Introdução
Constitui o objetivo, neste artigo, pensar as diferenças e semelhanças entre as construções topíssimo e topster, de modo a favorecer o entendimento acerca do uso das duas unidades construcionais considerando os pressupostos da teoria da metáfora conceptual (LAKOFF e JOHNSON, 1991), mesclagem conceptual (FAUCONNIER e TURNER, 2002) e metaconstrução (WIEDEMER e MACHADO VIEIRA, 2018), com a sufixação e splinter (BOOIJ, 2010; GONÇALVES, 2016; BAUER, 2004, 2005). Os dados coletados para isso são retirados do Twitter, a partir do recurso Rstudio e o Excel.
(1) 2020 foi um ano topster
(2) @janejoplin ‘@Gyslain07835732 só conheço o Lamartine Posella, que bate forte a respeito, o canal dele no YouTube é topíssimo
Tendo em mente os exemplos acima, é compreensível a existência de links, dado que há a intensificação por meio da base top. Essa semelhança é fundamental para juntar ambas construções ([topíssimo] e [topster]) em uma metaconstrução, um espaço mental que abrange relações de associação de padrões cosntrucionais, tendo forma e semântica relacionadas.
Portanto, este artigo é organizado em 3 seções. Na seção 2, apresento os pressupostos teóricos da pesquisa. Assim, o foco recai sobre os procedimentos metodológicos relacionados aos dados e os objetivos mais detalhadamente. Na sequência, a seção de análise apresenta a descrição mais detalhada dos fenômenos de acordo com os objetos de estudo e os resultados, indicando que os itens são sinônimos próximos, pois se encontram na mesma Metaconstrução, e possuem usos diferenciados, conforme tabela 3.
Pressupostos teóricos
O conceito de construção é definido em abordagens construcionalistas como, basicamente, unidade que constitui um pareamento simbólico e convencional entre forma e função (LANGACKER, 1987; CROFT, 2005). É chamada de unidade porque algum aspecto do signo é idiossincrático ou tão frequente que o signo é armazenado ou estocado como um pareamento forma-função na mente do usuário da língua; é convencional porque é compartilhada por um grupo de falantes; e simbólica porque são signos, são representações de “ideias”. E essas construções são organizadas em uma rede mental conhecida como constructicon.
Existe uma hierarquia construcional (BOOIJ, 2010; TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013) e, portanto, uma distribuição entre esquemas (altamente abstratos e imagéticos, no nível mais alto do constructicon), sub-esquema(s) (de nível intermediário, um pouco mais específico(s) que os esquemas, pois têm partes fixas e variáveis) e microconstruções (de nível super específico). Esses nomes costumam variar entre os autores, mas o continuum é mantido: do mais genérico e abstrato até o mais específico e preenchido. Assim, esses termos, neste artigo, são usados como sinônimos, para se referir às mesmas entidades construcionais.
Dentro do constructicon, essas construções, das mais genéricas às mais específicas, são organizadas a ponto de não haver distinção entre léxico e gramática; logo, independentemente do nível, todas são tratadas como construção, relacionando-se por links entre construções de mesmo nível e relações de herança de vários tipos (GOLDBERG, 2006).
É nessa conjuntura que observei a atuação de algumas microconstruções como um pareamento de forma e função em contexto sintático-semânticos e discursivo-pragmáticos específicos. A Linguística Cognitiva (LC) tem como um de seus pressupostos o conceito de mente corporificada. A mente seria modelada segundo nossos movimentos, interações e formatos corporais, por exemplo. Tudo que acontece na mente, então, seria uma percepção dos nossos sentidos, que percebem a realidade. Isso envolve dizer que, a partir do nosso sensório-motor, construímos pensamentos linguísticos a partir de extensões metafóricas e/ou metonímicas. Segundo Lakoff e Johnson (1991, p. 59), as metáforas conceituais, que “organizam todo um sistema de conceitos em relação ao outro” e depende da orientação espacial como referência para produzir um conceito, podem ser vários tipos, inclusive orientacional. É nesse tipo de metáfora que se encontra top.
