No ano de 1802, foi apresentada à comissão destinada à censura dos livros em Portugal e seus domínios um manuscrito intitulado: Testamento e Codicilo do século 18 ou recomendações econômicas e políticas que fez o Século 18 a seu filho o Século 191. Pouco se sabe acerca da obra e do seu autor. Tudo indica que o manuscrito nunca foi impresso, tendo no máximo uma circulação restrita, de mão em mão, pouco influenciando no quadro das ideias portuguesas. Acerca do seu autor, António José Soeiro da Silva, sabe-se apenas que foi bacharel em direito formado em Coimbra e, até onde se apurou, não deixou outros escritos para além do Testamento do Século 182. Essa breve apreciação investigativa indica um escritor sem expressão no quadro letrado português e uma obra praticamente desconhecida. Entretanto, mesmo oculto na zona cinzenta do quase esquecimento, esse escrito tem muito a revelar sobre a maneira pela qual um homem trivial compreendeu a história do chamado “Século das Luzes”.
Formalmente, o documento, guardado no fundo Real Mesa Censória do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, se apresenta com dezenove páginas, frente e verso, ordenadas em duas partes. A primeira consiste no Testamento, composto por dez páginas, que teria sido redigido em 25 de Outubro de 1800, conforme vai escrito na obra. O Codicilo, a segunda parte do escrito, é datado de 25 de Dezembro do mesmo ano. Não é difícil notar que a fixação das datas e a formalidade da escrita servem de recursos que conferem ao panfleto um aspecto legal e administrativo, similar a um testamento, não obstante se trate de uma obra literária3. O enredo tem por personagem principal o Século 18, que relata em primeira pessoa seus feitos e ocorridos4. Moribundo e temendo a morte, o Século 18 alertava seu filho, o Século 19, para os desafios que seriam enfrentados e para os incômodos que deveriam ser evitados.
O Testamento é a síntese narrativa de todo um século, suas conquistas e seus desafios. Para os problemas econômicos, por exemplo, propõe soluções de cunho fisiocrático, em defesa da riqueza proveniente da agricultura, que deveria ser praticada pela maior parcela da população. Quanto à sociedade, uma variável no cálculo econômico, lamenta a mendicância e defende o ordenamento estamental, negando qualquer eivo de igualdade. No terreno da educação exalta os avanços da ciência e critica o atraso do ensino promovido pelos inacianos, na linha das reformas educacionais promovidas pelo Marquês de Pombal, ministro do rei D. José I. Em geral, depreende-se da obra uma visão da história ordenada pela recordação dos grandes eventos, sobretudo das guerras, que se projetavam para um futuro incerto como legado ao seu filho, o século XIX. Trata-se de um relato quase biográfico de um século agonizante, cuja vivência, nem sempre exemplar, serviria de instrução ao filho. Apesar da riqueza dos assuntos mencionados, que tomam a história como mestra da vida, nesta apresentação serão avaliadas apenas algumas ideias de António José Soeiro da Silva quanto ao fundamento dos poderes, ao progresso das Luzes e às guerras. Objetivando associar as ideias ao lugar de produção, exploraremos o universo de referências intelectuais do autor, iniciando com uma breve análise sobre as Luzes em Portugal.
Em que pese todos os questionamentos que possam ser interpostos acerca do distanciamento entre criador e criatura, a forma pela qual o documento se apresenta ao leitor permite uma sobreposição entre autor e obra. Deste modo, compreendemos que pela boca do Século 18 se expressem as posições de António José Soeiro da Silva, a expressão singular de um universo ilustrado. Este princípio metodológico, de base relacional, entende que o autor carrega a marca de uma coletividade, isto é, de um contexto que permite ou impede, sem determinar plenamente5, uma conjuntura de circulação e apropriação de ideias, incentivada, até certo ponto, por um projeto oficial lusitano e ilustrado que visava à reforma e não à revolução.
A(s) obra(s) de um século e as Luzes lusas
Na historiografia especializada ou mesmo nos livros didáticos é comum a associação do século XVIII às Luzes, ao Iluminismo, à Ilustração6. O fato de todo um século ser caracterizado por um movimento intelectual, para além de ser impressionante, induz a percepção equivocada de que havia um domínio homogêneo ou ao menos global das Luzes, mesmo que por global se entenda a Europa. É indiscutível que Iluminismo, no Século XVIII, se difundiu pela Europa, de Londres a Moscova, de Estocolmo a Lisboa, se expandindo mais além, atravessando oceanos e atracando em terras de outros continentes. Ocorre que o dilatado domínio das Luzes, que serviu para forjar uma ilusão de unidade intelectual européia ou mesmo global, se multiplicou em particularidades que coexistiram e se mesclaram com outras formas do pensar.
