A perigosa condição da filosofia: os escritos ilustrados na biblioteca de um cônego revolucionário

  • La périlleuse condition de la philosophie : les écrits des Lumières dans la bibliothèque d’un chanoine révolutionnaire
  • The dangerous condition of philosophy: the writings of the Enlightenment in the library of a revolutionary canon
Traduction(s) :
La périlleuse condition de la philosophie : les écrits des Lumières dans la bibliothèque d’un chanoine révolutionnaire

Durante a repressão à Conjuração Mineira (movimento revolucionário contra Portugal ocorrido no Século XVIII em Minas Gerais, Brasil), diversos intelectuais, professores de filosofia e literatos foram acusados ​​de associação para conspirar contra a sede, a coroa portuguesa. Homem de poucos meios, como evidencia a lista de seus bens apreendidos pelas autoridades, o cônego Luiz Vieira da Silva tinha, no entanto, uma biblioteca muito bem abastecida, notável para a época e o lugar. A lista de livros apreendidos e confiscados pelas autoridades portuguesas mostra que o proprietário era culto, bem formado e, em particular, destacava-se como leitor da Ilustração francesa. O objetivo do trabalho é avaliar como a leitura da Ilustração se tornou, no Brasil do Século XVIII, um fator de incriminação de intelectuais. Ler, cultivar ou possuir certas obras acarretava um alto grau de perigo, devido à influência revolucionária e crítica que se acreditava ali estar contida.

Lors de la répression de la Conjuração Mineira (mouvement révolutionnaire contre le Portugal qui eut lieu au XVIIIe siècle dans le Minas Gerais, au Brésil), plusieurs intellectuels, professeurs de philosophie et gens de lettres furent accusés de s’être associés pour conspirer contre la couronne portugaise. Homme aux moyens limités, comme en témoigne la liste de ses biens confisqués par les autorités, le chanoine Luiz Vieira da Silva disposait pourtant d’une bibliothèque très fournie, remarquable pour son époque et le lieu où elle se trouvait. La liste des livres saisis et confisqués par les autorités portugaises montre que leur propriétaire était cultivé, bien éduqué et se distinguait en particulier en tant que lecteur des Lumières françaises. L’objectif du présent travail est d’évaluer comment la lecture des Lumières est devenue, dans le Brésil du XVIIIe siècle, un facteur d’incrimination des intellectuels. Lire, cultiver ou posséder certaines œuvres était hautement dangereux en raison de l’influence révolutionnaire et critique qu’ils étaient censés contenir.

During the repression of the Conjuração Mineira (a revolutionary movement against Portugal that took place in Minas Gerais, Brazil, in the 18th century), several intellectuals, philosophy professors and literary figures were accused of conspiring against the Portuguese crown. A man of limited means, as shown by the list of his possessions confiscated by the authorities, Canon Luiz Vieira da Silva nevertheless had a very extensive library, remarkable for its time and place. The list of books seized and confiscated by the Portuguese authorities shows that their owner was cultured and well-educated, and distinguished himself in particular as a reader of the French Enlightenment. The aim of this study is to assess how reading the Enlightenment became a factor in the incrimination of intellectuals in eighteenth-century Brazil. Reading, cultivating or possessing certain works was highly dangerous because of the revolutionary and critical influence they were supposed to contain.

Plan

Texte

Bon nombre d’honnêtes gens n’ont pas laissé d’autre oraison funèbre que le catalogue de leur bibliothèque.
(Jules Janin)

Durante a repressão à Conjuração Mineira (movimento revolucionário contra Portugal ocorrido no Século XVIII em Minas Gerais, Brasil), diversos intelectuais, professores de filosofia e literatos foram acusados ​​de associação para conspirar contra a sede, a coroa portuguesa. Homem de poucos meios, como evidencia a lista de seus bens apreendidos pelas autoridades, o cônego Luiz Vieira da Silva tinha, no entanto, uma biblioteca muito bem abastecida, notável para a época e o lugar. A lista de livros apreendidos e confiscados pelas autoridades portuguesas mostra que o proprietário era culto, bem formado e, em particular, destacava-se como leitor da Ilustração francesa. O objetivo do trabalho é avaliar como a leitura da Ilustração se tornou, no Brasil do Século XVIII, um fator de incriminação de intelectuais. Ler, cultivar ou possuir certas obras acarretava um alto grau de perigo, devido à influência revolucionária e crítica que se acreditava ali estar contida.

O que pode conter uma biblioteca além de livros?

Conforme Kant, no § 31, II da Doutrina do Direito1, um livro é um escrito que comporta um discurso que alguém dirige ao público por meio de signos linguísticos visíveis. Aquele que fala em seu próprio nome chama-se autor. Aquele que, publicamente, fala por meio de um escrito em nome de outrem é o editor. Um escrito não é, imediatamente, a designação de um conceito, mas um discurso encaminhado ao público, quer dizer, o autor fala publicamente através do editor. A edição de livros, ainda se pronuncia o filósofo numa carta de 1798 a Friedrich Nicolaï, não é uma tarefa insignificante numa sociedade avançada em termos de civilização, na qual a leitura torna-se uma necessidade irreprimível e universal.

Indicador de um estado espiritual e social, esse objeto apresenta-se, grosso modo, da mesma maneira: composto em papel, ou em qualquer outro material orientado para o mesmo uso, caracteriza-se pelo fato de estar destinado a compor-se como uma espécie de palco de signos. Que um livro tenha por função ser lido, não há dúvidas. Todavia, essa determinação como tal permanece insuficiente para gerar a especificidade de seu modo de existência. Um livro não é uma simples ferramenta, ou o é, ao menos, somente de modo acessório. Como todo objeto da vida prática, só pode ser tomado pela designação estrita de seu uso e não, como outras ferramentas no sentido próprio do termo, em relação a outros objetos. A posse de um livro abre-se a usos e práticas que não se reduzem ao simples gozo de sua realidade física, nem mesmo à instrumentalização desta. O espírito que aí se instala, enquanto espírito não somente objetivo, funcional, residindo no simples uso do artefato concernido, reenvia-nos a um intenso processo de comunicação – cerne da função exercida pelo livro e pela leitura.

