Dinâmicas sociolinguísticas e variação morfossintática no contínuo linguístico espanhol-português do Brasil

  • Dynamique sociolinguistique et variation morphosyntaxique dans le continuum linguistique espagnol-portugais du Brésil
  • Sociolinguistic dynamics and morphosyntactic variation in the Spanish-Brazilian Portuguese linguistic continuum

A língua é dinâmica e a mudança é um aspecto inerente à mesma. Isso implica a existência de expressões diferentes de um mesmo lugar funcional no sistema linguístico. Neste trabalho abordamos as formas que, além dos pronomes átonos de terceira pessoa lo-los, la-las, le-les, são selecionadas por falantes de uma variedade não-dominante do espanhol para realização do objeto direto anafórico de terceira pessoa. Algumas dessas formas se afastam das descritas em outras variedades do espanhol, bem como da norma exemplar, mas se aproximam do português do Brasil. Nesse sentido, indagamos se a estratégia mais produtiva em nosso corpus, o objeto nulo, é a última etapa do processo de gramaticalização das formas pronominais átonas de terceira pessoa e que em Oberá-Misiones alcançou uma progressão significativa devido à complexidade linguística da região de contato.

La langue est dynamique et le changement en est un aspect inhérent. Cela implique l'existence de différentes expressions occupant la même place fonctionnelle dans le système linguistique. Dans cet article, nous abordons les formes qui, en plus des pronoms atones de la troisième personne lo-los, la-las, le-les, sont sélectionnées par les locuteurs d'une variété non dominante pour la réalisation de l'objet direct anaphorique de la troisième personne. Certaines de ces formes divergent de celles décrites dans d'autres variétés d'espagnol, ainsi que de la norme exemplaire, en s'approchant du portugais brésilien. Dans ce sens, nous cherchons à savoir si la stratégie la plus productive dans notre corpus, l'objet nul, constitue la dernière étape du processus de grammaticalisation des formes pronominales atones de la troisième personne et si, à Oberá-Misiones, cette dernière connaît une progression significative en raison de la complexité linguistique de la région de contact.

Language is dynamic and change is an inherent aspect of it. This implies the existence of different expressions occupying the same function in the linguistic system. In this paper, we will address the forms that, in addition to the third-person unstressed pronouns lo-los, la-las, le-les, are selected by speakers of a non-dominant variety of Spanish for the expression of the third-person anaphoric direct object. Some of these forms diverge from those described in other varieties of Spanish, as well as from the exemplary norm, but converge towards those found in Brazilian Portuguese. In this respect, we will ask whether the most productive strategy in our corpus, the null object, is the last stage in the process of grammaticalization of third-person unstressed pronoun forms, which has progressed significantly in Oberá-Misiones due to the linguistic complexity of the contact region.

Plan

Texte

Introdução

Misiones localiza-se ao nordeste da Argentina e esteve sob disputa entre o que atualmente se conhece como Argentina, Paraguai e Brasil antes de que se tornasse uma província em 1953. Qualquer estudo na região, seja linguístico ou não, deveria considerar os processos de povoamento e de colonização dada a sua relevância para a ordenação dos atores sociais implicados. No apartado a região de contato buscamos descrever o mosaico cultural e por vez linguístico de Oberá lançando mão de estudos históricos e antropológicos que descrevem esses processos.

Para descrever a língua, a condição sine qua non é a sua relação com a sociedade, com os indivíduos que a usam. São esses agentes os que, na interação, se apropriam do código linguístico a depender das suas necessidades comunicativas e dos significados sociais com os que desejam convergir ou divergir. Após a apresentação da região que desejamos descrever, damos a conhecer o marco teórico-metodológico e o corpus selecionado para o nosso estudo.

Os pronomes átonos de terceira pessoa lo-los, la-las, le-les – também denominados clíticos devido à necessidade de se apoiarem em um elemento tônico com o qual formam uma única unidade fonológica – têm sido fonte de interesse de muitos estudiosos da língua espanhola. A variação evidenciada no uso explica a extensa bibliografia de um e outro lado do Atlântico. Segundo a norma exemplar, os pronomes lo(s), la(s) devem ser usados para a função sintática de objeto direto (OD), enquanto le(s) é o candidato para o objeto indireto (OI). Destacamos, no entanto, que a literatura especializada aponta que o uso desses pronomes é variável. Neste trabalho não falaremos de leísmo, laísmo e loísmo, termos muito empregados nas gramáticas e, muitas vezes, nos estudos descritivos da língua espanhola. A nossa preocupação recai nas formas que competem com esses pronomes na função de objeto direto anafórico. No apartado O objeto de estudo apresentamos a nossa definição de objeto anafórico e no apartado as manifestações do objeto anafórico de terceira pessoa no espanhol em Oberá apresentamos os resultados gerais da nossa pesquisa e nossas hipóteses.

