tragédia de Voltaire traduzida por Pedro António. Lisboa: Offic. de Antonio Rodrigues Galhardo, 1783. Retour au texte

33 HOLANDA, 1991, p. 246. Retour au texte

34 CANDIDO, 2011, p. 154 : “Mesmo quando não estavam em contacto direto, os escritores de Minas na segunda metade do século XVIII se ligavam por fios variados e de grande atuação, de maneira a construírem a referida vida literária, que se define de maneira tangível pelo relacionamento pessoal, pela interinfluência, pela oposição polêmica, pela comunidade da consciência estética. Retour au texte

35 Cuiabá era uma das principais vilas da capitania do Mato Grosso, formada no início do século XVIII, pela corrida do ouro e pelo processo de interiorização do Brasil. Retour au texte

36 MOURA, 1976, p. 27. Retour au texte

37 TAUNAY,1917, p. 1. Retour au texte

38 RODRIGUES, 1990. Retour au texte

39 Épître dédicatoire à Mr. Falkener, Marchand anglais, depuis ambassadeur à Constantinople. In VOLTAIRE, 2004, p. 58. Retour au texte

40 “L’idée me vient de faire contraster dans un même tableau, d’un côté, l’honneur, la naissance, la patrie, la religion ; et de l’autre, l’amour le plus tendre et le plus malheureux ; les mœurs des mahométans et celles des chrétiens; la cour d’un soudan et celle d’un roi de France; et de faire paraître pour la première fois des Français sur la scène tragique.” VOLTAIRE. Lettre à M. de la Roque, 1788, p. 26. Retour au texte

Segundo John Gray (1999): “As ideias iluministas de Voltaire levaram-no a conceber praticamente todas as sociedades que conheceu como aproximações - ou, o mais das vezes, distanciamentos - da civilização. Advogava firmemente a tolerância religiosa e mostrava-se um crítico implacável do eurocentrismo. Encontrou sólidos valores em várias outras culturas antigas e modernas. Valorizava-as, porém, não como fins em si mesmos e sim como degraus para uma civilização universal.”

41 « (...) On l’appelle à Paris, tragédie chrétienne ». VOLTAIRE, 1788, p. 2. Retour au texte

42 O episódio de Calas é considerado um dos mais célebres escândalos jurídicos do Antigo Regime. Jean Calas, protestante e comerciante de Toulouse foi acusado de assassinar seu filho - que havia sido encontrado enforcado - porque queria se converter ao catolicismo. Voltaire foi militante no caso : nas centenas de cartas que redigiu, reconhecemos como o filósofo construiu uma consistente via argumentativa, tentando mostrar aos quatro ventos que a condenação do réu fora motivada pelo fanatismo religioso daqueles que se diziam devotos, acreditando servir a Deus com um sangue de um pai de família simplesmente porque este não compartilhava dos mesmos ritos que os católicos”. BEDÊ, 2013, p. 49. Retour au texte

43 FRANTZ, MARCHAND, 2009, p. 16. Retour au texte

44 De forma geral, a Junta da Fazenda era um órgão da administração colonial, que tinha como objetivo gerir os rendimentos régios e promover sua arrecadação através da arrematação e fiscalização dos contratos, e da arrematação dos ofícios de magistratura. Retour au texte

45 Recibo passado ao Sr. João Rodrigues de Macedo. Retour au texte

46 À título de curiosidade, o juiz responsável pelo processo da Devassa da Inconfidência Mineira entre 1789 e 1792, no Rio de Janeiro, foi António Diniz da Cruz e Silva. O desembargador era formado em Leis, em Coimbra, no mesmo ano em que Cláudio Manuel da Costa. Foi poeta árcade e autor de uma peça teatral, O Falso Heroísmo, de 1775, conhecedor da geração dos letrados ultramarinos, ele próprio filiado à Arcádia Lusitana. Mais tarde, em 1794, ele também seria o responsável pelo processo da Inconfidência Carioca. Retour au texte

47 Referência à troca de correspondências entre José Joaquim Maia e Barbalho, estudante em Montpellier, e Tomás Jefferson, embaixador dos Estados Unidos na França, entre 1786 e 1787, buscando apoio político norte-americano para uma possível revolta antimetropolitana em Minas. Retour au texte

48 De acordo com a notícia de jornal, na Igreja de Nossa Senhora do Carmo há uma pintura do século XVIII que retrata o rei Luís IX, da França. Disponível em: https://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/pinturas-do-seculo-xviii-pertencentes-a-igreja-do-carmo-em-ouro-preto-sao-restauradas.ghtml. Acesso em 23 de setembro de 2021. Retour au texte

49 Saint Hilaire, em sua passagem por Vila Rica, em 1817: “Os atores tem o cuidado de cobrir o rosto com uma camada de branco e vermelho; mas as mãos traem a natureza que deus lhes deu, e provam que a maioria deles é de mulatos”. SAINT-HILAIRE, 2000, p. 73. Retour au texte

A observação de Saint-Hilaire não foi isolada. Tomás Antônio Gonzaga, frequentador da Casa da Ópera na década de 1780, no poema satírico inacabado Cartas Chilenas, compartilha da mesma impressão ao comentar as apresentações teatrais nas festividades em comemoração ao casamento real dos infantes portugueses, de 1786: “Ao gosto das Espanhas, bravos touros;/ Ordena- se, também, que, nos teatros, /Os três mais belos dramas se estropiem/ repetidos por bocas de mulatos;/ Não esquecem, enfim, as cavalhadas.” GONZAGA, 1942, p. 270.

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Citer cet article

Référence électronique

Mariana Mayor, « Zaira, de Voltaire, na Casa da Ópera de Vila Rica, em 1793 », Reflexos [En ligne], 9 | 2025, mis en ligne le 16 mars 2025, consulté le 17 juillet 2025. URL : http://interfas.univ-tlse2.fr/reflexos/1921

Auteur

Mariana Mayor

Universidade de São Paulo

https://orcid.org/0000-0001-5312-3918

Mariana Mayor é doutora em Artes da Cena pela Universidade de São Paulo (USP, Brésil). É professora Assistente (Artes Cênicas) na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Instituto de Artes, São Paulo. Mariana Mayor é autora da obra Triunfo Eucarístico como forma de teatralidade no Brasil colônia (Desconcertos, 2019) e organizadora do jornal bilingue Teatro situado : revista de artes escénicas con ojos latino-americanos.

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