O padrão construcional [Verbo horrores] como estratégia de intensificação em tweets do Português Brasileiro

  • La construction [Verbe horrores] comme stratégie d’intensification dans les tweets en portugais brésilien
  • The constructional pattern [Verb horrores] as an intensification strategy in Brazilian Portuguese tweets

Analisamos o pareamento forma-função representado pela construção [___V horrores], como em “comer horrores”, “beber horrores”, “gastar horrores”, cuja função é a de intensificação de predicação. Para tanto, investigamos esse padrão construcional a partir de tweets de falantes do Português Brasileiro coletados por meio do RStudio, interface do programa R, sob a orientação teórica da Linguística Funcional-Cognitiva, da Gramática de Construções e da Sociolinguística Variacionista. Apresentamos, neste artigo, os resultados relacionados à construção estudada quanto aos seguintes aspectos: (i) os significados que podem ser ativados em dados de uso; (ii) os verbos que são mais acionados em sua materialização em tweets; (iii) a classificação quanto à predicação e quanto à natureza semântica dos verbos que preenchem o primeiro slot; e (iv) a posição do intensificador em relação ao verbo. Procuramos, então, expor mais detalhes quanto à esquematização supracitada apreendida a partir dos dados e, assim, lidar com o fenômeno de (relativa) estabilização de atributos formais e funcionais. Esses fenômenos são perspectivados segundo uma concepção diassistemática de língua e um olhar do processo de intensificação como viabilizado por inúmeros recursos. A descrição desse uso é uma contribuição para estudos de intensificação quer no espaço de abordagem científica, quer no espaço de ensino de Português.

Nous avons analysé le couple forme-fonction représenté par la construction [___V horrores] (horreurs), comme dans « comer horrores », « beber horrores », « gastar horrores » (quelque chose comme « manger horriblement », « boire horriblement », « dépenser horriblement »), dont la fonction est d’intensifier la prédication. Par conséquent, nous avons étudié ce modèle de construction à partir de tweets de locuteurs de portugais brésilien collectés via RStudio, interface du programme R, sous les préceptes théoriques de la linguistique fonctionnelle-cognitive, de la grammaire de construction et de la sociolinguistique variationniste. Dans cet article, nous présentons les résultats liés à la construction étudiée concernant les aspects suivants : (i) les significations activables dans les données d’usage ; (ii) les verbes les plus utilisés dans les tweets ; (iii) la classification concernant la prédication et la nature sémantique des verbes qui remplissent la première case ; et (iv) la position de l’intensificateur par rapport au verbe. Nous avons ensuite cherché à exposer plus en détail la schématisation précitée et appréhendée à partir des données pour traiter le phénomène de stabilisation (relative) des attributs formels et fonctionnels. Ces phénomènes sont envisagés selon une conception diassystématique du langage et une vision du processus d’intensification rendu possible par d’innombrables manières. La description de cet usage est une contribution aux études d’intensification tant dans l’espace de l’approche scientifique que dans l’espace de l’enseignement du portugais.

We analyzed the form-function pairing represented by the scheme [___V horrores], as in “comer horrores”, “beber horrores”, “gastar horrores” (approximate translation: “eat horrors”, “drink horrors”, “spend horrors”), whose function is to intensify a predication.To this end, we investigated this constructional pattern in Brazilian Portuguese speakers’ tweets collected through RStudio, an interface part of the R program, with a basis in theory from Functional-Cognitive Linguistics, Construction Grammar and Variationist Sociolinguistics. In this article, we present the results related to this construction studied in terms of the following aspects: (i) the meanings that can be found in usage data; (ii) the verbs that are most used in its use in tweets; (iii) the classification in terms of predication and the semantic nature of the verbs that fill the first slot; and (iv) the position of the intensifier in relation to the verb. We seek, then, to expose more details regarding the aforementioned schematization apprehended from the data and, thus, to deal with the phenomenon of (relative) stabilization of formal and functional attributes. These phenomena are viewed according to a diasystematic conception of language and a view of the process of intensification as made possible by numerous resources. The description of this use is a contribution to studies of intensification both in scientific spaces and in Portuguese teaching spaces.

Plan

Texte

Introdução

São diversos os recursos em variedade sincrônica utilizados pelos falantes de Língua Portuguesa como estratégia de intensificação, a qual é definida por Vieira & Machado Vieira (2008, p. 63) como, de um lado, um processo cognitivo de avaliação do mundo e, de outro, uma estratégia argumentativa empregada “para indicar que a dimensão ou a intensidade de dado elemento ultrapassa os limites do que se concebe como relativamente normal/neutro a ele”.

Ainda segundo as autoras, além dos recursos utilizados no nível morfológico já amplamente discutidos na literatura, os mecanismos das línguas humanas para expressão de grau ou intensidade estão presentes nos mais variados níveis da linguagem, dentre os quais se inclui a intensificação em nível de predicação verbal. Dentro da representação abstrata que se configura como V + elemento não verbal, especificamente, há uma gama de possibilidades de preenchimento para o intensificador, como vemos abaixo:

1. Lembro da minha primeira ida à essa churrascaria, anos 80 (86/87, não sei muito bem o ano), com minha primeira namoradinha e sua família (era comemoração de algum aniversário de alguém da família dela), de como fiquei boquiaberto com a beleza desse local. Adolescente que era, comi a beça, repeti não sei quantas vezes o buffet e no final adorei tudo.1

2. Entendo super o lado da Disney e hoje me soa como loucura deixar os personagens mais soltos nos parques, para encontros menos formais, digamos assim. Mesmo que não seja mais viável, dada a lotação atual dos parques, vamos combinar que era muito legal isso acontecer antigamente!2

3. A gente tem muito pra falar porque a gente está sozinho. E isso é uma coisa da nossa geração: a gente já fala pra caramba sem saber das coisas, e agora que estamos vivendo um momento histórico, não vamos calar a boca. Nós vamos virar mais velhos muito mais rápido.3

4. Acabei de assistir "tudo bem no natal que vem" e que filme. Me fez parar pra refletir em tantas coisas, inclusive no amor de pai e filha, no quanto eu ainda sofro com a perda do meu pai e não consigo esconder. Chorei absurdos, que filme bom.4

5. Migas, como vocês sabem, eu enjoei horrores no começo da gestação e pensando nessa situação, acredito que existem muitas gravidinhas cacheadas que passaram/passam pela mesma situação então resolvi compartilhar com vocês os cremes que NÃO me causaram enjoos e que estou amaaaando utilizar! ♥5

A presente pesquisa está debruçada sobre casos similares a (5). Tencionamos analisar particularmente pareamentos de forma-função cuja representação formal se configura como [___V horrores], como uma das possíveis estratégias de intensificação da Língua Portuguesa, propondo uma rede construcional em que se insira essa construção.