Consideramos que os falantes de espanhol em Oberá dispõem de um repertório linguístico que inclui formas descritas em variedades do português do Brasil, mas que não estão descritas na norma exemplar, bem como na norma padrão argentina. Fazemos uma primeira aproximação ao assunto no apartado o contínuo linguístico espanhol-português do Brasil. Finalmente, fechamos o artigo com algumas considerações finais.

A região de contato: panorama histórico-social

Misiones é uma das vinte e três províncias da Argentina. Mais de 80% de suas fronteiras são internacionais. A província faz fronteira com o Brasil ao norte e ao leste e com Paraguai ao oeste. O território esteve sob disputa até que em 1895 a arbitragem submetida ao presidente norte-americano Cleveland concedeu ao Brasil pouco mais da metade do território correspondente à antiga Misiones (Zouvi 2010)1. Observamos que são limitadas as informações a respeito dos povos que habitavam a região antes da chegada dos europeus. Há poucas informações acerca do período entre a expulsão dos jesuítas (1768) e a Guerra da Triple Aliança (1870). Cebolla e Gallero (2016) são duas das pesquisadoras que procuram preencher o vazio. As autoras indicam que há muitos obstáculos para conhecer os primeiros contatos entres os que chegavam e os que já estavam na região. Cebolla (2005, 2), aponta que a população indígena atual em Misiones é de aproximadamente 3.500 pessoas. Essa população reside em comunidades que até somente três décadas se encontravam em zonas de selva e podiam ser consideradas verdadeiros "enclaves étnicos". Segundo dados do governo argentino, a nação indígena que habita atualmente a região de Misiones é o Mbya Guarani, mas Cebolla comenta que no norte de Misiones há assentamentos da comunidade Chiripá.

Contrariamente, a chegada de outros povos à região é amplamente estudada e descrita. Assim, sabemos que a (re)definição do território de Misiones foi realizada por meio do i) povoamento espontâneo, ii) da colonização oficial e iii) da colonização privada (Gallero e Krautstofl, 2010). Segundo Gallero (2008), a chegada dos povoadores foi importante após a Guerra da Tríplice Aliança (1865-1870). A maioria veio do Paraguai e do Estado do Rio Grande do Sul (Brasil). Em 1896 ocorreu a colonização oficial, empreendida pelo governador Lanusse (1896-1905). Nos anos seguintes, começou a colonização sueca na área conhecida como Yerbal Viejo (Oberá desde 1927). Mais tarde, tchecos, russos, ucranianos, suíços, noruegueses, finlandeses, alemães, paraguaios e brasileiros se estabeleceram na região.

De acordo com Gallero e Krautstofl (2010), após o sucesso da colonização oficial no Território Nacional de Misiones e dada a conjuntura socioeconômica do primeiro período pós-guerra na Europa, teve início a colonização privada empreendida por empresários privados. Houve uma diminuição da população brasileira e paraguaia e o aumento da população europeia durante esse período. Assim, “em um curto período, um pequeno território foi ocupado por atores com grande variabilidade sociocultural"2 (tradução minha) (Fogeler 2007, 2). Concluímos então que o cenário da região está baseado na coexistência da diversidade de classes e etnias, que são diferentes entre si. “Essa constituição multiforme [...] é o que dará a Misiones um perfil particular de pluralismo sociocultural"3 (tradução minha) (Gallero e Krautstofl 2010, 256) e plurilíngue.

Marco teórico-metodológico e o corpus

O nosso estudo tem como fundamentação teórica e metodológica a sociolinguística quantitativa de base laboviana4. Entendemos que a característica essencial da língua é a variação, que segundo Eckert (2012, 94) pode expressar o conjunto de preocupações sociais de uma comunidade e "como essas preocupações mudam continuamente, as variáveis não podem ser marcadores consensuais de significados fixos”5 (tradução minha) (Eckert 2012, 94). A língua é uma forma de comportamento social, como escreveu Labov em 1972, “é usada por seres humanos, comunicando suas necessidades, ideias e emoções uns aos outros”6 (tradução minha) (Labov 1972, 183). Segundo o autor, “Se quisermos fazer bom uso das declarações dos falantes sobre a língua, temos que interpretá-la à luz de produções inconscientes, sem reflexão”7 (tradução minha) (Labov 1972, 199). Tendo isso em mente, em 2015 e 2019 fizemos o nosso trabalho de campo, que descrevermos nos próximos parágrafos.