O estrangeirismo [top]1, aceito sem nenhum tipo de mudança ortográfica, apenas fonológica (com adição da vogal epentética), vem do inglês com a mesma metáfora conceptual, do tipo orientacional, proposta por Lakoff e Johnson (1991). O uso de [top] resgata a metáfora para expressar algo de valor positivo, constituindo pragmaticamente um juízo de valor realizado pelo emissor2. Cada construção é realizada em um contexto com o objetivo claro e uma intenção final que, por muitas vezes, pode se dar inconscientemente. Entre outras intenções, é possível cogitar a de sinalizar uma atitude do emissor frente ao juízo que tece, na linha da função atitudinal postulada por Gonçalves (2016b, p.21):
Muitas vezes, o emissor pode externar seu ponto de vista através do uso de determinadas marcas morfológicas, o que justifica afirmar que o significado dos afixos pode se alterar pragmaticamente (em função do contexto ou da interação linguística). Novas palavras complexas podem veicular juízos de valor e sinalizar impressões subjetivas do falante, revelando “o impacto pragmático do emissor em relação ao enunciado, ao referente ou ao interlocutor” (Gonçalves, 2005a). De acordo com Gonçalves (2011a), o locutor pode, a partir de novas formações, “imprimir sua marca ao enunciado, inscrevendo-se explícita ou implicitamente, na mensagem.” Para exemplificar essa função, que podemos chamar de atitudinal…
Segundo, ainda, a LC e a ideia de mente corporificada, [top] tem base física: “(...) Uma vez que o chão é percebido como fixo, o topo do objeto parece se mover para cima no campo de visão da pessoa” (LAKOFF e JOHNSON, 1991, p. 63). Essa conceptualização resulta de um processo de mesmo domínio com sistematicidade: STATUS SUPERIOR É PARA CIMA; STATUS INFERIOR É PARA BAIXO. Para falantes do PB de diferentes idades, essa ideia é muito transparente, contribuindo para uma relativa compreensão dos usos derivacionais e flexionais.
Além da metáfora conceptual, outro processo cognitivo é de mesclagem conceptual (FAUCONNIER e TURNER, 2002), uma operação mental básica altamente imaginativa que consistem em na união entre input 1 e input 2 (são os espaços mentais iniciais), gerando o espaço mescla, onde os inputs são projetados parcialmente, concebendo uma nova estrutura mental emergente. Já no espaço genérico é o lugar em que se encontra o que há de comum entre os dois espaços iniciais, projetando-se sobre cada um deles.
Na maior parte das vezes, a conceptualização é feita por meio da integração de espaços mentais conectados entre si e abertos conforme o sistema conceptualizador humano aciona o processamento e a compreensão do mundo ao redor. Esses espaços mentais são como gavetas com conceitos construídos durante a fala e o pensamento. Eles são dependentes da memória de trabalho, pois operam nela, e da memória de longo prazo, porque são construídos também pela ativação dela.
Nessa operação, qualquer espaço pode ser modificado a depender do momento da enunciação e do pensamento, porque o significado é construído simbioticamente, dependendo
dos arranjos e das conexões estabelecidas no momento da enunciação. Portanto, na mescla conceptual pode ocorrer reorganização dos elementos que estão dentro dos espaços a qualquer momento. Assim, nesse processo e outros, como analogia, é vista a criatividade linguística.
O resultado desses processos mentais citados é nítido na língua a partir de processos morfológicos, como a sufixação e o splinter. Os sufixos graduadores nominais, amplamente estudados na língua portuguesa, são aqueles que são adicionados à direita do radical, e servem para indicar o grau (aumentativo, diminutivo, superlativo, comparativo) dos substantivos, adjetivos e advérbios. Na tabela abaixo, enumerei alguns exemplos.