Para tanto, elencamos seis perguntas norteadoras, as quais pretendemos responder ao longo deste artigo: (i) Quais os verbos mais acionados na materialização dessa construção em tweets? (ii) Como esses verbos se caracterizam quanto à natureza semântica? (iii) E quanto à predicação? (iv) Quais significados podem ser ativados em dados de uso dessa construção? (v) A posição do intensificador é variável em relação ao verbo? Se sim, quais são as implicações resultantes de um (possível) posicionamento variável? e (vi) Existem outras construções de intensificação com “horrores” cujo slot variável não seja um predicador verbal?

A análise parte de tweets publicados por falantes do Português Brasileiro, coletados em 2020 com o auxílio do RStudio, interface do programa R. Optamos por utilizar o Twitter devido à possibilidade de coletarmos, em pouco tempo, um nível elevado de dados em uso. Para analisá-los, recorremos à orientação teórica da Linguística Funcional-Cognitiva, da Gramática de Construções e da Sociolinguística Variacionista.

Estruturamos o artigo da seguinte forma: primeiramente, discorremos sobre os principais aspectos da teoria; em seguida, explicamos como foram realizadas as etapas de coleta, triagem e análise dos dados. Esta última, realizada tanto qualitativa quanto quantitativamente, é apresentada de maneira detalhada. Logo depois, discutimos alguns aspectos importantes oriundos das reflexões geradas por esta pesquisa, perspectivando, inclusive, em como elas reverberam em espaços de ensino de Português e, por fim, apresentamos as considerações finais e as referências bibliográficas.

Fundamentação teórica

Estabilidade e variação construcionais via prisma socioconstrucionista

O encaminhamento metodológico, teórico-explicativo e representacional de dados da construção aqui focalizada conta com pressupostos e conceitos de Linguística Funcional-Cognitiva, Gramática de Construções e Sociolinguística, articulados na linha do que propõem Machado Vieira & Wiedemer (2019, 2020).

O encaminhamento metodológico, teórico-explicativo e representacional de dados da construção aqui focalizada conta com pressupostos e conceitos de Linguística Funcional-Cognitiva, Gramática de Construções e Sociolinguística, articulados na linha do que propõem Machado Vieira & Wiedemer (2019, 2020).

O conhecimento do Português é perspectivado como sendo representado via construções, pareamentos de forma e função, formuladas por diferentes graus de esquematicidade e abstração e interconectadas num construct-i-con. Este é, em linhas gerais, um complexo inventário aberto de unidades linguísticas constantemente (re)organizadas em rede, unidades de perfil mais procedural e mais ligado ao universo gramatical ou de perfil menos procedural e mais ligado a conteúdos no mundo sociocultural e com substância formal prosódica, fonético-fonológica, lexical, morfológica, morfossintática, sintática e/ou textual-discursiva. Esse repertório de unidades mantém ou potencialmente implica links diversos com outras unidades (links de herança, de instanciação, de polissemia ou de similaridade/analogia). As construções, que são unidades abstratas resultantes de um processo de representação cognitiva baseada nas experiências linguísticas em certa(s) comunidade(s) e memorificadas como conhecimento linguístico, licenciam os usos que são materializados em diferentes possibilidades textuais ligadas a diversas práticas discursivas. Logo, estão sempre sujeitas a se (re)configurarem a partir da vivência e da criatividade linguísticas que se moldam social, pragmática e contextualmente e, em consequência, estão sujeitas a se repetirem e se convencionalizarem em comunidades linguísticas e, então, a serem consolidadas na memória, ou seja, entrincheiradas cognitivamente pelos indivíduos dessas comunidades.

Nesse sentido, para além do parâmetro de esquematicidade envolvido na representação cognitiva de construções também têm relevância tanto produtividade (de tipos construcionais mais substantivos que resultam das esquematizações e de ocorrências que resultam do processo de instanciação de construções) como composicionalidade (cujos graus de transparência funcional e analisabilidade formal são detectados na contextualidade dos textos produzidos).

Entre os fenômenos de uma língua a serem representados numa gramática de construções está a variação construcional. Nossa compreensão alinha-se ao que é dito desde Machado Vieira (2016): na experiência de uso da língua, indivíduos ou grupos de indivíduos podem associar, por analogia, unidades construcionais, que, em razão da produtividade da associação e do entrincheiramento cognitivo desta, podem valer, em certos contextos, como alternativas linguísticas. E como uma gramática de construções baseia-se na experiência de usos, o fenômeno também encontra guarida representacional sob a forma esquemática de uma metaconstrução, área na rede construcional em que há neutralização das diferenças entre as unidades construcionais postas em associação.

Categorização dos verbos em tipos semânticos

Seguindo os pressupostos de Halliday (2004), sobre os quais Rempel (2017) discorre, propusemos a classificação dos verbos em tipos semânticos, conforme quadro a seguir, no qual é apresentada a distinção entre comportamentais fisiológicos e psicológicos, por conta da natureza dos dados.