Talvez, essa função precípua seja a responsável por certo “magnetismo” que envolve a reunião de livros sob o nome de biblioteca, seja ela pública ou particular. Quando se trata de uma biblioteca particular, o papel de comunicar impede-a de ser vista apenas como um apêndice para elevar o próprio ego, e sim um local e um ambiente de pesquisa a partir de uma seleção estabelecida pelo seu proprietário. Como nos sugeriu Ítalo Calvino2, uma biblioteca deveria incluir uma metade de livros que já lemos e que contaram para nós, e outra de livros que pretendemos ler e, pressupomos, possam vir a contar. Separando uma seção a ser preenchida pelas surpresas, as descobertas ocasionais. Alvitra-se que vale, aqui, a afirmação: livros lidos são muito menos valiosos do que os não lidos. A biblioteca deve contar tanto das coisas que você sabe quanto dos seus recursos financeiros, dos seus empreendimentos, das suas surpresas e das suas aspirações. Enfim, uma biblioteca carrega consigo uma história. Cada livro parece trazer embutido um passado, uma cronologia, ambos ligados à sua aquisição e que não são transparentes a qualquer um que a visite. A biblioteca foi, no passado, e será, no futuro, dedicada à conservação de livros; portanto, é e será um templo da memória. As bibliotecas, ao longo dos séculos, têm sido o meio mais importante de conservar nosso saber coletivo. Foram e são ainda uma espécie de cérebro universal no qual podemos reaver o que esquecemos e o que ainda não sabemos. Uma biblioteca é a melhor imitação possível, por meios humanos, de uma mente divina, na qual o universo inteiro é visto e compreendido ao mesmo tempo. Uma pessoa habilitada para guardar em sua mente a informação suprida por uma grande biblioteca emularia, de certo modo, com a mente de Deus. Em outras palavras, inventamos bibliotecas porque sabemos que não possuímos poderes divinos, mas tentamos ao máximo imitá-los –lembra-nos Humberto Eco3 numa conferência sobre livros e bibliotecas.

Por isso, toda biblioteca é um lugar de “veneração”, de “respeito”, de silêncio. Também por esse mesmo motivo, as bibliotecas parecem estar em contradição com o compasso cotidiano, que não conhece os tempos mais longos e ignora olímpico o significado do otium litteratum – condição na qual as ideias brotam, multiplicam-se, avançam. Seu registro: os livros. Como sabemos, os livros não são pura e simplesmente um meio de fazer outra pessoa pensar em nosso lugar; ao contrário, são instrumentos capazes de suscitarem outros pensamentos. A fermentação intelectual depositada nos livros está na base de vários movimentos intelectuais, culturais e políticos. As bibliotecas podem revelar o quanto de fermentação pode estar contido no espírito de seu frequentador ou proprietário, porque, justamente, o livro é a materialização de um pensamento que quer ser divulgado e interpretado. Então, podemos entender que uma biblioteca é muito mais do que uma parte de uma casa ou edifício onde se lê ou deposita documentos; é, com efeito, um local que estrutura e aparelha conhecimentos, que confere identidade temática. Ligada a um proprietário ou a uma comunidade, a organização de uma biblioteca pode ser, antes de qualquer coisa, um ato político, pois a biblioteca deriva sua existência do próprio princípio de igual acesso à cultura para o maior número. Onde ela não pode estar, do mesmo modo não comparece o pensamento independente, a palavra disposta à interpretação pública e sem censura. “Que voulez-vous ? il ne nous est permis ni d’écrire, ni de parler, ni même de penser. Si nous parlons, il est aisé d’interpréter nos paroles, encore plus nos écrits4”. Há sem dúvida uma distância entre a palavra falada e a palavra escrita. Nesta, o registro obriga o cuidado de oferecer argumentações, provas, encadeamentos, de modo a eliminar a improvisação e a negligência; aqui o espírito se expõe e pode ser inquirido mais articuladamente. As restrições de ordem política ou ideológica dirigidas ao espírito divulga a falsa ideia de que há perigo na reflexão autônoma e na aquisição raciocinada do conhecimento. “Ils ont persuadé au gouvernement que si nous avions le sens commun, tout l’État serait en combustion, et que la nation deviendrait la plus malheureuse de la terre5”. A decisão de compor uma biblioteca expressa, direta ou indiretamente, um princípio democrático de acesso a ideias e posições as mais diversas, e ao leitor é dada a possibilidade de um contato largo com o mundo e daí retirar a reflexão favorável, entre outras coisas, ao desencadeamento de uma mudança de compreensão da ordem vigente. Esse estado de espírito também se encontra no fato historicamente comprovado de que qualquer poder autoritário e tirânico buscará censurar ou impedir a obtenção de livros que perturbam aquela ordem, podendo até mesmo, num eloquente ato de intimidação, queimá-los.

Dès son origine, la censure des livres se rattache au contrôle du comportement, comme le montre un passage biblique tiré des Actes des Apôtres6, le seul endroit de la Bible d’ailleurs qui parle d’une destruction de livres par le feu […] il apparaît que le fait de renoncer à la lecture de certains textes, et même de les détruire, signifie abandonner les pratiques et les comportements que les livres reflètent, soutiennent, voire engendrent7.

A Conjuração Mineira

A Conjuração Mineira pode, esquematicamente, ser entendida a partir de duas causas principais: primo, reconhece-se na colônia mudanças largas no plano ideológico; secundo, os aspectos econômicos da conjuntura imperial, ou seja, as consequências do fim da idade do ouro para o sistema luso-brasileiro e o seu impacto sobre a política colonial de Portugal no Brasil.

État des revenus de l’or aux Real Casas de Fundição dans le Minas Gerais, juillet et septembre 1767.