Tabela 1: exemplos de sufixos
Substantivos |
Adjetivos e advérbios |
-ão, -ona, -orra, –inho, -ito, -isco, dentre outros |
-imo, -érrimo, -íssimo, -inho, dentre outros |
Fonte: autoria própria
Consoante Rocha (2008, p. 106), o “sufixo é uma forma presa recorrente, que se coloca à direita da base, caracterizando assim uma palavra derivada”. O gramático admite ainda que o sufixo não tem um significado próprio ao ser separado da palavra, ou seja, esse processo morfológico só tem sentido quando justaposto a uma base ou radical. No entanto, há de convir que sufixos ativam algumas ideias na mente, como é o caso de chorão, em que -ão evoca a ideia (quase) instantânea de aumentativo, de que se trata de algo grande ou em grande quantidade/intensidade.
A sufixação diferencia-se do splinter, pois esse constitui uma análise sistemática sobre o fenômeno de blending (mesclagem vocabular e cognitiva) que tem como consequência a fusão vocabular. Bauer (2005, p. 105) diz que splinter é “um fragmento de palavra usado repetidamente na formação de novas palavras” . Assim, splinters têm estatuto morfológico parecido com o dos sufixos porque podem levar à criação de novas construções. Em sua obra Glossary of Morphology, Bauer (2004, p. 77) apresenta a seguinte definição para o conceito de splinter:
Splinter é uma parte de uma palavra que, devido a algumas reanálises da estrutura da palavra original, é interpretada como significativa e posteriormente utilizada na criação de novas palavras. Como exemplo familiar, considere a palavra ‘alcoholic’. Em termos morfológicos, esse vocábulo é dividido em ‘alcohol’ e -ic. Mas essa palavra foi reanalisada como alc-oholic, e o novo splinter -oholic (variavelmente soletrado), em seguida, reocorre em palavras como chocoholic, spendaholic e shopoholic.
O ganho em diferenciar o estatuto de sufixo do splinter e aceitar essa diferença é que o último fenômeno perpetua o significado do “afixo” encontrado na palavra-mãe, o que não ocorre na sufixação. Por exemplo,
Tabela 2: exemplos de sufixos
Palavra originária |
Primeiro blend |
Outras formações |
Patrocínio |
Paitrocínio |
eutrocínio tiotrocíno avôtrocínio |
Fonte: autoria própria
Nessa tabela, vemos que as outras formações carregam a ideia da palavra-originária: patrocínio; essa é a principal diferença entre o sufixo e o splinter. Há, na língua portuguesa, outros casos de splinters, como exposto por Gonçalves (2013):
maionese -> macarronese, ovonese, camarone, batatonese
madrasta -> mãedrasta, sogradrasta, irmãdrasta, avódrasta
caipirinha -> caipifruta, caipiwodka, caipisaquê, caipirosca
Nessas operações morfológicas, principalmente na sufixação, é possível uma “adição” de intensificação, ou seja, [top] já carrega a intensificação por si só, mas reforça essa intensificação própria ao modificar um item precedente. Aqui a intensifcação3 é entendida como uma categoria semântica que tem como objetivo indicar atitudes subjetivas do falante, dando ênfase ou focalização. Assim, ao intensificar, o juízo de valor do falante está em jogo, conferindo relevância à undiade construcional a ponto de torná-la marcada. Formalmente, a intensificação pode ser expressa em diversos planos: prosódico, fonológico, morfológico, entre outros.