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Nesta análise, é fundamental a observação das “pistas” contextuais, de modo que a classificação entre os tipos semânticos esteja relacionada ao significado proeminente ativado no contexto. Desse modo, embora apresentem um mesmo verbo, os exemplos (6) e (7), a seguir, serão categorizados como tipos semânticos diferentes:

6. Meu esposo também tentou me deixar mais alegre e pesquisou sobre todos os sintomas que eu estava passando: irritabilidade, tristeza, angústia, desorientação e ansiedade. Então me disse que eu possivelmente estaria passando por uma depressão pós parto. No início, não quis aceitar essa realidade, apenas coloquei na cabeça que era só uma fase, seja lá do que fosse. No entanto, uma noite, enquanto a bebê chorava horrores e eu não era capaz de atendê-la, percebi que realmente estava acontecendo algo sério comigo. [PB, Sofri com a depressão pós-parto e vou contar como saí dela, Incrível Club, 2019]

7. tenho só esse brinco de prata 925 peruano. chorei horrores pra vendedora me dar desconto e quando chego aqui, perco o outro par na rua lá na vila olimpia. amava esse brinco mas sei que tem pessoas que curtem usar só um. é prata e das boas. [PB, um brinco prata 925, Enjoei] 6

Em (6), o significado ativado é o de “derramar/correr lágrimas”. Desse modo, percebe-se um evento associado a ações possivelmente performáticas no mundo real/ biossocial, ou seja, cuja manifestação pode ser visível ou comportamentalmente expressa. Em (7), por seu turno, o sentido ativado é o de “pechinchar”, “reclamar”, em que não se destaca o caráter psicológico do evento e, sim, o ato de fala argumentativo, relacionado a processos de dizer. Portanto, (6) seria classificado como um processo de comportamento psicológico, ao passo que (7), como processo verbal.

Coleta, triagem e análise dos dados

Antes de tudo, foram coletados, no ano de 2020, 1000 (mil) dados com a unidade lexical “horrores” no Twitter, com o auxílio do programa R, mais especificamente de sua interface, o RStudio. Após a coleta, passamos para a etapa de triagem, em que constatamos haver 711 (setecentos e onze) tweets com a construção [___V horrores]. Dentre os tweets que foram “descartados” nesse processo, havia:

(a) tweets repetidos, por conta de retweets, isto é, uma republicação de algo postado anteriormente;

(b) dados que não puderam ser integralmente acessados, uma vez que, a depender do número de caracteres do tweet, precisávamos acessar a conta dos usuários, e muitos tinham seus perfis fechados, ou seja, acessíveis apenas para seguidores; e

(c) dados que não apresentavam a construção estudada, os quais podemos dividir em dois grupos: aqueles com o lexema “horrores” integrando construções do tipo “show de horrores”, “circo de/dos horrores” e “os horrores”, sem valor adverbial tão expressivo, como em (8), (9) e (10), a seguir; e aqueles em que o mesmo lexema integra outras construções com função intensificadora, como em (11), (12) e (13), que foram consideradas apenas posteriormente.

8. Hj vou pra fazenda da minha família, e vamos de show de horrores [PB, Twitter, 2020]

9. Brasil virou um circo dos horrores [PB, Twitter, 2020]

10. Se adotássemos a concepção juspositivista, certamente teríamos mais dificuldade de combater os horrores nazistas, a mutilação africana. [PB, Twitter, 2020]

11. Não sei vcs mas eu to economizando horrores de maquiagem com esse rolê de sair de máscara [PB, Twitter, 2020]

12. Saudades de passar horrores de protetor solar pra caminhar até o centro, comer um pastel, beber um guaranazin gelado, ficar com preguiça de caminhar de volta até em casa por estar de buchin muito chei [PB, Twitter, 2020]

13. Nossa saudades horrores [PB, Twitter, 2020]

Em (8) e (9), “horrores” compõe um sintagma preposicional adjunto a um sintagma nominal (“show” e “circo”, respectivamente) e, juntos, eles formam expressões (quase) cristalizadas que tratam de situações ruins7. Em (10), por seu turno, “horrores” é o núcleo de um sintagma nominal (“os horrores nazistas”). Nesses três casos, a unidade lexical em questão não tem valor adverbial. Já em (11), (12) e (13), embora “horrores” integre, sim, construções intensificadoras, estas não fazem parte do nosso escopo inicial para este artigo, uma vez que sua configuração formal é diferente da selecionada para esse fim.

Em seguida, realizamos uma análise observacional, mais qualitativa, dos 711 (setecentos e onze) tweets que apresentavam a construção estudada, o que nos permitiu propor uma série de grupos de fatores que, possivelmente, interferem na frequência e na organização formal dos diferentes types dessa construção. A partir disso, realizamos a análise quantitativa dos 100 (cem) primeiros tweets com essa construção, que se converteram em 101 (cento e um), visto que um dos tweets apresentava dois dados do padrão construcional [___V horrores].

Resultados: análise qualitativa dos dados

Para a análise qualitativa dos dados, foram considerados os seguintes atributos: (a) predicação; (b) processo referente à natureza semântica; (c) natureza semântica [+psicológica] ou [-psicológica]; (f) mensuração da natureza semântica; (g) carga semântica; e (h) posição do intensificador.

Quanto à predicação, categorizamos os verbos em: (a) pessoais transitivos diretos (VPTD); (b) pessoais transitivos indiretos (VPTI); (c) pessoais intransitivos (VPI); (d) pessoais transitivos circunstanciais (VPTC); (e) impessoais intransitivos (VII); e (f) impessoais transitivos (VIT), o qual não foi encontrado em nosso corpus. A seguir, exemplos das cinco primeiras classificações:

14. VPTD: Odeio Ascensão Skywalker mas confesso que shippo horrores Reylo e gritei demais nessa cena [PB, Twitter, 2020]

15. VPTI: Eu baixei uma música que me faz lembrar o @ e não faço ideia se ele conhece ou gosta da música porém continuo lembrando horrores dele ouvindo ela [PB, Twitter, 2020]

16. VPI: harry deve ter se divertido horrores fazendo esse clipe, gravou na praia, correu na praia, vestindo de shortinho amarelo e todo confortável[...] [PB, Twitter, 2020]

17. VPTC: moraria horrores https://t.co/CerXlIo7OL [PB, Twitter, 2020]

18. VII: @USER @USER Amiga aqui tbm choveu horrores [PB, Twitter, 2020]

Já a natureza semântica do verbo, como mencionado anteriormente, foi dividida em três subgrupos. O primeiro diz respeito ao processo e divide-se em “material”, “mental”, “relacional”, “verbal” e “existencial”, ilustrados pelos dados a seguir.