Contra as especificidades, pode-se retorquir que a concepção generalizante das Luzes não destoava do discurso dos pensadores ilustrados que trataram os problemas da sua época como sendo universais, uma vez que atinentes à natureza e/ou ao gênero humano. Estudiosos como Peter Gay, Ernest Cassirer, Paul Hazard, entre outros, foram coerentes ao referendarem o caráter universal ou geracional do Iluminismo, compreendendo-o como um conjunto mais ou menos uniforme de princípios que reconheciam na razão o potencial para explicar e mudar a ordem do mundo7. A imagem de um Século das Luzes, cara aos filósofos do século XVIII e a historiadores mais coetâneos, reafirma a perspectiva de uma Europa unida por valores filosóficos e estéticos comuns, um espaço e uma unidade cultural oriundos, em grande parte, do próprio empenho em conhecer as leis gerais do progresso humano.
Do panorama desenhado, dois pontos devem ser destacados para nuançar as abordagens totalizantes e atingir o presente propósito de avaliar as Luzes do século XVIII no mundo luso: a expansão geográfica das Luzes em direção às terras portuguesas e os contornos que ali adquiriu; e, pautando a pluralidade das Luzes, a constituição de uma perspectiva de progresso que serviria de rota às nações européias e que contrastava com as lamúrias de atraso lusitano. Diante dessas duas zonas de problemas, como hipótese, ainda que apenas aventada, quer-se considerar a possibilidade do discurso sobre atraso português, comum em diversos escritos da época, funcionar como um elemento crítico capaz de dinamizar o avanço lusitano no amplo plano do progresso humano.
Nas últimas duas ou três décadas, “os estudiosos concentraram-se mais nas diferenças nacionais ou confessionais”, revelando as especificidades do iluminismo em diferentes partes da Europa8. Destacando a dilatação da área geográfica do Iluminismo, normalmente restrita à França, Dorinda Outram ressaltou a pluralidade das manifestações das Luzes. Nos termos da autora, a ilustração, mesmo em sua menor definição, compreendia muitos e distintos abrigos, variando no tempo e no espaço9. E mais, “la ilustración se vivió como uma cacofonia y uma paradoja10”.
Seguindo essa perspectiva, alguns estudos se preocuparam em identificar as especificidades da manifestação das Luzes em Portugal. Com freqüência as Luzes no mundo luso são descritas como conciliadoras, reformadoras, católicas. Para caracterizá-las desta maneira é comum se ressaltar a injunção da razão ilustrada e a fé católica. Ainda que a segunda metade do século XVIII tenha presenciado entreveros entre a Cora portuguesa e o papado romano, bem como uma perseguição sistemática aos jesuítas e à escolástica, a Igreja católica não sofreu grandes perdas, se comparada, por exemplo, à Revolução Francesa11. Apesar de todos os óbices, em Portugal, o padroado régio continuaria a aproximar os interesses do Estado e da Igreja. Assim, os ataques que partiram do trono ou da cadeira ministerial do governo português, em meados do setecentos, não visavam solapar os valores religiosos, nem romper a parceria com a Igreja, de mútuo interesse na conquista e controle dos fiéis súditos, especialmente nas colônias de ultramar.
O empenho secular que inaugurou a Real Mesa Censória mostrou-se zeloso para com os valores cristãos e para com a própria Igreja. Nas escolas de primeiras letras, mesmo depois das reformas educacionais iniciadas com a expulsão dos jesuítas, o ensino escolar não abriu mão do catecismo. Nas universidades, as cotidianas contestações e blasfêmias de alguns estudantes e populares ficaram, em sua maioria, no limite do aceitável e, quando exorbitavam, a inquisição não se eximia de colocar limites. Entre os intelectuais eram representativos aqueles que, como Teodoro de Almeida, consorciaram fé e razão12. Enfim, por essas e outras razões as Luzes em Portugal mostraram-se peculiares, se não paradoxais, em especial quando consideradas as análises mais ortodoxas e universalistas.
Recolocando a questão das expressões das Luzes, Ana Cristina Araújo ponderou que o aspecto paradoxal da forma lusa seria um componente de todos os Estados europeus nos quais vigorou o absolutismo esclarecido. O paradoxo era algo inerente às formas absolutistas que promoveram as Luzes. No caso do Portugal pombalino, a contradição estava na “crítica do fundamento da modernidade”, o qual, “sob os auspícios da ideia de progresso”, manteve “amarrada a razão à tradição13”. Em outra perspectiva, Fernando Novais destacaria a incoerência entre a “prática e a teoria”. Para ele, Portugal teria se adiantado a outros países europeus, desenvolvendo uma série de reformas ilustradas – por exemplo, as já mencionadas reformas dos ensinos de primeiras letras e universitário – enquanto que, no plano das ideias, mostrou-se extremamente controlador e censor14.