A região geográfica que nos ocupa é de contato linguístico, sendo assim, além da sociolinguística de base laboviana, lançamos mão dos estudos mais recentes sobre contato linguísticos (Palacios 2015, 2017; Gómez Seibane 2012; Hernández e Palacios 2015) visto que fornecem elementos necessários para o estudo linguístico que desejamos realizar em Oberá.

A pergunta referente à metodologia que Labov nos deixa de herança é "o que se diz às pessoas?". Tanto em 2015 quanto em 2019, antes de começar uma entrevista, dizíamos aos informantes que desejávamos conversar sobre uma série de tópicos relativos ao bairro, ao sistema de transporte público, à educação, à família e a alguns aspectos da língua que na opinião de cada um fosse particular da região de Oberá, e que gostaríamos de gravar essas conversas. Deixávamos claro que preservaríamos as identidades e que as gravações só seriam usadas para fins científicos. Após a assinatura do documento que autorizava a gravação, passamos a entrevistar um informante por vez, exceto em uma única entrevista na qual entrevistamos duas professoras em simultâneo. De qualquer modo, buscamos controlar, na medida do possível, os turnos de fala.

Assim sendo, os dados que foram analisados para este estudo partem de vinte e cinco (25) entrevistas semidirigidas gravadas em Oberá em 2015 e em 2019. Cada uma dessas entrevistas tem entre trinta (30) e sessenta (60) minutos. As pessoas que decidiram participar são 12 homens e 13 mulheres que têm entre 19 e 70 anos de idade. Além da idade e o gênero, controlamos a escolaridade e o grau de bilinguismo espanhol/português ou espanhol/outras línguas dos falantes.

Buscamos uma descrição integral da estrutura linguística, em outros termos, não fragmentada ou carregadas de estereótipos sociais. Alguns trabalhos descritivos da região de Misiones (Amable 1983; Abadia de Quant 2000; Fernández-Ordóñez 1999) apontam que uma das estratégias mais empregadas para o OD anafórico é le, tanto para antecedentes femininos quanto masculinos, singulares ou plurais. Contudo, faz-se necessário um estudo empírico que comprove essa afirmação. Caso contrário, corremos o risco de reafirmar o estereótipo sobre a região, bem como alimentar muitos dos preconceitos que giram em torno das variedades do espanhol faladas em zonas rurais e/ou mais próximas da fronteira com o português. É do nosso interesse ir além do descrito e prescrito para essas regiões. Partimos da observação dos usos que se afastam da norma exemplar mediante a análise de uma amostra oral coletada in situ, uma vez que, assim como Labov (1972, 248), consideramos que "o vernáculo8, no qual se presta o mínimo de atenção à fala, nos dá o panorama mais sistemático da estrutura linguística”. Espera-se a manifestação de um leque mais amplo de formas para as funções sintáticas OD e OI anafóricos de terceira pessoa. Acreditamos que nessa região o repertório dos falantes inclui formas que podem indicar a continuidade linguística das duas línguas românicas faladas na localidade.

O objeto de estudo

Para explicar o que entendemos por objeto anafórico é necessário apresentar o que entendemos por objeto direto. Neste trabalho, consideramos que o OD é um argumento estruturalmente adjacente a uma forma verbal ativa que o governa sintática e semanticamente (Laca 2006, 423; Campos 1999, 1529). Formalmente pode ser i) um sintagma nominal "veo a Juan", ou um clítico "Lo veo"9); ou ii) uma oração subordinada substantivada "creo que Argentina necesita grandemente de su juventud". Em espanhol, desde suas origens, o OD é associado com o caso acusativo dada a possibilidade de substituí-lo ou duplicá-lo por um clítico da série acusativa (lo-los/la-las). Do ponto de vista semântico, tradicionalmente o OD é vinculado ao papel de paciente.