19. Material: Pelo amor de God, como resolver mil coisas, em 3 horas e com o PC travando horrores [PB, Twitter, 2020]

20. Mental: ja to shipando horrores a prof e o prof [PB, Twitter, 2020]

21. Relacional: Esperando dar uma aliviada nas conta pra comprar shampoo sólido e torcendo pra que seja bom e dure horrores porque eu odeio gastar com isso. [PB, Twitter, 2020]

22. Verbal: eu sinto tanto ódio do Bolsonaro que essa noite eu sonhei que pude xingar ele horrores pessoalmente [PB, Twitter, 2020]

23. Existencial: Amiga aqui tbm choveu horrores [PB, Twitter, 2020]

Em (19), compreendemos “travar” como de processo material porque ele está representando um ato, algo que está acontecendo com o computador; em (20), “shipar”8 diz respeito a aspectos emotivos, logo, mentais; em (21), “durar” expressa circunstância e, por isso, o definimos como relacional; em (22), por seu turno, “xingar” é um “processo de dizer”, nas palavras de Fuzer e Cabral (2010, p. 103), sendo, assim, um processo verbal; e, em (23), por fim, temos o verbo “chover”, classificado, inclusive tradicionalmente, como existencial.

Ainda no que diz respeito à natureza semântica, tratamos da divisão entre [-psicológica] e [+psicológica]. Vejamos.

24. [-psicológica] meu corpo tá tão desacostumado de treino pesado q fui fazer agachamento com a angel no colo e minhas pernas ficaram tremendo horrores [PB, Twitter, 2020]

25. [+psicológica] ontem um vídeo me deu gatilho do caralho lembrei dos dark days tremi horrores deu muita vontade porém sigo firme [PB, Twitter, 2020]

Em (24) e (25), a mesma forma é usada: “tremer”. No entanto, em (24), sua natureza é [-psicológica] e, consequentemente, [+física], posto que, de fato, a pessoa sentiu suas pernas tremerem; ao passo que, em (25), por extensão semântica, o verbo “tremer” assume uma função [+psicológica], não atrelada, necessariamente, ao ato de tremer. Nesse sentido, mais uma vez, reforçamos a importância de analisarmos a unidade lexical dentro de um contexto, pois a nuance semântica pode ser alterada a depender do que está sendo proferido.

Ainda no que tange à natureza semântica, investigamos sua mensuração, isto é, se [+mensurável] ou [-mensurável], conforme exemplos a seguir.

26. [+mensurável] o dono do tiktok deve tá lucrando horrores nessa época de pandemia [PB, Twitter, 2020]

27. [-mensurável] Nunca pensei que eu fosse gostar de grupo de família e cá estou eu me divertindo horrores. Ainda faz eu sentir saudade. É o isolamento mudando a gente. [PB, Twitter, 2020]

Em (26), com o verbo “lucrar”, é possível cogitar, até precisamente (indicando uma quantia), a dimensão desse lucro, que está sendo intensificado por “horrores”, logo, o verbo é [+mensurável]; por outro lado, em (27), o verbo “divertir” não nos permite medir, de modo relativamente preciso, a diversão, sendo, portanto, [-mensurável]. No primeiro, pode-se quantificar o lucro. No segundo caso, pode-se, no máximo, estimar em muito ou pouca diversão (mensuração escalar/gradual, menos precisa).

Agora, finalizada a explanação acerca da natureza semântica – do processo, do caráter [+psicológico] ou [-psicológico] e da mensuração , observemos também a carga semântica dos verbos que preenchem o slot aberto do padrão [___V horrores]. Essa categoria foi organizada em três subgrupos: [+negativa], [+positiva] e “ambas as interpretações são possíveis”.

28. [+negativa] @USER amiga quando saiu o gabarito eu chorei horrores pois tinha certeza q nao passaria. fiquei o mês inteiro deprimida [PB, Twitter, 2020]

29. [+positiva] E a Karina que chorou horrores quando viu a ultrassom kkkkkkkkk [PB, Twitter, 2020]

30. “ambas as interpretações possíveis” @USER_ @USER @USER E vamos de estudar horrores nessa quarentena [PB, Twitter, 2020]

Tanto em (28) quanto em (29), “chorar” é o verbo utilizado, contudo, mais uma vez, é o contexto o que nos ajudará a analisar a carga semântica, a qual não pode ser definida apenas pelo item: em (28), a usuária afirma ter chorado horrores após ter visto um gabarito, o que a deixou deprimida, logo, a carga do verbo é [+negativa]; em (29), no entanto, a usuária do Twitter afirma que uma mulher chamada Karina chorou horrores após ter visto um ultrassom – afirmação acompanhada por risos (“kkkkkkk”), de modo que entendemos que o choro foi uma reação [+positiva] ao evento. Em (30), todavia, ambas as interpretações são possíveis: a pessoa pode estar afirmando, com alívio, que poderá estudar horrores na quarentena, mas também pode estar afirmando, com desânimo, o que terá que ser feito.

Por fim, verificamos a posição do intensificador: “imediatamente à direita do verbo”, “à direita do objeto direto”, “à direita do objeto indireto” e “outro”.

31. Me iludi, meu cabelo continua caindo horrores [PB, Twitter, 2020]

32. E eu nunca pensei que essa musica fosse fazer sentido na vida, cantava horrores KKKKKMKK https://t.co/Gc0ro9BhLh [PB, Twitter, 2020]

33. passando mal horrores [PB, Twitter, 2020]

Essa categoria nos mostrou que, assim como ilustrado em (31) e (32), “horrores” sumariamente se posiciona imediatamente após o verbo. Contudo, em alguns dados, como (33), há algum item entre o verbo e “horrores”.

Na próxima subseção apresentamos a análise quantitativa dos dados. Para realizá-la, consideramos os 100 (cem) primeiros tweets do nosso corpus, os quais se transformaram em 101 dados (cento e um) por, em um único tweet, ter ocorrido o uso de [___V horrores] duas vezes.

Resultados: análise quantitativa dos dados

Assim como o fizemos durante a análise qualitativa, aqui, para expor os resultados da análise quantitativa, recorremos às perguntas norteadoras elencadas na introdução deste artigo. Assim, para cada uma delas, apresentamos um ou mais gráficos e suas respectivas explicações.