État des revenus de l’or aux Real Casas de Fundição dans le Minas Gerais, juillet et septembre 1767.

Os ares do sucesso da declaração de independência dos Estados Unidos, em 4 de julho de 1776, chegam à América Latina. A eles associado encontra-se um conjunto de novas ideias cujo núcleo era a liberdade enquanto condição humana, mais especificamente, como condição para a ação transformadora, para a ação política. Havia, portanto, de acordo com Santos8, para as colônias americanas duas fontes de inspiração de caráter libertário, a saber, uma concernente à revolução bem sucedida que tinha possibilitado a realização concreta da libertação de um povo e o surgimento de uma nova nação; outra, de caráter ideológico, divulgava a liberdade e a igualdade dos homens e era absorvida fora da colônia por sua aristocracia intelectual, mas conseguia supreendentemente se difundir entre as camadas populares. No Brasil, os integrantes desse grupo privilegiado tinham a possibilidade de estudar em universidades não apenas em Portugal, mas também na França e na Inglaterra. Entre os brasileiros de ascendência branca, emergia uma elite letrada cada vez mais representativa do caráter próprio de sua sociedade. Durante décadas, as famílias brasileiras vinham mandando os seus filhos para as grandes faculdades europeias. Nessas instituições de ensino, conheceram as recentes interpretações da filosofia política, entraram em contato com mestres e colegas de outras nações e se envolveram com as discussões e os valores inspirados na Ilustração francesa e no jus-naturalismo moderno. Estes elementos lhes ensinaram que os homens no Estado de Natureza eram livres e iguais, assim como a importância da razão e do desenvolvimento intelectual. “Ao voltarem à colônia era natural que as discussões literárias, filosóficas e políticas continuassem. Espalharam-se assim as ideias modernas mesmo entre aqueles que não haviam saído do país9”.

Fato digno de atenção é que, na década de 1780, identifica-se uma tensão interna do sistema luso-brasileiro impulsionadora de crescente desacordo entre a colônia e a metrópole. Enquanto a política imperial fosse tolerante, o envolvimento de grupos poderosos metropolitanos e coloniais em funções governamentais não anunciaria, inevitável ou necessariamente, a ameaça de uma confrontação entre eles. Porém, após a derrocada de Pombal, dada a motivação econômica contraditória, a situação muda drasticamente. Nesse contexto, destaca-se a capitania10 de Minas Gerais: a população da capitania em 1776, tirante os índios, era superior a 300 mil habitantes, o que representava 20% da população total da América Portuguesa, e constituía a maior aglomeração da colônia. Mais de 50% da população era negra, integrada por africanos importados ou por escravos brasileiros de pura herança africana. O restante da população era composto, grosso modo, por percentual igual de brancos e pardos. A economia regional, com suas propriedades rurais horizontalmente integradas, era capaz de absorver o choque das transformações que vieram após a exaustão do ciclo do ouro no Brasil. Em Minas, o foco urbano e o desenvolvimento difuso em atividades econômicas múltiplas fizeram com que os valores plutocráticos dos poderosos da capitania fossem algo diferente, qualitativamente, do espírito patriarcal do resto da colônia11. As preocupações de um homem de negócios, fosse ele brasileiro nato ou português morando na colônia, ficavam profundamente enraizadas e inseparáveis do ambiente local. Minas Gerais reúne, então, as condições econômicas e ideológicas necessárias para arquitetar um levante contra a coroa portuguesa. O desenvolvimento ali verificado era o avesso daquilo que a intelligentsia burocrática e oficial de Lisboa confiava ser a função de uma capitania colonial, mais especificamente a daquela que, por tanto tempo, fora a fonte mais importante da riqueza oriunda de além-mar.

[...] Subjacente ao confronto dos grupos de interesse, havia o antagonismo mais profundo entre uma sociedade que cada vez mais adquiria consciência de si e autoconfiança, em um ambiente econômico estimulador da auto-suficiência, em que punha ênfase, e a metrópole, interessada na conservação de mercados e no resguardo de um vital produtor de pedras preciosas, ouro e receitas12.

Em março de 1789, o governador de Minas Gerais recebe e acata uma denúncia da existência de certa conjuração com o objetivo de libertar, senão toda a colônia, ao menos Minas Gerais do domínio de Portugal. Os detalhes da proposta de insurreição foram decididos no fim de dezembro de 1788 e incluíam um levante armado contra a coroa. Todos os envolvidos eram brasileiros e representavam diferentes localidades da capitania; o grupo esperava que uma exacerbação fiscal na arrecadação fosse imposta em meados de fevereiro. Contando com a inquietação geral do povo, os insurretos se propunham a instigar uma agitação cuja cobertura seria a ocasião para assassinar o governador e proclamar uma república independente. Ao que tudo indica, a proposta de um Estado independente se apresentou, dentro de uma conjuntura bastante conturbada e de insatisfação, como uma solução para os devedores da coroa na capitania – pessoas importantes que tinham, apesar de não se encontrem na liderança do movimento, um amplo interesse no êxito do movimento13.

No entanto, a Conjuração Mineira fracassou, a expectativa da inquietação popular por conta do abuso fiscal foi frustrada, houve denúncias. Se tudo ocorresse conforme os planos, observa Maxwell14, teria sido desencadeada uma ação que poderia, em última instância, desfechar um golpe arrasador no domínio português sobre o Brasil. Na sequência, vieram torturas, trucidamentos, suicídios e enforcamentos. O castigo para os revoltosos foi brutal e o julgamento de alguns deles contou com uma particularidade: ao se efetivarem as prisões e os sequestros de bens, uma das provas requisitadas para incriminá-los fora os livros que possuíam e guardavam consigo.

Foi preso Luís Vieira, cônego da Cidade Mariana. Dizem que a sua culpa se limita a terem-lhe achado um livrinho francês, relativo ao levante desta terra, no qual se diz que podiam os habitantes viver sobre si, sem dependência do comércio para o nosso reino, à imitação do que fizeram os americanos aos ingleses15.