Por isso, ao tratar dos usos de [topster] e [topíssimo], é importante entender as classes morfológicas da língua portuguesa. Na LP, seguindo as gramáticas tradicionais, tem-se dez classes gramaticias: substantivo, artigo, adjetivo, numeral, pronome, verbo, advérbio, preposição, conjunção e interjeição. Nesse estudo, noto que, durante a análise, as classes mais utilizadas são adjetivo e substantivo. No que se refere às funções sintáticas, as mais utilizadas foram adjunto, predicativo, aposto, oração, sujeito e objetos. Classifico como adjunto desgarrado e predicativo desgarrado aqueles que aparecem no tuíte sucessor, fazendo referência ao anterior. Ao estudar os dados, me deparei com hashtags e marcadores discursivos, que não desemprenham função sintática nas orações. Por isso, os coloquei no lugar de classe gramatical. Assim, a função sintática referente a eles é n.d., significando nada. Apesar de ser norteada pelas classes e funções da Gramática Tradicional, me guio pela Linguística Cognitiva ao falar sobre categorização (FERRARI, 2011). Ao agrupar itens construcionais semelhantes, em classes específicas, o falante constroi o significado mentalmente das classes gramaticais e funções sintáticas. Isso quer dizer que há itens que são mais prototípicos e outros que são mais radiais ou periféricos, ou seja, uma unidade construcional pode ter traços que a caracteriza como prototípica ou como radial, mas ainda dentro de uma mesma classe ou função.
Dessa forma, já que os objetos de estudo aqui estão conectadas formal e semanticamente à palavra-mãe, top, estão também associadas entre si dentro do constructicon. Para uma melhor compreensão da representação dessa variação, adotei os conceitos de metaconstrução e aloconstrução, pois permitem a análise variacional de construções relativamente independentes, mas relacionadas entre si por uma semelhança configuracional (WIEDEMER e MACHADO VIEIRA, 2018). Assim, cada construção “vizinha” na rede, por diferir uma da outra, é uma aloconstrução, enquanto a metaconstrução é um espaço mental em que todas as diferenças entre as aloconstruções são neutralizadas e o que sobressai são as similaridades.
Metodologia
Esta pesquisa foi feita com base em alguns tuítes disponibilizados pela própria rede social. Para isso, foi criado um script em linguagem R, rodado pelo RStudio, para que, de forma mais automatizada e confiável, eu tivesse acesso aos dados. Os tuítes recolhidos foram transportados para planilhas de excel para uma melhor análise. Essas planilhas podem ser encontradas nos seguintes endereços:
topíssimo: DOI 10.17605/OSF.IO/QBJ94 – https: //osf.io/qbj94/
topster: DOI 10.17605/OSF.IO/RFW5U – https: //osf.io/rfw5u/
Todos os dados recolhidos são da mesma semana, entre os dias 12 e 22 de julho de 2022. Eles compreendem tuítes abertos, não sendo disponibilizados os fechados pelos
usuários. Ao escolher trabalhar com o Twitter, estava ciente que teria algumas limitações, como não saber a idade, o gênero da pessoa e a possibilidade da pessoa, depois, apagar o tuíte ou fechar o perfil; porém, não são fatores que limitam tanto a resultado do trabalho, como será observado a frente. Ainda assim, o material é fonte de rica pesquisa.
Dessa forma, viso responder às seguintes perguntas:
-
Qual o comportamento morfossintático de topster e topíssimo?
-
O processo morfológico influencia no modo como a intensificação é feita?
-
Quais são os processos cognitivos envolvidos?
-
Na rede, podem ser considerados sinônimos próximos?
Análise
[Topster]
Como já apontado anteriormente, todas as construções criadas com [top] envolvem a metáfora conceptual de topo e, portanto, elas reforçam a intensificação, o que é possível ser visto nos seguintes exemplos:
(3) Acho que o momento TOPSTER de ontem foi ver fã puto da vida que o datena não ouviu o podcast da mulher da casa biruleibe
(4) @domiciano_w Obrigada amigo, que seu dia seja topster
(5) gente essas esfirras do almanara que vende no mercado, topster, comi 12.
Para a formação de [topster], é ativado o processo de mesclagem conceptual a partir do estabelecimento de duas ideias gerais: mundo hétero top e a positividade de top. Esse processo pode ser genericamente representado no diagrama a seguir:
A mesclagem conceptual representada genericamente na Figura 2 indica que Hollister, a marca de roupa que héteros estereotipados costumam usar, é reanalisado, sendo possível, por meio da analogia, criar um splinter. Ou seja, -ster carrega o sentido de todo INPUT 1 do
esquema acima, e, ao ser mesclado com o INPUT 2, é originada uma nova formação no espaço mescla. O diagrama apresentado na Figura 2 evidencia a composicionalidade e a analisabilidade da expressão e reflete o fato de não haver total convergência entre os dois INPUTs no espaço mescla.