A primeira pergunta foi “Quais os verbos mais acionados na materialização desta construção em tweets?”. A fim de respondê-la, chegamos aos seguintes resultados.

Gráfico 1: Verbos mais acionados pelo padrão [___V horrores] nos 711 tweets - 713 dados (amostra coletada inicial)

Gráfico 1: Verbos mais acionados pelo padrão [___V horrores] nos 711 tweets - 713 dados (amostra coletada inicial)

Gráfico 2: Verbos mais acionados pelo padrão [___V horrores] nos 100 primeiros tweets - 101 dados (amostra de dados submetidos à análise de variáveis, após a triagem)

Gráfico 2: Verbos mais acionados pelo padrão [___V horrores] nos 100 primeiros tweets - 101 dados (amostra de dados submetidos à análise de variáveis, após a triagem)

Em relação aos verbos mais acionados para o preenchimento do primeiro slot construcional, conseguimos fazer uma categorização para a totalidade de 100 tweets/101 dados que resultaram do processo de triagem. Nesse caso, o verbo mais acionado na formação da construção estudada foi o verbo “chorar”, que compreende cerca de 33% do total de dados, seguido, em porcentagem bem menor, dos verbos “rir” (10%) e “sofrer” (3%). Esse foi o mesmo padrão observado a partir da análise dos 101 (cento e um) primeiros dados, na qual 45 (quarenta e cinco) verbos diferentes foram acionados, mas o verbo “chorar”, ainda assim, foi expressivamente o mais acionado, compreendendo 37,62% dos dados, seguido, novamente, pelos verbos “rir” (10,89%), em segundo lugar, e pelo verbo “sofrer” (3,96%), em terceiro. Para ilustrar esses três usos, alguns exemplos:

34. @krysitial Eu também): sexta feira vou chorar horrores [PB, Twitter, 2020]

35. O meu foi péssimo sofri horrores pq era assumido e sofria homofobia da parte dos machos https://t.co/50PP8AUdEd [PB, Twitter, 2020]

36. agora é real eu to rindo horrores [PB, Twitter, 2020]

Em (34), (35) e (36), ao estarem acompanhados por “horrores”, notamos que a ação representada pelo verbo, seja chorar, seja sofrer, seja rir, é realizada intensamente.

Ainda no tocante aos verbos, a segunda pergunta norteadora foi a seguinte: “Como esses verbos se caracterizam quanto à natureza semântica?”. Para respondê-la, consideramos os três subgrupos anteriormente apresentados (processo; [+] ou [-] psicológica; e mensuração), para os quais elaboramos, separadamente, gráficos. Vejamos a primeira, referente ao processo.

Gráfico 3: Processo referente à natureza semântica dos verbos encontrados nos 100 primeiros tweets - 101 dados

Gráfico 3: Processo referente à natureza semântica dos verbos encontrados nos 100 primeiros tweets - 101 dados

Cerca de 49,5% dos 101 dados envolviam verbos de natureza comportamental psicológica, o que condiz com o acionamento mais produtivo dos verbos “chorar” e “rir”, respectivamente. Contudo, é interessante destacar que, embora em graus diferentes, verbos de todas as naturezas semânticas inicialmente propostas foram acionados, bem como verbos de natureza [+psicológica] e [-psicológica] e [+mensurável] e [-mensurável].

Esse resultado sinaliza, por um lado, a potencialidade de diversidade de verbos e de perfis dos verbos que podem ocupar o primeiro slot de [___V horrores] e, por outro, captura indícios de uma inclinação a certo tipo verbal nesse slot. Em alguma medida, delineia-se uma especialização do predicador que pode participar dessa construção de intensificação a atrair o lexema horrores. Naturalmente, a validação disso depende da (i) comparação desses dados com dados de outras construções com verbos e com outros intensificadores (como muito) e mesmo da (ii) comparação com dados de outros tipos construcionais licenciados pela construção mais esquemática [___V___Nintensificador flexionado no plural]intensificação extravagante (chorei absurdos, cf. exemplo no início deste artigo), que projetamos a partir desta pesquisa. A potencialidade de usos desses dois tipos é detectada em enunciados9 como: “Depois de dançar muito e suar litros, a maquiagem ainda estava incrível” (PB, Instagram, 2021) ou “Vamos chorar rios e sorrir mares com as memórias afetivas de Almodóvar, nos cinemas nesta quinta-feira!” (PB, Twitter, 2019). Esses dois enunciados não compõem a amostra de 101 dados advindos de 100 tweets aqui descrita, são de outra amostra. Lançamos mão deles aqui somente para ilustrar outros tipos construcionais com intensificador que, supomos, estão em relação de similaridade (por analogia). Esta é alvo de outros desdobramentos deste estudo a perspectivarem tais usos como licenciados como aloconstruções (variantes, Machado Vieira, 2016) que se alinham numa metaconstrução (Machado Vieira, 2019, 2020) – espaço de representação presente na rede de construções de uma língua, em que diferenças se neutralizam e similaridades sobressaem. Assim, é a associação por similaridade que estará na base cognitiva da generalização e do acionamento feitos pelo falante de, por exemplo, “dançar muito” e “dançar horrores” assim como de “suar litros” e “suar horrores” em termos de estruturas perspectivadas como potencialmente equivalentes e intercambiáveis nos discursos, mesmo que, noutros discursos, possam instanciar também usos diferentes.

Quanto ao caráter [+psicológico] ou [-psicológico] dos verbos, alcançamos os seguintes resultados:

Gráfico 4: Caráter [+psicológico] ou [-psicológico] dos verbos encontrados nos 100 primeiros tweets - 101 dados

Gráfico 4: Caráter [+psicológico] ou [-psicológico] dos verbos encontrados nos 100 primeiros tweets - 101 dados

37. rindo horrores com minha bixete que colocou os trabalhos no teams mas não clicava em entregar e perdeu as datas kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk [PB, Twitter, 2020]

38. eu mandei a figurinha pro número errado e a pesso me xingou horrores, q mico [PB, Twitter, 2020]

Em (37), temos um exemplo de dado de caráter [+psicológico], com “rindo horrores”, ao passo que, em (38), temos uma ilustração de dado de caráter [-psicológico], com “xingou horrores”.