Atrás dos insurretos havia um grupo intelectualizado que ficaria encarregado de elaborar as leis e a constituição do novo Estado, articulando a justificação ideológica da ruptura com a metrópole. “Eram homens bem informados e tinham ótimas bibliotecas16”.

Le chef de la Conjuração Mineira, Joaquim José da Silva Xavier (dit « Tiradentes »), quelques instants avant son exécution.Œuvre de Raphael Falco, 1951

Le chef de la Conjuração Mineira, Joaquim José da Silva Xavier (dit « Tiradentes »), quelques instants avant son exécution.
Œuvre de Raphael Falco, 1951

O trânsito das ideias subversivas no Brasil Colônia do final do Século XVIII e o Cônego Luís Vieira da Silva

De acordo com Ventura17, a oralidade é a forma predominante de comunicação na sociedade ibero-americana no final do Século XVIII. A revolução bibliográfica, trazida com a divulgação das obras de Raynal, Rousseau, Voltaire, Montesquieu, Diderot e d’Alembert, implicou um impulso considerável da cultura escrita e tipográfica em sociedades formalmente orais. Essa revolução das formas de consciência e de representação se realizou através da mediação tradutora e interpretativa dos grupos letrados, detentores da linguagem escrita. As ideias ilustradas viajavam de navio, chegando ao Novo Mundo por meio das estadias de americanos na Europa, da passagem de europeus na colônia, da importação ou contrabando de livros e outros materiais impressos. Obras centrais para a difusão dos princípios filosóficos e políticos da Ilustração se encontravam presentes em algumas bibliotecas do período colonial, apesar de sua proibição pela censura ibérica. Em Portugal e no Brasil eram vedados, sobretudo, os autores franceses.

É preciso lembrar que o pombalismo, ao rechaçar os jesuítas, havia igualmente extinto o cerceamento bibliográfico por eles fixado, instalando, todavia, um outro.

O controle de obras, sob a responsabilidade da Inquisição, do Santo Ofício e do Rei, é unificado em 1768 pelo futuro Marquês de Pombal com a criação da Real Mesa Censória, organismo substituído em 1787 pela Comissão Geral para o Exame e a Censura dos Livros18.

A Mesa Censória volta a condenar Descartes, que outrora já havia sido autorizado pelos padres jesuítas, Bayle, Rousseau, Voltaire, Raynal, Holbach o jus naturalismo, destacadamente Hobbes e Locke. Até mesmo Bossuet não escapou à interdição. L’Encyclopédie é objeto de censura desde 1759. Tais obras eram consideradas subversivas e deviam ser vetadas, pois, conforme o entendimento dos censores, seriam capazes, de algum modo, de incitar a revolta contra as autoridades constituídas, questionando o poder absoluto ou apregoando a condição livre do cidadão. Contudo, as ressalvas à venda e circulação de obras de autores subversivos não impediam que elas aparecessem em grande número em bibliotecas públicas e privadas das Américas com relativa celeridade. Ventura19 informa que a Histoire des Deux Indes, cuja primeira edição data de 1772, era discutida entre os inconfidentes mineiros de 1789. Publicações proscritas, como L’Encyclopédie, podiam ser consultadas na biblioteca pública de Salvador ou no Colegio de San Marcos, em Lima. A desaprovação inibia a difusão das obras colocadas sob suspeita, mas não chegava a impedi-la, ainda que os transgressores fossem passíveis de medidas legais. Certamente, os embargos acabavam por despertar o interesse pelas leituras de obras tidas como ameaçadoras e subversivas e os livros eram, em geral, proibidos muito tempo após a sua distribuição.

Em uma carta de 1776 ao Marquês de Pombal, o Bispo de São Paulo denuncia a presença de “maus” livros entre o clero da cidade, revelando os obstáculos à implantação no Brasil dos decretos da censura metropolitana: “Escolhi o modo mais suave de lhe [o clero] introduzir bons livros, mas não posso extinguir os maus, porque as Leis e editais da Real Mesa Censória, ou não chegaram a esta Cidade, ou nela não tiveram quem as executasse, e ficou suspenso o seu preciso efeito20”.

Os inquéritos e processos contra os participantes da revolta de 1789, em Minas Gerais, contêm menções ou inventários das obras e bibliotecas confiscadas, o que prova que a demora notada, muitas vezes, no bloqueio à circulação das composições interditadas não atenuava certos desdobramentos persecutórios. Quando o poder constituído estava diante de intenções revolucionárias fundamentadas em ideias que punham em questão determinadas formas de mando e de gestão política, como aquelas encontradas na Encyclopédie21, ou em concepções que se associam ao livre pensamento, como as propostas no verbete “Liberdade de Pensamento”, do Dictionnaire philosophique22, a atuação enérgica e violenta não tardava e era exercida com grande eficácia para debelar não somente os revolucionários como, também, as ideias que os animavam e serviam de lastro intelectual. Os livros incriminam seus leitores! A posse de livros, metonímia do conhecimento, durante a Conjuração Mineira, sobretudo daqueles considerados "subversivos", tornou-se indicação de inteligência, humanismo, e, principalmente, índice de escape ao poder opressor23. Desse modo, o livro além de integrar-se ao sentimento de liberdade é igualmente um objeto capaz de desestabilizar a ordem, de "deformar" e "perverter" seus leitores, ou seja, a colônia. Uma das bibliotecas mencionadas e confiscadas ao longo da repressão à Conjuração Mineira é a do Cônego Luís Vieira da Silva, preso aos 54 anos acusado de envolvimento na conspiração de 1789 em Minas Gerais. Seus livros foram considerados uma evidência dessa ligação.