No projeto de modernização estabelecido para Portugal, a Coroa seria mais reformadora do que revolucionária, seguindo a virtude cardeal da prudência, em especial depois dos eventos da Revolução Francesa15. Em termos gerais, no mundo português a força perturbadora das Luzes mostrou-se atenuada16. Ainda que tenha influenciado alguns movimentos sediciosos e contestações pontuais, o iluminismo português esteve, mormente, atrelado ao Estado, mais especificamente ao reinado de D. José I e do seu ministro, o Marquês de Pombal.17
Para além dos contornos paradoxais que marcam não apenas os regimes absolutos, mas, especificamente, a ilustração portuguesa, as perspectivas apresentadas suscitam questionamentos quanto ao progresso das nações dentro de um plano global de desenvolvimento e modernização. Para Araújo, o uso constante de expressões como “necessidade pública” e a prática das “nações civilizadas”, reforçava “a ideia de que o Estado poderia objetivamente beneficiar-se do influxo racional e crítico das ciências e das artes, colocando-as a serviço da sociedade18”. Na esteira do processo de modernização, a noção de atraso passaria a ser incorporada no espectro das análises e se atrelando às ponderações sobre as Luzes em Portugal. Com algum risco de apontar obviedades, vale frisar que tal perspectiva de atraso dependia de um referencial ideal e de uma concepção de tempo em progresso que novamente remete para a universalidade da humanidade.
Em muitos escritos portugueses o referencial ideal ganhava o contorno impreciso de “países ilustrados e modernos”, dos “países desenvolvidos”, das “nações civilizadas”, rótulos que, normalmente, se atrelavam à França, à Inglaterra, aos Países Baixos. A noção de atraso, por sua vez, revela seu sentido quando considerado o progresso humano, perspectiva, aliás, tributária de uma teleologia que não era estranha ao catolicismo mas que ganharia novos contornos em uma filosofia da história. À extensão geográfica das Luzes se somava a universalização das leis naturais, da percepção de humanidade, da defesa dos valores gerais, enfim, uma série de princípios e concepções que impulsionavam as Luzes pelos caminhos do progresso.
Entre os iluministas, o progresso se apresentava como o desenvolvimento do espírito humano, ao qual se associava o desenvolvimento econômico, tecnológico, político, medicinal, administrativo, etc19. Parte dos autores ilustrados mostrava-se esperançosa quanto ao avanço da humanidade, como é o caso de Condorcet, em seu Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano20. O desenvolvimento também poderia estar associado à decadência, quando considerados os “perigos e desafios a que está sujeita a condição humana21”. Em Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e da sua decadência, Montesquieu desenha a ascensão e a queda de uma “república” modelar22. No mesmo sentido, Rousseau destoaria da nota positiva ao questionar o progresso da humanidade promovido pelas ciências e artes. Para Rousseau, a “aventura da civilização se mostra como um processo de degeneração progressiva do homem23”. Mais do que revelar a discordância no interior das Luzes, as perspectivas desenhadas entre desenvolvimento e derrocadas, considerava o progresso como um processo movido por causas e acidentes, cujos resultados eram incertos24.
Justamente pelo progresso da humanidade estar sujeito aos lapsos havia um descompasso na trajetória da modernidade. Dentro dessa lógica, no século XIX, autores portugueses como Antero de Quental denunciaram o atraso do mundo luso em relação aos outros países europeus e ao seu próprio passado de conquistas e descobertas25. A imagem de atraso como marca de Portugal não esteve, portanto, desvinculada de uma noção de progresso que escalonava as nações e povos do mundo. Os referenciais dessa categorização poderiam variar, mas era comum a afirmação da posição da nação portuguesa como retardatária na linha evolutiva percorrida pelas potências européias.
Segundo Carvalho, a tópica da decadência teria sido forjada pela geração de escritores de 1870. Contudo, as ideias de atraso e isolamento do país eram frutos de uma “ênfase exagerada e unilateral aos estigmas da diferença e da eterna defasagem, como características da cultura dos portugueses nos séculos XVI, XVII e parte do XVIII26”. Assim sendo, a percepção do atraso dependia de uma perspectiva de progresso, mas também da narrativa histórica da saga portuguesa, de nação vitoriosa à decadente. A despeito de toda a grandeza imperial e das suas colônias, Portugal ressentia-se do passado de grandeza e o projetava, saudosamente, em um futuro incerto. Nesse sentido, é possível afirmar que o espectro constante do atraso serviu, contraditoriamente, de impulso ao desenvolvimento português. Antes mesmo de Antero de Quental, o Portugal setecentista demonstrava sua preocupação em buscar alternativas para “um reino velho remendar-se27”.
Tanto no Verdadeiro Método de Verney, quanto o Plano de Reforma da Universidade de Coimbra, o atraso português é atribuído à má influência dos jesuítas, algo que deveria ser superado em nome do progresso. Observe-se que as obras citadas, dentre outras, não conferiam à nação portuguesa a culpa pela decadência, muito menos às mentes iluminadas capazes de pensar alternativas de desenvolvimento28. O atraso seria fruto de apostas erradas, obstáculos contornáveis se o rumo fosse traçado por sextante, racionalmente, mas sem se desapegar do terço e das orações.