Ainda no que diz respeito à natureza semântica, vejamos a análise quantitativa da mensuração:

Gráfico 5: Mensuração - natureza semântica dos verbos encontrados nos 100 primeiros tweets - 101 dados

Gráfico 5: Mensuração - natureza semântica dos verbos encontrados nos 100 primeiros tweets - 101 dados

Para ilustrar essa categoria, vejamos os dois exemplos a seguir.

39. Esperando dar uma aliviada nas conta pra comprar shampoo sólido e torcendo pra que seja bom e dure horrores porque eu odeio gastar com isso. [PB, Twitter, 2020]

40. @jpsmariiano Eu me iludi horrores. [PB, Twitter, 2020]

Em (39), temos um exemplo de verbo [+mensurável], uma vez que a duratividade de algo, nesse caso, do shampoo, pode ser medida precisamente (em dias, semanas, por exemplo); enquanto em (40), temos um verbo [-mensurável], já que a ilusão vivida por algo não pode ser medida precisamente, embora possa ser estimada gradualmente – para mais, para menos ou para mais ou menos.

Notamos que o acionamento da construção [___V horrores] serve para associar às predicações verbais não só uma leitura de mensuração escalar/gradual imprecisa, o que também poderia ser alcançado com outros recursos (como muito, demais ou imensamente), mas principalmente extravagante (segundo UNGERER; HARTMANN, 2020, um uso de linguagem imaginativa e perceptível discursivamente). Delineia-se como um recurso de expressão extravagante de intensificação, por conta de traços como: envolvimento emocional do enunciador com o conteúdo da predicação (até manifesto via tipo verbal mais acionado para essa construção), saliência estilística, ou seja, uma forma de o enunciador expressar um estado de coisas de modo a ser notado e certa incompatibilidade ou não canonicidade em relação à situação acionada no mundo autodenominado real (durar horrores – durar horas).

Já no tocante à predicação verbal, sobre a qual foi feita a terceira pergunta (“E quanto à predicação?”), temos as seguintes informações.

Gráfico 6: Predicação verbal (100 primeiros tweets - 101 dados)

Gráfico 6: Predicação verbal (100 primeiros tweets - 101 dados)

Para os 101 (cento e um) primeiros dados quanto à variável predicação, 82,2% dos dados compreendiam verbos pessoais intransitivos, e não foram encontrados dados de verbos impessoais transitivos. Embora esse resultado esteja, em nossa análise, fortemente influenciado pela alta frequência com que o verbo “chorar” é acionado, vale ressaltar que parte dos outros verbos que ocupam as posições mais altas em termos de acionamento também são verbos pessoais intransitivos, tais como “rir”, “sofrer”, “doer”.

41. Fiz muito esforço com o pé, agora ta doendo horrores [PB, Twitter, 2020]

Como “rir” e “sofrer” já foram apresentados anteriormente, selecionamos, aqui, um dado que ilustre o verbo “doer”, na verdade, o único dado em que esse verbo aparece. Como vemos em (41), ele, assim como os verbos já mencionados, também o é intransitivo.

Nossa quarta pergunta (“Quais significados podem ser ativados em dados de uso dessa construção?”) refere-se à carga semântica dos verbos.

Gráfico 7: Carga semântica dos verbos (100 primeiros tweets - 101 dados)

Gráfico 7: Carga semântica dos verbos (100 primeiros tweets - 101 dados)

Sobretudo em se pensando na utilização do lexema “horrores” em contextos e construções em que assumia valoração basicamente negativa (como em “show de horrores” e “circo de horrores”), decidimos averiguar a carga semântica da construção estudada em cada um dos 101 (cento e um) dados analisados quantitativamente. Nessa categorização, além de considerarmos uma carga semântica [+ positiva] e [+ negativa], destacamos também que existem casos em que ambas as interpretações são possíveis, por conta de não haver “pistas” cotextuais ou contextuais que nos permitissem chegar a conclusões.

Nesse sentido, percebemos que a propensão para uma carga semântica negativa é leve, de modo que a distribuição é muito parecida entre a carga semântica [+positiva] e a [+negativa]. Aliados ao fato de haver possibilidades de dupla interpretação, esses dados diferem bastante do uso do lexema “horrores” em outras construções, reforçando que, em [___V horrores], esse lexema, como intensificador, vem adquirindo caráter mais instrumental. Vejamos os exemplos a seguir.

42. eu tô chorando horrores porque não consigo fazer a porra da lição ??????? [PB, Twitter, 2020]

43. eu amo ver vídeos de bichinhos sendo adotados, o amor e a felicidade que eles demonstram. choro horrores, mas é tudo pra mim [PB, Twitter, 2020]

44. @andrezzamuniz EU CHOREI HORRORES NESSE EP. Ele não tinha esse direito e tinha 100% esse direito. Amo Karev com Joe e com Izzie. [PB, Twitter, 2020]

Mais uma vez, selecionamos três dados com o verbo “chorar”, a fim de mostrar a importância do contexto para a interpretação da carga semântica dos verbos. Em (42), por não conseguir fazer uma lição, o usuário do Twitter afirma chorar horrores, logo, entendemos que a situação é frustrante e, portanto, [+negativa]; em (43), por seu turno, a pessoa afirma chorar horrores ao ver vídeos de animais sendo adotados, os quais demonstram estar felizes – sendo assim, a carga é [+positiva]; já em (44), não podemos afirmar que a pessoa chorar horrores ao assistir um episódio seja algo que a agrade ou desagrade, já que, para alguns fãs de séries, chorar/se emocionar com um episódio pode ser algo bom – desse modo, compreendemos esse dado como um nos quais ambas as interpretações são possíveis.

Quanto à posição do intensificador em relação ao predicador, referente à quinta pergunta (“A posição do intensificador é variável em relação ao verbo? Se sim, quais são as implicações resultantes de um (possível) posicionamento variável?”), em todos os 101 (cento e um) primeiros dados analisados quantitativamente, o intensificador encontra-se imediatamente à direita do verbo. Por isso, optamos por não apresentar o resultado em forma de gráfico.