Na livraria do Cônego da Sé de Mariana havia também livros em que moravam ‘encantados’, e alguns nada católicos, que precisavam de água benta. Até que ponto o dono e leitor desses livros se deixou ‘encantar’ por eles? Não se pode saber. Mas se, como parece certo, o encantaram e perturbaram é porque eram bons. O destino dos bons livros é esse: o de encantar e perturbar, excitando magicamente a fantasia, o de fecundar e estimular a faculdade criadora do espírito, irmanando o sonho com a ação24.

As atribuições de encantamento e perturbação acabam por transformar o cenário de uma biblioteca em um ambiente enigmático, disseminador, portanto, de ideias inquietantes, que precisam ser despidas de seu poder atrativo, encantado. Ora objurgado, ora poupado, o espaço da biblioteca, aparentemente neutro, revela-se, nesse contexto, como um lugar no qual as visões subversivas encontram uma guarida especial, ao mesmo tempo em que, de certa maneira, preserva o seu proprietário até que a contenção não consiga mais adiar a disseminação das luzes. Como foi o caso do Cônego Vieira.

O Cônego era um letrado e, talvez, um clerc puro, um asceta de torre de papel. Mas entre estes é que em geral se encontram os dissidentes e inconformados, os heréticos, os que, sob uma aparente indiferença pelas coisas da terra, ruminam no cérebro a subversão. Era um ideólogo, um intelectual, pertencia a uma espécie de indivíduos que já então parecia suspeita aos sustentáculos da Ordem. Na sua biblioteca havia livros perigosos e incendiários. O espírito da Revolta penetrara nela, cavilosamente escondido nas obras dos escritores e filósofos que discutiam o regime que convinha impor aos povos para fazê-los felizes, benignos e amigos das luzes25.

Homem de poucas posses, como atesta a relação de seus bens sequestrados pelas autoridades26, sua coleção, apesar disso, era bastante vasta para os padrões da época, incluía 270 obras, com cerca de 800 volumes; mais da metade estava editada em latim, cerca de noventa em francês, pouco mais de trinta em português, cinco ou seis em italiano e outras tantas em espanhol, além de 24 livros ingleses que figuravam na relação mas sem indicação de títulos nem de autores27. Essas centenas de volumes representavam uma biblioteca extraordinária, se considerarmos a época e o lugar.

Para qualquer lugar naquela época, acrescente-se logo, pois deve-se levar em conta que no tempo de Luís Vieira da Silva as livrarias particulares, mesmo na Europa, não eram consideráveis. A de Kant, por exemplo, não passava de trezentas obras. Um século antes, Spinoza tinha apenas cento e sessenta28.

Tanto em obras de formação ou de informação, como em obras de elevação ou de entretenimento, assim como nas de agitação e propaganda de novas ideias, havia ali como satisfazer o mais exigente espírito daquela época em que o gosto da leitura se espalhava por toda a colônia. Religião, Filosofia, Letras, Ciência achavam-se bem espelhadas na biblioteca, podia-se ali desenvolver integralmente os desejos intelectuais compatíveis com o momento. Destacam-se ainda como bem representadas, a ciência política e a filosofia social da época29. Lá estavam Montesquieu, Bielfeld, Bossuet, Voltaire, Mably, além de outros autores importantes da filosofia: Descartes, Fénelon, Condillac, Hume, etc. Os volumes apreendidos e confiscados revelam, através de seus autores, os motivos que determinaram as escolhas intelectuais do cônego; se a lista feita a partir daí não diz tudo o que o cônego leu, ao menos ela mostra tudo o que ele não ignorou. Certa responsabilidade intelectual ali estava presente e ela compunha com o desejo do fim das condições aviltantes às quais a colônia estava, de mais a mais, submetida. Uma vez que, propõe Queiroz30, o clérigo era “ilustrado, nutrido de boa ciência, bem informado, muito natural que Voltaire, grande agitador de ideias, e o abade Mably, utopista, lhe ensinassem política e rebeldia”. De acordo com uma testemunha de acusação, o eclesiástico lia com assiduidade a Histoire de l’Amérique, provavelmente a tradução francesa do livro de Robertson31 :

a testemunha era amigo íntimo do Cônego Luís Vieira, filho destas Minas; mas que observava nele umas tantas coisas, que se fora Rei, lhe mandava cortar a cabeça […] sempre via empregado aquele Cônego dos sucessos da América Inglesa, lendo a sua história; [tinha] uma natural complacência no êxito, que os ditos rebeldes americanos tiveram32.

Decerto estamos diante de um espírito bem formado, apreciador da leitura densa e instigante, “um brasileiro ilustrado de fins de Setecentos, o mais ilustrado brasileiro do seu tempo33”; mantinha-se a par das ideias europeias, em especial as francesas, que contagiaram um grupo seleto de brasileiros intelectualizados e influíram, indiscutivelmente, no pensamento separatista dos revolucionários mineiros.

Chama particularmente atenção a presença da Enciclopédia de Diderot e d’Alembert, máquina de guerra a serviço do espírito crítico e da incredulidade, movida por livres-pensadores que almejavam subverter os fundamentos políticos e religiosos da sociedade. Não é de espantar que se achassem alguns volumes dessa obra ímpia entre os livros do Cônego34.