O discurso de um retrocesso português frente às “nações européias iluminadas” explicitava o impulso intelectual diante de um importante movimento coletivo; um discurso que tinha no passado o exemplo glorioso e na crítica racional as forças motrizes de um projeto de desenvolvimento português. Dentro dessa lógica cabe ainda observar que a temática da decadência associada à do progresso não eram estranhas à apreciação iluminista, como evidenciam os casos mencionados de Montesquieu e Rousseau. Logo, os diversos discursos sobre a situação de atraso em Portugal poderiam revelar tanto um fato, quanto um ímpeto de acelerar a participação lusa em um projeto com pretensões universais. É nessas bases que se compreende a história de um século...
Um século na obra: sobre o fim e as heranças
Ultrapassando os limites das fronteiras nacionais, a globalização das Luzes se daria por múltiplos caminhos de adesão e resistência no conjunto das relações humanas que compunham e alteravam um sistema mundial em constante movimento29. A diversidade das Luzes, por sua vez, não prescindia do compartilhamento e do debate crítico de ideias que teimavam em ludibriar às fronteiras e à censura. O espírito questionador que considerou o atraso também promoveu o avanço de toda a humanidade na filosofia, economia, política, ética etc. Conforme Todorov, o pensamento das Luzes foi conduzido por numerosos indivíduos que pouco acordavam entre si, entretanto apesar das cizânias, as Luzes afirmariam “a unidade do gênero humano, portanto a universalidade dos valores30” :
A lição das Luzes consiste então em dizer que da pluralidade pode nascer uma nova unidade, ao menos de três maneiras: ele incita à tolerância dentro da emulação, desenvolve e protege o livre espírito crítico, facilita o desligamento de si, conduzindo a uma integração superior de si e de outrem31.
Neste processo é possível discernir uma espécie de “universalidade para si”, que não é apenas externa e acima de todo contexto, como também se inscreve em seu interior e o modifica por dentro, “de modo que a identidade do particular se divide entre seus aspectos particulares e universais32”. Esta perspectiva que associa o particular ao universal servirá à análise do Testamento e Codicilo do século 18 ou recomendações econômicas e políticas que fez o Século 18 a seu filho o Século 19. Nessa apreciação, a obra foi compreendida como uma expressão ao mesmo tempo singular e coletiva de um letrado português que faz uso da noção de decadência enquanto fortuna crítica, para contar a história da humanidade em um século conhecido pela esperança depositada nas Luzes. A ordem dos imprevistos e dos poderes desenha a história de um século, cujo desenrolar é similar ao de um ser vivo, com bons e maus momentos, e que no fim da existência, receoso e amedrontado, encara sua natural decadência.
Copiando as formalidades dos testamentos, o século moribundo principia com sua profissão de fé em um “ente todo poderoso, causa de todos os contingentes, incriado, universal e incompreensível33”. A caracterização desse ente superior, como o princípio de tudo, como causa incausada, não poderia ser confundido com a de um demiurgo. Longe de uma perspectiva deísta, o Deus do Testamento do Século 18 não é diluído, pálido, incapaz de estorvar a humanidade com sua ira ou benção34. Isso, portanto, não afasta a responsabilidade dos homens, cujas ações se encarnam no século moribundo. Outrossim, diferente dos deístas, não se identifica no Testamento questionamentos acerca das superstições católicas ou protestantes, alvo dileto de muitos autores ilustrados. Ao declarar sua fé, o Século 18 afirma seu crédito irrestrito na Santa Igreja, nos decretos pontifícios e nos concílios católicos. Sua confiança na religião católica romana, fundada por “ordem do mesmo Deus”, o aproxima de um posicionamento mais conservador, afastando-o de qualquer crítica à Igreja que marcaria os estratos mais radicais das Luzes.
Recorrendo ao apóstolo Paulo, às epistolas e ao Corpus Juris Civilis de Justiniano, o Século 18 apresenta a maneira como compreende a ordem dos poderes.
Creio que o mundo é governado principalmente pelos dois poderes: do sacerdócio e império civil; o primeiro dos quais tem por objeto a vida espiritual e felicidade eterna: o segundo a vida e felicidade temporal [...]. Creio que o poder dos príncipes vem imediatamente de Deus, que pelo mesmo Deus governam e que são postos, uma vez constituídas as sociedades, para promoverem a felicidade temporal dos povos e que quem lhe resiste, resiste ao poder de Deus.