Consideramos que o objeto direto será anafórico quando estabelecer uma relação com um elemento mencionado previamente no discurso. O nosso interesse é investigar e descrever as formas que possuem a capacidade anafórica. A palavra dêixis é derivada do grego deiktikos, que significa "aquilo que sinaliza ou indica". Os pronomes átonos são deíticos de pessoa, ou seja, indicam a pessoa ou o objeto de que se fala (Hualde et al. 2010, 372). Como indicam Penny (1993, 144) e Iordan e Manoliu (1989, 300), os pronomes demonstrativos latinos costumam ser divididos em dois grandes grupos: i) a série anafórica is, ea, id e ii) a série demonstrativa que pode expressar a distância espacial hic, haec, hoc (proximidade com relação à primeira pessoa), iste, ista, istud (proximidade com relação ao interlocutor) e ille, illa, illud (não proximidade com referência ao ato do discurso, ou, de outra maneira, proximidade à terceira pessoa). Já em latim tardio as esferas semânticas dos demonstrativos se entrecruzaram. Penny (1993, 144) descreve a situação com muita clareza. O autor explica que o latim dispunha de pronomes especificamente pessoais somente para a primeira e segunda pessoas; para a terceira pessoa devia se servir de qualquer um dos demonstrativos, já mencionados aqui. ille foi o que finalmente triunfou e se converteu na origem dos pronomes pessoais de terceira pessoa. Além de terceira pessoa, essa classe de pronomes "recebeu alguns traços novos, entre as quais figurou a possibilidade de ter um antecedente com o qual concordar em gênero e número"10 (tradução minha) (Iordan e Manoliu, 1989, 282). Por tanto, no latim vulgar, ille substituiu is e hic e passou a funcionar como pronome anafórico, quer dizer, aponta em direção a uma menção anterior. Essa propriedade prevalece nos pronomes átonos de terceira pessoa no espanhol moderno e é o foco do nosso estudo11.

As manifestações do objeto direto anafórico de terceira pessoa no espanhol em Oberá

Com a intenção de estudar com maior profundidade a variedade de Oberá, em 2019 fizemos mais entrevistas. A nova amostra de fala é mais equilibrada no que diz respeito ao número de informantes e à sua distribuição nas células sociolinguísticas. Como mencionamos anteriormente, há treze (13) mulheres e doze (12) homens que têm entre 19 e 70 anos de idade. Os resultados indicam que o objeto nulo continua sendo a forma mais produtiva, como se observa na tabela 1:

Variante - OD

Frequência absoluta

objeto nulo

322/1101 - 29,2%

le-les

286/1101 - 26%

SN

247/1101 - 22,4%

lo-los

159/1101 - 14,4%

la-las

47/1101 - 4,3%

pron. dem.

37/1101 - 3,4%

SP

3/1101 - 0,3%

Tabela 1. Frequências absolutas OD

Nota-se que a forma mais produtiva é o objeto nulo, ou zero morfológico (1) como também é chamado. Das 1101 ocorrências de objeto direto, 322 são por meio dessa estratégia (29,2%). O pronome le-les (2) é a segunda (286/1101 - 26%) e podemos dizer que compete com a primeira dada a alta produtividade em nossa amostra. Destacamos também o elevado número de ocorrências do sintagma nominal (247/1101 - 22,4%) (3). Notamos que os pronomes recomendados pela norma exemplar ocupam somente o quarto e quinto lugares. Há 159/1101 ocorrências de lo(s) (4) (14,4%) e 47/1101 de la(s) (5) (4,3%). Contabilizamos ainda 37/1101 ocorrências do pronome demonstrativo (3,4%) (6) e 3/1101 de um sintagma preposicional (SP) (0,3%) (7).

(1) I10: Y ahí quedé con eso y ahora miro a [los pajaritos]i12 y digo dejale así que vuelen tranquilos no quiero que Øi13 maten (M, GI, EII)14

(2) I21: [...] hubo un caso muy feo hace muy poco que: que se murió [un muchacho]i por un botellazo que todos lei conocíamos (H, GII, EIII)

(3) I13: Y bueno estaba con un par de compañeros y ellos salieron a correr detrás del chico que le sacó [el celular]i y bueno le alcanzaron le/ pudieron recuperar el celulari (M, GI, EIII)

Os falantes em Oberá raramente produzem estruturas como “pudieron recuperárselo”, na qual o OD e o OI aparecem pronominalizados, seja em posição pré-verbal ou pós-verbal.

(4) l11: Sí lo conozco sí sí es de acá del barrio y sé que [este chico]i e: tiene algún problema trastorno mental eso es lo que le e: nos comentó una vez la mamá y ella loi buscó mucho mucho tiempo/hace mucho tiempo que lo está buscando [...] (M, GII, EIII)

(5) E: Bien e:: ¿y esta profesión? ¿qué opinás de [esta profesión]i?

I21: Es una profesión sufrida e: hoy por hoy mucha gente lai usa como excusa o para sentirse víctima [...] (H, GII, EIII)

(6) I7: es como [una panceta]i queda ¿viste? vos le cortás así y tiene dos camaditas de tocino la carne acá el tocino acá y el tocino acá y el otro acá vos le cortás y queda=

E: la carne entre

I7: entre el tocino y carne pero es riquísimo esto cualquiera va a comer la T comió esei también (H, GIII, EI)

(7) I7: a: este se perdió [este muchacho]i yo nunca más le he visto a este y este se perdió de acá y se fue y nunca más yo le vi

E: ¿Pero será que se murió?