Para além das muitas características profundamente inovadoras, o que distingue a Enciclopédia é a ambição crítica que a anima: crítica do conhecimento, na sua elaboração, na sua transmissão e na sua representação, crítica dos preconceitos, crítica da autoridade e do dogma. A Enciclopédia35 surpreende imediatamente com a ousadia de seus empreendimentos e de seus propósitos. Lembra-nos do papel da linguagem na transmissão do conhecimento e da importância da luta contra as proibições do pensamento no reconhecimento das descobertas científicas (leia-se os artigos “Antipodes” e “Copernic”); está repleta de críticas às instituições religiosas (ver artigos "Fanatisme", "Intolérance", "Tolérance") e ao governo político (leia-se "Faim", "Appétit" ou "Généalogie"). Denuncia barbaridades, a começar pela escravidão (“Traite des nègres”), pela tortura (“Question (procédure criminelle)”) e pela guerra (“Guerre36”). A reverberação e propaganda dessas posições entre os conjurados de Minas são suficientes para tipificar aquilo que João Cruz Costa assinalou como sendo, no Brasil do século XVIII, o crime de enciclopedismo:

No século XVIII, a influência da França é dominadora. A ela devemos um grande impulso no sentido da realização da nossa autonomia política. É conhecida a sua influência na Inconfidência. Os autos da devassa revelaram que, nas bibliotecas dos Inconfidentes, figuravam obras dos Enciclopedistas. Somente na biblioteca do Cônego Luiz Vieira da Silva, ao lado das obras de Racine, figuravam as de Condillac, as de Voltaire, e até a Enciclopédia. Em 1790, o Conde de Rezende tomava enérgicas medidas contra os leitores da Enciclopédia e em 1794 prendia-se gente, no Brasil, pelo crime de enciclopedismo37.

Com efeito, a filosofia contaminara o clero, e não só o alto clero ou aqueles mais ligados às coisas seculares, mas a influência chega até os párocos moderados e seminaristas. Muitos eram deístas, epicuristas, ou simplesmente “espíritos libertinos”, ou seja, livres pensadores. Num século de luzes e esclarecimento, de confiança no homem e na sua capacidade intelectiva, no qual o princípio de autoridade é posto em questão e prevalece o espírito crítico, o mundo eclesiástico não poderia ficar imune. É certamente aquele em que se critica a Igreja, destacam-se as suas falhas, os seus vícios, mas esta crítica, por vezes amarga, pretende ser construtiva: não se trata de destruir o edifício religioso, mas de limpá-lo. Assim, a Igreja é assaltada por homens de boa vontade ansiosos por dar à religião e à sociedade uma nova imagem: a de uma religião que reconcilia a fé e a razão, que é capaz de se adaptar às novas exigências da sua época, e as de uma sociedade justa e equitativa. Religião e sociedade acabam, neste contexto, por aspirarem à mudança oriunda de uma radical intervenção na estrutura de poder até então vigente. Os eclesiásticos ouvem o seu tempo, são sensíveis às mudanças que ocorrem tanto na sua terra como no estrangeiro. Crentes fervorosos em sua maioria, sua fé não está em dúvida. Eles acreditam em Deus e em sua lei. Na verdade, o clero esclarecido é contra a opressão desencadeada pelos poderes despoticamente constituídos e, desse modo, acaba por adotar posições mais ousadas e arriscadas ao abordar os problemas sociais e políticos. Sabendo ser ousado, também não hesita em enfrentar as questões candentes em que os espíritos se acendem rapidamente, destruindo assim a imagem estereotipada de um clero esclerosado e reacionário38. Assumindo a causa dos autores da Ilustração, por vezes defendendo as ideias mais avançadas, pretende contribuir para a profusa disseminação dos ideais de liberdade. Nesta direção, Luís Vieira da Silva, pode-se afirmá-lo sem risco de cometer uma impropriedade, “era um filho da Ilustração39”. O Cônego ilustrado, como quase todos os inconfidentes e como tantos outros brasileiros esclarecidos e descontentes do final do Século XVIII, conhecia o pensamento social e político e a ação pedagógica da Ilustração, deflagradores do movimento de renovação mental na Europa – e particularmente em Portugal. Tais aspectos estão presentes diretamente no anseio de emancipação dos conjurados mineiros em relação à metrópole. “Pensar então num levante parecia-lhe refinada loucura, como declarou na inquirição40”.

À guisa de conclusão

O episódio de censura e morte ocorrido na Capitania de Minas Gerais no final do Século XVIII parece nos propor um caso exemplar do fato de que uma biblioteca não contém apenas um conjunto de peças de papel. Mais do que isso, ela também pode ser uma fonte de desestabilização e desencaminhamento que se nutre constantemente das ideias, tais como: os governos devem respeitar os direitos e liberdades fundamentais, como a liberdade de expressão; a soberania pertence ao povo; os princípios da política dão indícios de que estão corrompidos quando “les premières dignités sont les marques de la première servitude ; lorsqu’on ôte aux grands le respect​ des peuples, & qu’on les rend de vils instruments du pouvoir arbitraire41”.

Le drapeau idéalisé par les Inconfidentes a été adopté par l’État de Minas Gerais.

Le drapeau idéalisé par les Inconfidentes a été adopté par l’État de Minas Gerais.

É possível que a reflexão perturbe as normas e as convenções dos homens. Quando se vale da filosofia, a tarefa reflexiva fundamenta-se num compromisso com a autonomia do espírito, com a sua liberdade de expressão consequente. O seu alvo inconfundível: extinguir a ignorância. Apesar de não estar a serviço da modificação concreta do mundo, porque não possui vínculos de subordinação particular, a filosofia caracteriza-se, em primeiro plano, pela sua condição autônoma e crítica. Seu papel é auxiliar na construção de um espírito livre, estruturado e forte, para melhorar a compreensão de si mesmo e do mundo, para substituir crenças e superstições por dúvida e julgamento independente. Como parece ter sido o caso do Cônego Vieira.

Homem “instruído e noticioso”, como a ele se referiu uma testemunha da inquirição-devassa, o cônego da Sé marianense era bem o tipo de leitor à la page, e leitor surpreendente, pois que, mesmo no interior da mal povoada Capitania das Minas e apesar do estado de pobreza em que vivia, soube encontrar alimento abundante e variado para o seu apetite livresco, a sua fome de saber. Esse letrado filho das Gerais tinha talvez no coração a máxima que um escritor seu conhecido, o historiador Robertson, punha em todos os seus cadernos: “Vita sine litteris mors est42”.

Embora o clérigo tenha sido acusado de revoltoso, de tramar uma conspiração contra a metrópole, em sua residência não foram encontradas nenhuma arma ou equipamentos de artilharia, apenas livros43. Era um homem de letras, que foi condenado por espalhá-las. E por isso ficou só. Por isso foi execrado e desceu à arena.