Como não é um criador alheio, Deus estabelece e legitima os poderes sacerdotais e civis. O Século 18 declara que o poder dos príncipes “vem imediatamente de Deus, que pelo mesmo Deus governam”. Não haveria, destarte, entre Deus e o rei qualquer mediador, o que contrariaria a posição defendida por Azpicuelta Navarro, Francisco Vitória, Domingo Soto etc. A esses autores associava-se a perspectiva escolástica, na qual o povo era o intermediário do poder divino, a ponto de, em casos de tirania, poder se levantar contra o regente35. Há, não obstante, na obra em análise o imperativo dos reis em promover a “felicidade temporal dos povos”. A defesa monarquista e absolutista do autor do Testamento ratifica a origem divina do poder e a obrigação de promover o bem comum, mas não referenda a perspectiva pactualista escolástica, muito menos a possibilidade do regicídio, o que, aliás, abomina com veemência.
Dando mostras dessa repulsa, o “século testamenteiro” recordava assombrado o atentado sofrido por D. José I, evento que deflagrou perseguição a alguns membros da nobreza portuguesa e dos inacianos, cujo poder econômico e político se agigantava em concorrência ao Estado36. Com a ênfase do documento: “vi mesmo com os olhos cobertos de lágrimas alguns atentados contras as pessoas sagradas dos príncipes, que eu castiguei de modo possível, até fazendo extinguir os jesuítas por me capacitar que eram prejudiciais, pondo todos os meios para procurar a paz e o sossego”. Em conformidade com o espírito reformista direcionado contra os jesuítas, são condenados os “erros da escolástica”, visando à modernização de Portugal.
Na opinião de Joaquim Ferreira Gomes, iniciadas com a expulsão dos Jesuítas, as reformas educacionais foram um impulso de secularização que traduzia, pela primeira vez na história do ensino de Portugal, uma tentativa consistente de se formar um ensino público de primeiras letras37. Já se ponderou que dentro da lógica do espírito ilustrado português, essa secularização significou a maior intervenção do Estado sobre a censura, a inquisição, a educação etc. Nenhum Estado laico surgiu do esforço centralizador pombalino. O padroado continuaria associando os poderes religiosos e civis, a Igreja atuaria nos instrumentos de censura, os padres permaneciam ensinando o catecismo associando-o à instrução das primeiras letras38. O Testamento do Século 18 refletia esse ambiente intelectual, bem como a instrução recebida pelo seu autor, António José Soeiro da Silva, formado na Universidade de Coimbra entre 1785 e 1791. A influência da instrução acadêmica de Soeiro da Silva ficará mais clara adiante, quando se apresentarão algumas das suas referências bibliográficas.
Retomando a questão do poder, cabe observar que a felicidade da nação consistia no objetivo final do monarca instituído por Deus. Porém, a promoção dessa fortuna não dependia exclusivamente do rei, mas era compartilhada com todos os homens dotados do espírito patriótico, isto é, todos aqueles dedicados à promoção do bem comum e ao respeito da ordem39. Nesse sentido, o século moribundo recomendava a seu filho:
Apenas eu expirar ele tomar[á] conta do governo do mundo, fará logo persuadir aos homens que o seu fim não é outro mais que procurar a sua felicidade pondo para isso os meios eficazes. Quais os de manter a paz, fazer respeitar a religião, seus dogmas, e disciplina: fazer respeitar os soberanos, e seus direitos [...].
No Testamento, Deus era compreendido como a “causa de todas as contingências”, o que não afastaria os homens das suas responsabilidades, em especial quando promoviam a guerra ou quando levavam uma vida insana. Em geral, os vícios tinham raízes no anseio individualizado pela distinção e pela honra, contrastando com os interesses comuns defendidos por Soeiro da Silva. No Codicilo, segunda parte do documento aqui analisado, é narrada a luta do século moribundo contra a vaidade, o interesse, a lisonja e outros “vícios monstruosos”, nutridos pela arrogância pessoal. Por meio dela, “o primeiro homem, apesar de estar cercado de graça, foi reduzido ao engano”. Com uma boa dose moralista, o século agonizante aconselhava seu filho que o único caminho para a felicidade era fazer imperar as virtudes. Nos termos exatos do documento se evidencia a relação de virtudes eleitas: “não se deve desanimar o meu filho porque ainda existem a Razão, Prudência, Verdade e Obediência, que são virtudes muito superiores aos vícios”
Central ao pensamento iluminista, a razão servia para desvelar as verdades, as leis do universo. Dela dependia toda a ciência da filosofia, pois natureza e razão estavam unidas: a natureza era racional e a razão era natural40. A Razão, a marca distintiva das Luzes, não se apresenta compromissada em alcançar a verdade e em denunciar os erros se isso implicasse em prejuízo da fé e da religião católica. No Testamento do século 18, a razão era representada, sobretudo, como uma virtude, o que não afastava outros sentidos e usos dentro da narrativa, como quando aparecia como sinônimo de motivo ou algo próprio da natureza humana. Entretanto, mesmo como virtude, a razão não perderia a potência de esclarecer. Na obra em foco a razão seria convocada pelo século moribundo para “iluminar os homens”, para “ilustrar e emendar os gabinetes e países”. Dessa última acepção poder-se-ia supor um forte apelo ilustrado por parte de António José Soeiro da Silva, o que não estaria de todo errado, porém talvez não fosse o suficiente para descrever seu perfil intelectual, que estaria longe de ser o de um “ilustrado modelar”, se é que isso é possível.