Os exemplos do Twitter, mostrados a seguir, fundamentam a proposta esclarecida aqui e indicam que, depois desses passos cognitivos essenciais e primários, logo em seguida [topster] foi ressemantizado a ponto de, mediante repetição, ser reinterpretado e entendido apenas como algo bom e positivo.
(6) Fiz um hotdog topster meuzamigos
(7) Nmrl o fandom de boruto se supera kkkkkkkkk
As pérolas que os caras fazem é topster kkkkkkkkkkkkkk
(8) Meu quadríceps tá ficando topster
(9) @_perfakeperfect Hoje tá sendo aí aqueles dias topster que ficam te dando 300 trampos e cobrando pra ontem ?
(10) gente essas esfirras do almanara que vende no mercado, topster, comi 12.
(11) #Domingo tem @butikinrecanto e a volta do @sambadatamarineira a partir das 15:30 h
#Top #Topster #Lindão #Promoção
Assim, em alguns casos, como o de (6) e (9) encontramos [topster] no papel de adjunto adnominal; já em (7) e (8) a função sintática é de predicativo do sujeito, e em (10) e (11) os usos como marcador discurso e hashtag. Em todos esses 4 casos, a classe morfológica é adjetivo. Sumarizando todos os dados, é visto as seguintes tabelas: a primeira, com relação à classe morfológica; e a segunda, função sintática com as devidas porcentagens.
Gráfico 1: Classe gramatical de topster
Fonte: autoria própria
Como podemos observar no gráfico acima, nem todos os casos são de adjetivos. Ainda há casos em que [topster] pode ser usado como substantivo (12) também.
(12) @onaimref usa o topster q vc consegue mexer na ordem
Com relação à função sintática do termo, podemos visualizar no próximo gráfico desde a maior até a menor incidência de casos.
Na maior parte das vezes, [topster] é econtrado na função de predicativo do sujeito, adjunto adnominal, e em ocorrências como n.d. (nada), pois é usado como marcador discursivo (portanto, não tendo outra função sintática), e em outros poucos casos como objeto direto, sujeito, predicativo desgarrado, adjunto adverbial, objeto indireto e adjunto adnominal desgarrado. Chamo de predicativo desgarrado e adjunto adnominal desgarrado aqueles tuítes que são respostas a outros e que, por isso, ao comentar somente “topster”, o usuário diz que o que foi dito anteriormente é topster. Nesse caso, o adjetivo está desgarrado do restante da oração.
(13) Cara. Uma das coisas que mais to curtindo por enquanto em programar é: depois de arrumar a solução (o que não é muimuito fácil) arrumar o código usando as funções pra deixar ele menor. Acabei de fazer um que tinha 70 linhas ficar com 25. TOPSTER!
Digno de nota é que 6 ocorrências tinha como assunto principal alimentação, como podem ver a seguir:
(14) gente essas esfirras do almanara que vende no mercado, topster, comi 12.
(15) e é por isso e outros motivos que Gintama é topster
(16) Fiz um hotdog topster meuzamigos
(17) fiz panqueca ?? e fico topster
(18) Fiz um macarrãozinho topster nham ??
(19) pra não falar que eu fui completamente inútil ao meu país hoje eu limpei a casa e fiz uma jantinha topster pra esperar mamai chegar do trabalho filha do ano né
Como as construções estudadas aqui reforçam ou intensificam a intensificação, já esperava que houvesse uma possibilidade: identificadores pré e/ou pós-nucleares. No conjunto de dados disponibilizado, houve poucas (apenas 4) ocorrências com intensificadores, como:
(20) "Promoção exclusiva, incrível, super ultra topster, da semana verisbyzon delux exclusive! De 4,000 por surreais 3,989!