Le plus grand malheur d’un homme de lettres n’est peut-être pas d’être l’objet de la jalousie de ses confrères, la victime de la cabale, le mépris des puissants du monde ; c’est d’être jugé par des sots. [...] L’homme de lettres est sans secours ; il ressemble aux poissons volants : s’il s’élève un peu, les oiseaux le dévorent ; s’il plonge, les poissons le mangent. Tout homme public paye tribut à la malignité ; mais il est payé en deniers et en honneurs. L’homme de lettres paye le même tribut sans rien recevoir ; il est descendu pour son plaisir dans l’arène ; il s’est lui-même condamné aux bêtes44.

Ao que tudo indica, a vida pessoal de Vieira parece não ter tido nenhum evento relevante e digno de nota no período em que viveu, trabalhou e exerceu seu sacerdócio, entretanto, sua biblioteca e o que se passou com ela é um importante registro histórico tanto da política portuguesa para as suas colônias na América como da aversão ao livre pensamento, encabeçado, destacadamente, pela filosofia e seus autores. De Sócrates aos dias de hoje, ela tem um papel a cumprir na formação do cidadão. Neste sentido, fazer filosofia é fazer inimigos. Ela é perigosa. Pois, seus caminhos conduzem a uma revisão constante dos juízos, a uma compreensão renovada da realidade e de suas mediações. Um desses inimigos, sem dúvida, é o poder institucionalizado que enxerga na filosofia um perigo para a estabilidade política dos governantes, porque é possível usar as ideias para fins políticos, isto é, para introduzir normas absolutas na esfera dos negócios humanos, onde, sem essas normas fruto da inteligência, tudo permanece relativo. O político pode concordar com essas normas, também pode discordar das mesmas e, nesse caso, pode usar de um expediente arbitrário de censura e violência para impor a sua discordância, escapando, desse modo, do terreno do embate espiritual e sufocando completamente qualquer manifestação do pensamento ameaçador! Como resultado final desse embate temos a supressão da palavra, e o político coloca, de certa forma, o filósofo para fora da esfera política, esfera na qual “la plus haute faculté humaine est précisément la parole - logon échon est ce qui fait de l'homme un zoon politikon, un être politique45”.

ARENDT, Hannah, « Philosophie et politique » (Trad. de Françoise Collin), Les Cahiers du GRIF, n°33, 1986, p. 84-94.

Bibliographie

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LARRIBA, Elisabel, « Le clergé et la presse dans l’Espagne de l’Ancien Régime »El Argonauta español, 1, 2004, URL : http://journals.openedition.org/argonauta/1124 consulté le 08 octobre 2021.

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TRASLADO DO AUTO DE SEQUESTRO FEITO NOS SEUS BENS QUE SE ACHARAM EM CASA DO CÔNEGO LUIS VIEIRA DA SILVA, In Autos de Devassa da Inconfidência Mineira, publicados pela Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 1936, vol. V, p. 277-291.

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VULLIAUD, Paul, Spinoza d’après les livres de ses bibliothèques, Paris, Chacornac, 1934.

Notes

1 KANT, 2005, p. 140. Retour au texte

2 CALVINO, 2007, p. 16. Retour au texte

3 ECO, 2003. Retour au texte

4 VOLTAIRE, article “Liberté de penser”, 1964, p. 259. Trad.: “O que quereis? não temos permissão para escrever, falar ou mesmo pensar. Se falamos, é fácil interpretar nossas palavras, ainda mais nossos escritos.” Retour au texte

5 Loc. Cit. Trad.: “Eles persuadiram o governo de que, se tivéssemos o senso comum, todo o Estado ficaria em chamas e a nação se tornaria a mais infeliz do mundo.” Retour au texte

6 At 19, 19 “Multi autem ex his qui fuerant curiosa sectati contulerunt libros et conbuserunt coram omnibus et conputatis pretiis illorum invenerunt pecuniam denariorum quinquaginta milium”(Grande número dos que tinham praticado a magia reuniam seus livros e os queimavam à vista de todos. Calculado seu valor total, este chegou a cinquenta mil peças de prata.) Retour au texte

7 JOSTOCK, 2007, p. 10-11. Trad.: “Desde sua origem, a censura dos livros está ligada ao controle do comportamento, como mostra uma passagem bíblica retirada dos Atos dos Apóstolos, o único lugar da Bíblia aliás que fala da destruição de livros pelo fogo […] parece que o fato de renunciar à leitura de determinados textos, e mesmo destruí-los, significa abandonar as práticas e comportamentos que os livros refletem, sustentam, até mesmo geram.” Retour au texte

8 SANTOS, 1990, p. 274. Retour au texte

9 Loc. Cit. Retour au texte

10 Unidade sob o governo de um capitão-mor, decorrente da primeira divisão administrativa do Brasil. Retour au texte

11 MAXWELL, 1989, p. 9 e segs. Retour au texte

12 Ibid. p. 9. Retour au texte

13 Ibid., p. 17-20. Retour au texte

14 Ibid., p. 23. Retour au texte

15 Manuscritos da Biblioteca Nacional do Porto, in TAUNAY, 1943. Retour au texte

16 MAXWELL, Op. Cit., p. 19. Retour au texte

17 VENTURA, 1988, p. 40-41. Retour au texte

18 Loc. Cit. Retour au texte

19 Ibid., p. 42. Retour au texte

20 Loc. Cit. Retour au texte

21 ““Le consentement des hommes réunis en société, est le fondement du pouvoir. Celui qui ne s’est établi que par la force, ne peut subsister que par la force ; jamais elle ne peut conférer de titre, & les peuples conservent toujours le droit de réclamer contre elle.” Encyclopédie, 1969, article “pouvoir”. Trad.: “O consentimento dos homens unidos em sociedade é o fundamento do poder. Aquele que se estabeleceu apenas pela força só pode subsistir pela força; jamais a força pode conferir legalidade, e os povos conservam sempre o direito de reclamar contra ela.” Retour au texte