O conjunto heterogêneo das citações feitas pelo autor ao longo do Testamento do século 18 tem a revelar um pensamento mais complexo e plural que, em alguma medida, refletia o próprio universo intelectual lusitano. Como já demonstrado, António José Soeiro da Silva tinha preferência em referendar seus posicionamentos nos Evangelhos e nas autoridades da Igreja, mas outra sorte de autores estava representada, alguns deles associados às Luzes e à reformada Universidade de Coimbra. Dentre as referências identificadas nas notas e no próprio corpo do texto do Testamento do Século 18, é possível encontrar as Constituições de Justiniano, dividindo o espaço com os jusnaturalistas Grotius e Pufendorf, bem como com outros autores assimilados pelo iluminismo português. Em meio às referências vale destacar alguns casos com o propósito de desvendar um pouco mais o eclético universo intelectual de Soeiro da Silva.
Associados à reformada Universidade de Coimbra e citados no Testamento do Século 18 estavam: Febrônio, Van-Espen e Henécius. Este autor escreveu um verdadeiro “manual” em defesa da união entre o direito natural e a jurisprudência, sem menosprezar a importância da religião. Henécius era estudado na cadeira de Direito Civil Romano da universidade coimbrã41. Professor em Louvain no início do século XVIII e autor do Jus Ecclesiasticum Universum, Zegerus Bernardus Van-Espen foi considerado jansenista, tendo sido proibido pelo Index42. Apesar disso, depois da reforma pombalina dos estudos, os alunos de Cânones estudavam o direito de Graciano por meio dos comentários de Van-Espem. Igualmente lido na universidade coimbrã, Justinus Febrônius também foi considerado jansenista por questionar a monarquia papal e manteve contatos com os enciclopedistas43. Outro ilustrado citado no Testamento do Século 18 era Montesquieu, autor do Espírito das Leis44. A relação desses escritores espelha a formação que Soeiro da Silva obteve dentro e fora da reformada universidade às margens do Mondego.
Durante a sua existência, o Século 18 convocou a Razão, em alguma medida associada aos autores acima mencionados, para que “viesse ao mundo ver os gabinetes” e para ilustrar e emendar os países. Mas mesmo a instrução deveria ser acompanhada com uma boa dose de censura aos autores ímpios e radicais, dentre os quais estaria, de forma surpreendente, Newton, o pai do experimentalismo, que trouxe a matemática ao serviço da física. Para além de Newton, o Testamento do Século 18 se posicionava nomeada e explicitamente contra Wolf, Leibniz e Locke e outros autores modernos45! A condenação dos mencionados autores, por razões que ficam mais ou menos evidenciadas na citação abaixo, seria acompanhada de um verdadeiro expurgo que reduziria a cinzas “a grande máquina de livros que em todas as faculdades e ciências se têm descoberto e julgado perniciosos e cavilosos”. Nota-se na obra de Soeiro da Silva uma clara defesa da censura que tinha a tarefa de filtrar a instrução livresca, pois os livros:
[...] vendidos, tanto daqueles que supõem o verdadeiro sentido da sã teologia, como dos que atacam os legítimos poderes dos príncipes, e os bons costumes, e ainda mesmo o de história, que ou não foi verdadeira, ou pode conduzir os ânimos ao vício do amoroso ou do guerreiro, porque sendo estes livros, peste na república, a sua lição não pode deixar de o ser também; ainda mesmo nas mãos daqueles que bem entendem o contrário e apesar de que eu usei da providência de proibir em muitas nações a sua venda e lição, contudo, pouco ou nada conclui, porque sendo os homens naturalmente inclinados a ver tudo aquilo que se esconde, vem a proibição a agüentar-lhe o desejo de os ver, ler, escrever, e sempre há pavor onde este ou aquele tem passagem para de lá vir às mãos dos curiosos, por isso a total redução das cinzas é o meio mais eficaz de acautelar o grande mal que se segue de semelhantes livros.
Soeiro da Silva estava ciente que a proibição instigava os espíritos curiosos à leitura das obras “cavilosas”, de onde sugerir a fogueira para os modernos e antigos que atacavam o verdadeiro sentido da teologia, que submetiam os poderes dos príncipes aos bons costumes, que falsificavam a história, assim como os livros de fábulas pagãs. Parcela imensa de uma produção livresca devia ser condenada, afinal “sempre há pavor onde este ou aquele [livro] tem passagem para de lá vir às mãos dos curiosos”. A reprovação não quer dizer que António José Soeiro da Silva fosse avesso às Luzes, mostrando coerência para com a política ilustrada pombalina, na qual a censura serviu de mecanismo de controle, mais do que obstáculo ao progresso moderado e católico.