(21) @pblrdg Caraio burguês safado Topster demais
Das quatro, foram contabilizadas 3 como (20), em que se aceitava algum pré-nuclear. O dado (21) é o único que apresenta um intensificador após o item. Por isso, o mais prototípico é a posição pré-nuclear, podendo ser representada assim:
[X topster Y] ↔ [acima da SEM de topster, muito melhor que SEM de topster]adj.
↓
[muito topster] ↔ [muito melhor que topster]adj.
Desse modo, temos o slot X para designar qualquer intensificador, como “super”, “mega”, “muito”, “ultra”, “master”, “gold”, “incrível” que ocupam o espaço antes de [topster] e Y para o único intensificador pós-nuclear: “demais”.
[Topissimo]
Em [topíssimo], é possível vermos, em top, a presença notória da metáfora conceptual de topo, tendo com a base o chão e o céu como o espaço de não-limite para o objeto que se move nessa direção, caracterizando uma expressão positiva. O sufixo -íssimo está vinculado não só à intensificação como também ao ponto de vista do emissor. Essa estratégia para expressar intensidade é prototípica na língua e serve como indício para o receptor entender o propósito comunicativo do emissor. A conclusão a que se chega é que o sufixo -íssimo encarece a interpretação por expressar pragmaticamente a função atitudinal assim como intensifica o adjetivo intensificador top, como vemos a seguir:
(22) aprendi a fazer um café topíssimo tipo aqueles caros do starbucks
café 100% arábico bem forte (uso o Baggio) + leite de soja Ades + açúcar mascavo e uma canela em pau
Em 22, que ilustra um dos vários tuítes do tipo, o autor ou autora do tuíte fala sobre o café que aprendeu a fazer. Além disso, mostra que não é qualquer tipo de café, mas aqueles que parecem ser caros, estilo servido no Starbucks, e explica em seguida como foi feito. Ao se referir ao café feito, utiliza o adjetivo topíssimo. O emprego desse sufixo serve para dar ênfase à qualidade do café, mostrando que não é qualquer tipo de café, mas apresenta ser acima do esperado, ou seja, muito top, de qualidade superior, o que é feito por meio da intensificação semântica-pragmática contida no adjetivo. Esse enriquecimento se dá por meio de processos cognitivos, envolvendo projeção metafórica: se parte da experiência concreta ao conceito de intensidade, em que muita quantidade (muito top) se projeta para valor intensivo (topíssimo). Esse processo metafórico baseia-se no esquema cognitivo INTENSIDADE É QUANTIDADE (LAKOFF e JOHNSON, 1991).
Assim, na maior parte dos casos, [topíssimo] é usado como adjetivo intensificador, conforme gráfico abaixo, que mostra que, de 268 ocorrências, 238 são de adjetivos.
No que tange à função sintática, houve quase concorrência de casos: a diferença muito estreita entre a posição de adjunto e predicativo do sujeito.
Exemplos de tuítes podem ser vistos nos exemplos (23) e (24):
(23) Deus é topíssimo gnt, não dá ??????
(24) Utilidade pública: álbum topíssimo de @LauanaPrado
Em (23), há o uso prototípico do predicativo do sujeito, pois é dada uma característica a Deus. Assim, Deus é considerado não apenas top, mas acima de top, topíssimo. Esse mesmo
comportamento metafórico é visto em (24), mas, dessa vez, expressado sintaticamente em função de adjunto adnominal para se referir ao álbum de Lauana Prado.