22 “Il ne tient qu’à vous d’apprendre à penser ; vous êtes né avec de l’esprit ; vous êtes un oiseau dans la cage de l’Inquisition ; le saint-office vous a rogné les ailes, mais elles peuvent revenir. Osez penser par vous-même. Ce sont ces tyrans des esprits qui ont causé une partie des malheurs du monde. Nous ne sommes heureux en Angleterre que depuis que chacun jouit librement du droit de dire son avis”. Voltaire, Op. Cit., 1964, p. 259. Trad.: “Cabe apenas a vós aprender a pensar; haveis nascido com espírito; sois um pássaro na gaiola da Inquisição; o Santo Ofício cortou suas asas, mas elas podem voltar [...]. Ousai pensar por vós mesmos. [...] São estes tiranos dos espíritos que causaram parte dos infortúnios do mundo. Só estamos felizes na Inglaterra, pois todos desfrutam do direito de exprimir o que pensam.” Retour au texte

23 OLIVEIRA, 2011, p. 68. Retour au texte

24 FRIEIRO, 1981, p. 23.

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25 FRIEIRO, Ibid.,1981, p. 22. Retour au texte

26 Ver: Traslado do auto de sequestro feito nos seus bens que se acharam em casa do cônego Luís Vieira da Silva (1936, p. 277-291). O Auto de um Sequestro constitui-se, como um inventário de bens pós-morte, uma das mais significativas fontes de pesquisa para o estudo da posse de livros e a sua possível leitura. Apesar de o sequestro seguir uma tramitação sistematizada pela legislação da época, baseada no Livro V das Ordenações Filipinas, que determinava sua confecção com rigor e minúcia, sua elaboração cabia à justiça local, em cumprimento de ordens dos juízes ou corregedores do domicílio do réu, sob a intervenção do desembargador responsável pela devassa ou inquirição judicial. Como os envolvidos na Inconfidência de 1789 mantinham domicílio em Minas Gerais, competia ao governador nomear o juiz ou a comissão encarregada de processar os indiciados no crime, fazendo cumprir a lei em sua jurisdição administrativa (RODRIGUES, 2017, p. 7). Disponível em: Retour au texte

https://www.scielo.br/j/his/a/6rzw7QkcLWD7pv7ps3YRJLh/?format=pdf&lang=pt

27 FRIEIRO, Ibid.,1981, p. 24. Retour au texte

28 FRIEIRO, Ibid. Ver a propósito VULLIAUD, 1934 e FERRARI, 1971. Retour au texte

29 FRIEIRO, Op. Cit.,1981, p. 48. Retour au texte

30 QUEIROZ, 1973, p. 72. Retour au texte

31 VENTURA, Op. Cit., 1988, p. 43. Retour au texte

32 Autos de Devassa da Inconfidência Mineira, 2016, p. 158. Disponível em: Retour au texte

https://dspace.almg.gov.br/bitstream/11037/21494/1/Autos%20de%20Devassa%20VOLUME%201.pdf

33 FRIEIRO, 1981, Op. Cit., p. 55. Retour au texte

34 Ibid., p. 49. Retour au texte

35 http://enccre.academie-sciences.fr/encyclopedie/ Retour au texte

36 Ver GUILBAUD, 2013. Retour au texte

37 CRUZ COSTA, 1945, p. 42-43. Retour au texte

38 LARRIBA, 2004. Retour au texte

39 FRIEIRO, 1981, Op. Cit., p. 50. Retour au texte

40 Ibid., p. 51. Retour au texte

41 Encyclopédie, 1969, article “Monarchie”. Trad. “as primeiras dignidades são a marca da primeira servidão; quando se tira dos grandes o respeito dos povos, tornando-os, desta forma, instrumentos do poder arbitrário.” Retour au texte

42 FRIEIRO, Op. Cit., 1981, p. 55-56. Retour au texte

43 OLIVEIRA, 2011, p. 66. Retour au texte

44 VOLTAIRE, Lettres, « Gens de lettres, ou Lettrés », 1964, p. 89. Trad.: “A maior desgraça para um homem de letras talvez não seja tornar-se objeto do ciúme dos seus confrades, a vítima da cabala, do desprezo dos poderosos do mundo; é ser julgado pelos tolos. [...] O homem de letras está desamparado; assemelha-se a um peixe-voador: se subir um pouco, os pássaros devoram-no; se mergulha, os peixes comem-no. Todo homem público paga tributo à malignidade; mas é pago em dinheiro e honras. O homem de letras paga o mesmo tributo sem receber nada; ele desceu à arena por prazer; condenou a si mesmo às feras.” Retour au texte

45 ARENDT, 1986, p. 93. Trad.: “a mais alta faculdade humana é precisamente a palavra - logon échon é o que faz do homem um zoon politikon, um ser político.” Retour au texte

Illustrations

  • État des revenus de l’or aux Real Casas de Fundição dans le Minas Gerais, juillet et septembre 1767.

  • Le chef de la Conjuração Mineira, Joaquim José da Silva Xavier (dit « Tiradentes »), quelques instants avant son exécution.
    Œuvre de Raphael Falco, 1951

  • Le drapeau idéalisé par les Inconfidentes a été adopté par l’État de Minas Gerais.

Citer cet article

Référence électronique

Edmilson Menezes, « A perigosa condição da filosofia: os escritos ilustrados na biblioteca de um cônego revolucionário », Reflexos [En ligne], 9 | 2025, mis en ligne le 16 mars 2025, consulté le 08 juillet 2025. URL : http://interfas.univ-tlse2.fr/reflexos/1910

Auteur

Edmilson Menezes

Universidade Federal de Sergipe

https://orcid.org/0000-0001-7173-6208

Edmilson Menezes é pesquisador no CNPq e professor no Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe.

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