Talvez, a referência que melhor represente o posicionamento de Soeiro da Silva seja: “Viagem da Razão debaixo do nome de Lucidôr”. Muito provavelmente, a referência diz respeito à obra Le Voyage de La raison en Europe, do Marquês Louis-Antoine Caraccioli. Em um estudo sobre o referido escritor, Jacques Martine o posiciona na fronteira dos partidários das Luzes e dos defensores da tradição católica. Normalmente considerado conservador e contra-iluminista, Martine entende que Caraccioli teve diversos momentos de produção ao longo da sua vida. Este “honroso compilador” difundiu o conhecimento que era produzido em diversas partes da Europa e, ao longo de uma copiosa produção, é possível identificar tendências jansenistas e críticas aos jesuítas, bem como as influências de Rousseau, no âmbito da educação, e do “cartesianismo de Malebranche que reabilita a razão humana46”. A partir da década de 1760, período no qual foi publicada aquela citada obra, é notável o empenho de Caraccioli em associar razão e religião, ou melhor, em submeter as Luzes à fé, aspecto também verificado no Testamento do Século 18.
Junto à exaltação da ciência e da defesa da fé e da monarquia, Soeiro da Silva fez duras críticas à guerra, pelos seus efeitos nocivos à ordem social, política, quando não à própria existência do Século18 :
No tempo em que eu caía para a velhice e que pensava administrar com madureza e que as ciências se aumentavam, que se rebatiam alguns filósofos que pelo desejo de se fazerem célebres, davam a conhecer a folia dos seus novos inventos, maiores catástrofes se sucedem! Mil vezes me desejei morto para não ver os homens, a quem tantas lições tinha dado de Direito Natural, Público e das Gentes, esquecidos de si mesmos atacando os sagrados direitos dos Príncipes e caindo de abismo em abismo, que levo para a sepultura a mágoa eterna de suceder no meu tempo uma tal ignorância e barbaridade, como principiou em 14 de julho do ano 89o da minha idade e que até o fim da minha vida não pude remediar.
Expurgado da vaidade e de certos pensadores, o desenvolvimento da ciência era constantemente assediado pela barbárie e ignorância plasmadas nas guerras e na Revolução Francesa. Além de atacar os “sagrados direitos dos príncipes”, a “nação francesa” havia ferido de morte o Século 18, que “oito anos antes do fim da minha vida, passou a transformar a ordem da computação do ano e das datas cronológicas, não fazendo caso da era cristã”. Fazendo referência à mudança de calendário promovida pela Revolução Francesa, o século moribundo lamenta a natureza maligna do ser humano, propenso à desordem e à guerra47. O desassossego causado pelas guerras “é diametralmente oposto à tranquilidade de corpo e espírito48”.
Vale observar que na obra de Soeiro da Silva, o termo barbárie não foi utilizado em contraste ao seu par oposto : a civilização, isto é, ao “processo de refinamento das maneiras e costumes dos europeus [...] [e vinculada] à ideia de perfectibilidade moral e intelectual dos homens”, povos e nações em rumo ao progresso49. No opúsculo, o personagem moribundo atacava a barbárie compreendendo-a como conflito que rouba a paz50. O personagem secular relata que se empenhou em “apaziguar as dívidas e guerras que meu pai deixou, fazendo cessar, logo nos meus primeiros dias, a guerra às portas Otomanas com o império alemão51”. Lembra, ainda, que buscou promover a união da França com a Inglaterra, ainda que em prejuízo da Espanha, no âmbito da chamada Guerra da Quádrupla Aliança, ocorrida entre 1718 e 1720. Na coleção dos conflitos menciona, ainda a Guerra Polaca de 1733 a 1738, a “Revolução da Suécia”, e a Guerra dos Sete anos. A falta de organizações reguladoras acima das nações fazia da guerra uma forma violenta de garantir direito e se obter justiça, pois não tendo os soberanos “superior abaixo de Deus, não havia juiz para as suas causas se não a espada52”.
Ao conjunto dos conflitos que abalaram o cenário político europeu, Soeiro e Silva associa o terremoto que atingiu Portugal e Marrocos, em 1755, bem como os vícios da natureza humana. O que reúne todos esses elementos é a desarmonia: a proveniente das guerras, a dos desastres naturais, as motivadas pelas imperfeições do homem. Sim, porque junto com a guerra e os desastres naturais, a vaidade, a lisonja, a soberba vangloriavam-se de dominar: o sábio vaidoso e o ignorante ocioso, o rico ambicioso e pobre mendicante etc. Todos esses males, que se sobrepunham aos princípios morais e às virtudes, eram caracterizados como verdadeiros monstros a assombrar o recém-nascido Século 19 e a reputação do Século 18 :
Trêmulo e convulso, esperando a meia noite do dia 31 deste mês, não ouço soar mais coisa alguma que dizerem mal de mim acusando-me de bárbaro e ignorante [...] ; o que mais sinto são as falas de muitos vícios que soberbos se jactam dos progressos que fizeram no meu tempo!