Contudo, uma análise qualitativa do total de 711 (setecentos e onze) tweets, dos quais os exemplos (45) e (46) foram retirados, e de outros dados demonstra a existência de um posicionamento variável, ao menos para predicadores transitivos:

45. Eu e a Karen definimos o conceito de falar horrores mal de alguma celebridade e depois dizer \mas quem sou eu pra julgar né\" [PB, Twitter, 2020]

46. @USER Fala mal horrores da pessoa sem dó p depois n querer julgar kkkkkkkk [PB, Twitter, 2020]

Dada a natureza da amostra, em que encontramos poucos dados desse tipo, é preciso relativizar as implicações desse posicionamento variável: acima, em (45), o que percebemos é que a intensificação recai mais para o ato de fala, visto que há uma ideia de se falar “horrores e mal” de alguém, ao passo que, em (46), a intensificação parece recair sobre a crítica realizada. De todo modo, é preciso destacar que “horrores” sempre aparece após o verbo, seja imediatamente ou não.

Por fim, com relação à existência de outras construções de intensificação com “horrores” última pergunta norteadora (“Existem outras construções de intensificação com “horrores” cujo slot variável não seja um predicador verbal?”), durante o processo de triagem de dados, observamos casos como os seguintes:

47. Não sei vcs mas eu to economizando horrores de maquiagem com esse rolê de sair de máscara [PB, Twitter, 2020]

48. Saudades de passar horrores de protetor solar pra caminhar até o centro, comer um pastel, beber um guaranazin gelado, ficar com preguiça de caminhar de volta até em casa por estar de buchin muito chei [PB, Twitter, 2020]

Nos exemplos (47) e (48), percebemos que a intensificação recai, principalmente, sobre um nome, mediada pela preposição “de”; a intensificação, nesses dois casos, parece indicar quantidade de maquiagem e de protetor solar, respectivamente. Esses dois exemplos contêm verbo (economizar e passar, respectivamente), mas o sentido do intensificador recai sobre maquiagem e protetor solar (emergindo leitura similar a muita maquiagem e muito protetor solar). Já no exemplo (49), a seguir, percebemos que a intensificação também recai sobre um nome, mas, desta vez, o intensificador está após o nome e essa relação não é mediada por uma preposição.

49. Nossa saudades horrores [PB, Twitter, 2020]

Por fim, nos dois últimos exemplos, em estruturas nas quais notamos um verbo de ligação implícito ou explícito, a intensificação parece recair sobre um nome de valor adjetival, estando o intensificador após esse nome.

50. To cheio horrores kkkkk um mês sem comer nada e tomando dorflex kkkk vai ser bom q vou emagrecer kkkkkkk [PB, Twitter, 2020].

51. @USER previsível horrores [PB, Twitter, 2020]

Breve rol de discussões

Da análise aqui delineada, alcançamos alguns destaques, com potencial de levar a caminhos nos campos científico e didático-pedagógico de atuação da Linguística.

Verificam-se outras construções com o intensificador horrores em que o intensificador se associa mais fortemente a elementos não-verbais, tais como horrores de + ___ Nome e ___ Nome + horrores; é interessante que sejam analisadas construções como essas e suas relações com a construção que aqui estudamos. Embora não tenham constituído o objeto de investigação em foco, exemplo desse tipo especialmente ligado a nome de estado geralmente não perfilado graduavelmente (como aparece em exemplo como Assisti a eliminação do julian HOJE e apesar de já saber que ele ia sair eu gritei e sofri mto. (...) the voice está morto horrores – PB, Twitter, 2019) dão margem a supor que o acionamento de horrores se presta, discursivamente, a ressaltar uma atitude do emissor de certeza (graduada como imensa) na ação de representação de um estado de coisas, uma constatação no ato de fala.

Em nossas práticas pedagógicas, podemos considerar a utilização de textos autênticos (como os tweets) e presentes nas práticas discursivas cotidianas, “capazes de despertar nos/as aprendizes a autenticidade das interações sociais” (TILIO, 2015). Nesse sentido, a utilização de textos que de fato circulam nos mais diversos espaços, contextos e esferas comunicativas e o esforço de manter mais fiéis possíveis as características da circulação original desses textos pode ser uma estratégia interessante. De mesmo modo, consideramos ser bastante interessante o trabalho com gêneros discursivos, os quais entendemos, tal como Bakhtin, como manifestações sociais da linguagem. Segundo o autor:

O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional. [...] Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso (BAKHTIN, 2003, p. 261-262).

Assim, é fundamental que a análise dessas construções não se dê de forma alheia ao texto, mas que o aluno as perceba como recursos linguísticos que integram um enunciado maior, colaborando para a construção de seus sentidos.

Um exemplo desse segundo caso aparece nessa consulta de final de ano feita no aplicativo do banco Nubank (figura abaixo).

Figura 1: Ocorrência de [___V horrores] em texto publicitário10

Figura 1: Ocorrência de [___V horrores] em texto publicitário10

Embora se trate de uma relação banco-clientes, o ambiente digital e a intenção de aproximação com os interlocutores favorecem o uso planejado de tipos construcionais como “se divertir horrores” em (me diverti horrores dentro de casa com o pet, a família, livros, séries etc.).

- Os próximos passos sugeridos ao presente estudo envolvem:

verificar a ocorrência (ou não) da construção estudada em outras variedades do Português;

- investigar outras construções de intensificação com configuração [_____ predicador + _____ elemento não-verbal intensificador ], em que o elemento que preenche o segundo slot esteja no plural, em consonância com uma perspectiva de variação da língua;

- examinar o grau de similaridade e de dissimilaridade entre dados licenciados por construção [_____ predicador + _____ elemento não-verbal intensificador no plural ] e dados licenciados por construção [_____ predicador + _____ elemento não-verbal intensificador ], em que lexemas adverbiais (muito, demais, enormemente, imensamente) operem.

Considerações finais

Com esta pesquisa, analisamos a configuração formal-funcional do padrão construcional [___V horrores], cuja função é de intensificação, em tweets coletados durante o ano de 2020, com o auxílio do RStudio, a interface da linguagem de programação R.