Assim como em [topster], é provável encontrar algum advérbio intensificador; mas, diferente da outra unidade construcional ([topster]), não foram encontrados usos de intensificadores pré-nucleares a [topíssimo], apenas de intensificadores pós-nucleares a [topíssimo]. As 7 ocorrências com pós-nucleares foram com a palavra “demais”, como apresentado nos exemplos:
(25) Café da manhã e almoço topissimo demais hoje, muito feliz pela existência do RU, obg @UFPR
(26) @florinhacrf ah sim, aqui no br sim, eu lembro da gente bem suave e aglomerados no carnavrau no fim de fevereiro de 2020, que foi topíssimo demais por sinal, e só tinha 1 caso confirmado em SP ainda. lá fora pode ter sido, aqui isso começou em março, só se a pessoa fala de outros países
(27) @simonaitaly22 Topissímo demais o charme dessas Bolsominions
Assim, o prototípico é a posição pós-nuclear, podendo ser esquematizada assim:
[X topíssimo Y] ↔ [acima da SEM de topíssimo, muito melhor que SEM de topíssimo]adj.
↓
[topíssimo demais] ↔ [muito mais que topíssimo]adj.
Em razão dos comportamentos supracitados, as duas construções podem ser encontradas alinhadas por similaridade em uma mesma metaconstrução, pois exercem a mesma função ˗ intensificadora (para mais) ˗ e podem ser usadas como sinônimos próximos, tendo pouquíssima diferença entre si (basicamente o sufixo -X e a inclinação a vir ou não antecedido de intensificador pré-nuclear), como se pode ver no seguinte esquema:
Dessa maneira, no que diz respeito à relação de similaridade entre as construções, é possível notar a possibilidade de alternância, pois ambas servem, neste contexto, para intensificar o slot à esquerda. Portanto, há uma relação de similaridade por (quase) sinonímia entre os as duas unidades construcionais em foco. Isso confirma que, dentro do constructicon, as construções estão muito próximas umas das outras (já que a diferença é pequena), sendo fáceis de serem ativadas durante o uso. O possível uso de intensificadores pré e pós nucleares mostra que a intensificação pode ser reforçada.
As possibilidades de preenchimento estão representadas pelas aloconstruções (topster/topíssimo), ou seja, possibilidades com alta similaridade configuracional, visto que ambas elas servem como intensificadoras, fazem emergir o grau superlativo a um elemento intensificado. Por serem padrões construcionais variantes entre si, elas estão localizadas na metaconstrução, a qual é um espaço mental de generalização e neutralização de padrões construcionais semelhantes localizado no constructicon que têm links de semelhanças e também diferenças (formais, principalmente), sendo estas neutralizadas na generalização de uso intensificador.
No que se refere à produtividade, do total de dados, dentro da semana especificada, a produtividade de [topíssimo] foi muito maior (82,47%) em comparação à de [topster] (17,53%). Esse comportamento se dá porque [topíssimo] é um adjetivo que segue um padrão construcional de adjetivo com sufixo superlativo mais recorrente nos usos e, portanto, na experiência linguística de diversas comunidades sociolinguísticas. Entre as descrições estudadas sobre sufixos superlativos, essa unidade tem um padrão mais presente, inclusive nas gramáticais mais trdicionais. Ao contrário de [topster], que escapa às descrições mais tradicionais. Dentro da metaconstrução, o que difere as construções é estarem localizadas em um nível mais esquemático (que, para fins de melhor entendimento, foi colocado no nível construção subesquemática): o processo mental.
Considerações finais
Esse artigo enfocou os usos intensificadores de topster e topíssimo, a partir dos pressupostos da teoria da metáfora conceptual (LAKOFF e JOHNSON, 1991), ,esclagem conceptual (FAUCONNIER e TURNER, 2002), metaconstrução e aloconstrução (WIEDEMER e MACHADO VIEIRA, 2018), reunindo dados do Twitter com o auxílio do Rstudio e Excel. Os resultados indicaram que topíssimo compreende uma construção-irmã de topster, pois podem ser alocadas dentro da mesma metaconstrução, funcionando como quase sinônimos, mas diferenciando-se, de acordo com a tabela 3. Além disso, para trabalhos futuros, terei em vista responder alguns questionamentos que se tornaram evidentes durante a pesquisa para entender quais são outras variáveis que influenciam a escolha do falante entre as construções estudadas, como possivelmente o assunto falado, idade e localização do emissor.