Na biografia de um século é possível distinguir a resistência e o avanço das Luzes e da razão, tanto quanto a ameaça constante e o progresso dos vícios do gênero humano, da barbárie das guerras e dos eventos naturais que convulsionaram a ordem assentada por Deus na fé católica e na monarquia.
O autor, a obra, o século
Se, por um lado, a análise aqui apresentada ressente de maiores informações sobre a figura de António José Soeiro da Silva, por outro lado, deduz-se da própria obra o perfil de um autor sensível aos problemas do seu tempo. Seguindo uma perspectiva analítica que associa singularidade e universalidade, revelou-se no Testamento e Codicilo do Século 18 um contexto mais amplo e múltiplo de ideais circulantes na Europa no final do século XVIII. Um período marcado pelas Luzes, mas não de forma homogênea e/ou ortodoxa, de onde a pluralidade, os desvios e os ecletismos notáveis em suas manifestações coletivas e individuais. Não publicado e praticamente ignorado pela historiografia, o Testamento do século 18 é uma oportunidade para se conhecer o conjunto de ideias, diverso e divergente, de um letrado ordinário, uma vez que comum, na virada do século XVIII para o século XIX.
A biografia de um século escrita por António José Soeiro da Silva tem no progresso dos tempos a linha narrativa que une o nascimento ao fim da vida. Sua trajetória no tempo era lembrada pelo personagem que se aproximava, sem se confundir, com a trajetória da humanidade em um século de Luzes, mas também temeroso das desordens, guerras, revoluções. Como já apontado, a ideia de um progresso da humanidade, na conformidade de uma lei natural ou de um desígnio divino, foi comum aos pensadores ilustrados. Entretanto, a pluralidade das Luzes evidenciaria noções diversas de progresso, por vezes reafirmando o avanço positivo, por vezes reforçando o traço do pessimismo, como um apelo à cautela ou uma denúncia dos vícios.
A percepção de decadência acompanha os próprios estertores do fim da existência do Século 18, mesclando existência e obra, como em uma biografia. Ou melhor, é a confissão de um século marcado pelo progresso das Luzes e pela barbárie das guerras. Um século que teme ter maculada sua memória e, como bom cristão, pedia desculpas: “peço perdão a todos os habitantes do mundo de algum agravo que lhes fizesse e igualmente perdoo à fraqueza humana”. A obra de António José Soeiro da Silva reconhece o avanço da razão e das ciências, mas frisa a ameaça perene da guerra e dos vícios, recorrendo piamente à misericórdia divina. Como legado, o Século 19 recebia as descobertas das ciências e, acima de tudo, a responsabilidade de zelar pela tradição religiosa, pela monarquia e pela ordem social53.
António José Soeiro da Silva buscava, claramente, harmonizar fé e razão, o que não era estranho ao ambiente ilustrado português. A apropriação que ele fez dos autores ilustrados, acolhendo os vinculados à reforma pombalina e rejeitando aqueles aos quais considerava os “cavilosos” e escolásticos, permite vislumbrar sua filiação a um iluminismo moderado, reformista, católico e eclético. Com efeito, pressupor um consenso fundamental no campo da história das ideias seria ignorar “as disputas ou as diferentes orientações que norteiam a afirmação do ideal filosófico setecentista54”. Nessa linha de análise, afirma-se a necessidade de se avaliar a diferença, a coexistência, as suas múltiplas implicações e as descontinuidades, nos mais diversos estratos do pensamento, inclusive entre os autores acantonados e esquecidos pela história. O Testamento do século 18 é a peça de autor comum que busca na razão e nas virtudes alternativas à barbárie e à maldade humana.
A decadência e a morte do Século 18 são a metáfora dos fracassos da natureza humana. Sua história serve à educação do seu filho, enquanto seus conselhos apontam para um futuro incerto. No Testamento, os insucessos projetam uma expectativa negativa sobre o devir, atenuada pela frágil esperança de um século moribundo: “não se deve desanimar, meu filho, porque ainda existem a Razão, Prudência, Verdade e Obediência que são virtudes muito superiores aos vícios”. Nesse sentido, o pessimismo amedrontado de um século morrediço serviria para a promoção das Luzes. Extenuado por uma existência secular, calejado pelos conflitos, preocupado com um devir em aberto, o Século 18 escreve a última linha da sua biografia rogando aos céus que seu filho siga os seus conselhos “para o sossego meu, glória sua e felicidade dos homens”.
Fonte manuscrita :
Testamento e Codicilo do século 18 ou recomendações econômicas e políticas que fez o Século 18 a seu filho o Século 19, Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT) - Real Mesa Censória (RMC) - Caixa 508, documento 4701.