O primeiro resultado a que chegamos diz respeito ao acionamento expressivamente mais frequente do verbo “chorar”, que nos leva à hipótese de convencionalização de “chorar horrores”, entendida como um fenômeno associado ao uso social cada vez mais repetido e contínuo desse type construcional em eventos diversos de uso da língua, evidenciando regularidades no comportamento comunicativo dos falantes.

Quanto ao lexema “horrores”, embora em outras construções (como “circo dos horrores”, “show de horrores”, “os horrores” etc.) assuma, em geral, valoração [+negativa], na construção estudada, há uma distribuição mais próxima entre cargas semânticas [+positiva] e [+negativa], com leve propensão a esta. Nesse sentido, o acionamento de uma carga semântica ora [+positiva], ora [+negativa], bem como a mobilização de verbos de diferentes naturezas semânticas para o preenchimento do primeiro slot, indica um espraiamento no uso dos tipos construcionais relativos a [___V horrores]. Logo, esses dados apontam para um caráter mais instrumental/gramatical de intensificação, o qual também se verifica a partir da existência de outras construções de intensificação com “horrores”, encontradas durante o processo de triagem de dados.

Com relação às práticas sociais e às construções intensificadoras em jogo, verificamos que, recorrentes nas modalidades oral e escrita da língua, o padrão construcional [___V horrores] está, inicialmente, mais associado a contextos de concepção discursiva mais próxima de enunciados espontâneos ou, em alguma medida, menos controlados e mais cotidianos — como em alguns tweets — ou a contextos que tentam se aproximar ou emular esses tipos de uso.

Por fim, a diversidade de possibilidades de uso da construção por nós estudada e de “horrores” como intensificador demonstra um dos aspectos que tornam o padrão [___V horrores] um objeto de estudo interessante para diferentes práticas comunicativas: para o ensino, para a descrição de fenômenos de intensificação e, portanto, para a compreensão do Português Brasileiro.

Bibliographie

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MOTA, Nahendi Almeida; NUNES, Letícia Freitas; MACHADO VIEIRA, Marcia dos Santos. Você vai ficar roxo de surpresa ao descobrir como intensificamos horrores. Roseta, jan. 2021. Disponível em: <http://www.roseta.org.br/pt/2021/01/29/voce-vai-ficar-roxo-de-surpresa-ao-descobrir-como-intensificamos-horrores/>. Acesso em: 12 maio 2022.

REMPEL, Gabriela. Um estudo sobre concepções de transitividade no funcionalismo norte-americano de Hopper e Thompson e na Linguística Sistêmico Funcional. Entretextos, Londrina, v. 17, n. 2, p. 7-27, jul./dez. 2017.

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Notes

1 Disponível em: <https://www.tripadvisor.com.br/ShowUserReviews-g303506-d1906529-r159779795-Churrascaria_Palace-Rio_de_Janeiro_State_of_Rio_de_Janeiro.html#>. Acesso em: 17 mar. 2021. Retour au texte

2 Disponível em: <https://www.vaipradisney.com/blog/disney-saudades/>. Acesso em: 17 mar. 2021. Retour au texte

3 Disponível em: <https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2020/04/03/guerra-ao-coronavirus-em-ny-recruta-jovens-da-geracao-z-e-separam-casais.htm>. Acesso em: 17 mar. 2021. Retour au texte

4 Disponível em: <https://www.vix.com/pt/cinema/592101/13-filmes-natalinos-para-ja-entrar-no-clima-todos-para-assistir-online-e-de-graca?utm_source=next_article>. Acesso em: 17 mar. 2021. Retour au texte

5 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=0MCAM2ULI78>. Acesso em: 17 mar. 2021. Retour au texte

6 Disponível em: <https://www.enjoei.com.br/p/um-brinco-prata-925-28230327>. Acesso em: 12 maio 2022. Retour au texte

7 Para saber mais sobre a origem dessa expressão, sugerimos a leitura desta coluna: <https://super.abril.com.br/coluna/turma-do-fundao/as-atracoes-humanas-do-8220-circo-dos-horrores-8221/>. Acesso em: 01 jul. 2022. Retour au texte

8 Conforme Benfica da Silva e Gonçalves (2021, p. 112, grifos dos autores), “A shippagem é um fenômeno que, nos últimos tempos, vem se popularizado em grande escala, principalmente entre adolescentes nas redes sociais. A expressão constitui decalque do inglês shipping, que ganhou toque mais vernacular ao receber o sufixo -agem. Segundo Silva (2019, p. 27), o fenômeno se tornou tendência primeiramente na mídia americana, o que justifica a adoção do termo original em inglês. O verbo, por sua vez, provém do encurtamento de relationship, ‘relacionamento’, e logo foi aportuguesado como shippar, [...]. Como expresso no site Significados, shippar é o ‘ato de torcer pelo envolvimento afetivo de alguém’, [...] normalmente personagens de filmes, seriados, desenhos animados, histórias em quadrinhos, mangás etc.’ (SIGNIFICADOS..., 2017) Assim, ao praticar a shippagem, o usuário da língua expressa seu desejo de que duas pessoas se envolvam em um relacionamento”. Retour au texte

9

10 https://br.financas.yahoo.com/noticias/meunu-2020-como-fazer-retrospectiva-204000213.html (Acesso: 02/12/2022) Retour au texte

Illustrations

Citer cet article

Référence électronique

Letícia Freitas Nunes, Nahendi Almeida Mota et Marcia dos Santos MACHADO VIEIRA, « O padrão construcional [Verbo horrores] como estratégia de intensificação em tweets do Português Brasileiro », Reflexos [En ligne], 6 | 2023, mis en ligne le 19 avril 2023, consulté le 29 avril 2024. URL : http://interfas.univ-tlse2.fr/reflexos/1179

Auteurs

Letícia Freitas Nunes

Universidade Federal do Rio de Janeiro

leticiafreitas@letras.ufrj.br

Nahendi Almeida Mota

Universidade Federal do Rio de Janeiro

nahendi21@gmail.com

Marcia dos Santos MACHADO VIEIRA

Universidade Federal do Rio de Janeiro

marcia@letras.ufrj.br

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