I7: pero no sé la verdad que yo no sé este no sé porque para dónde habrá ido porque nadie no vio éli más se perdió y se perdió (H, GIII, EI)

Passemos a analisar as três estratégias mais produtivas na amostra15: le(s) ~ objeto nulo ~ sintagma nominal. Alguns trabalhos (Palacios 2015; Gómez Seibane 2012; Hernández e Palacios 2015) indicam que o objeto nulo é a última etapa do processo de gramaticalização das formas pronominais átonas de terceira pessoa. Considerando esses trabalhos, defendemos a hipótese que diz que em Oberá também há uma recategorização desse sistema e que o processo ocorre em dois momentos. Na primeira etapa, o pronome perde a marca de gênero e número. Essas marcas de gênero e número podem aparecer em outros elementos que coocorrem com o pronome, que podem ser um SN ou um SP. O pronome se despronominaliza, ou seja, passa a ser somente uma marca flexiva do objeto no verbo. Essa marca aparece somente com determinados verbos ou em determinados contextos. A pergunta que não conseguimos responder ainda é: quais são esses contextos? Num segundo momento, a marca flexiva cai e a capacidade anafórica é resolvida por meio de outras estratégias. Isso poderia explicar a alta produtividade do objeto nulo e do sintagma nominal na nossa amostra.

A perda de concordância

Segundo Penny (1993, 136) e Lapesa (2000: 280) le é a primeira forma que atesta uma mudança de função, uma vez que já nas origens do espanhol (El cantar del Mio Cid) é empregado para o OD). Lapesa (2000: 279) indica que a distinção entre o dativo ĭllī, ĭllīs (le-les) e o acusativo ĭllūm, ĭllōs, ĭllam, ĭllās (lo-los, la-las) foi conservada na maior parte do mundo hispânico. Não obstante, essa distinção parece ter sido eliminada, pelo menos parcialmente em Oberá. O caso (acusativo/dativo) não é um fator distintivo, tampouco o gênero como em outras variedades do espanhol. A seleção das variantes está determinada por outros fatores semânticos. Neste trabalho, não podemos afirmar quais são, mas podemos apontar a animacidade do antecedente, a escolaridade e gênero do informante, bem como a zona (rural/urbanizada/±fronteiriça) como fatores que poderiam influenciar a variação. Vejamos o que ocorre com a concordância de número.

(8) I15: […] porque termina la zafra [los tareferos]i tiene que salir a la ruta a llorar y a pelar para que lei den un beneficio de la interzafra y el gremio no lesi da pero el gremio lesi obliga a trabajar para ellos (Homem, faixa 2, nível superior)

Em (8) vemos que o pronome le, sem a marca do plural, ocorre uma vez e les, duas vezes. As três ocorrências têm o mesmo antecedente, que é um SN com os traços [+definido], [+humano], [+plural]. Em de Xxxx (2017), fizemos o cruzamento entre a realização do pronome le-les e o número do antecedente. Ilustramos os resultados na tabela a seguir:

 

Número do antecedente

 

singular

plural

le

147/185 - 79%

38/185 - 21%

les

-

5/5 - 100%

Tabela 2: Número do clítico em função do número do antecedente.

Contabilizamos 147/185 dados, o que equivale a 21% de le com antecedentes no singular e 38/185 (21%) de le com antecedentes plurais. Por sua vez, les só refere a antecedentes plurais (5/5 - 100%). Uma análise mais detalhada dos dados nos permitiu associar a presença da marca de concordância com a escolaridade do falante, que usam o sistema etimológico com as devidas marcas de gênero e número. Vejamos o que ocorre com a concordância de gênero.

(9) 17: Y tengo algunas amigas pero [las amigas]i las chicas por más/los viejos lei tienen más cortas ponele no lei dejan salir (H, GII, EIII)

Em (9), vemos que le refere a um antecedente com os traços [feminino], [humano] e [plural], que está no campo perceptivo dos falantes. Além da proximidade entre le e o antecedente, o tempo presente permite ancorar este último no momento da enunciação.

(10) E: La policía arrestó [a L]i por acá alrededor ... eso me contaron

I4: Yo la verdad es que no sé yo lei vi en (M, GII, EIII)

Em (10) le refere a um antecedente com os traços [masculino], [humano] e [singular] que está no turno de fala anterior.

(11) I5: […] por ejemplo un [una víbora]i la gente lei mata a golpe terrible porque para qué vino acá ese animal (M, GIII, EI)

Em (11), le assinala um antecedente com os traços [feminino], [animado] e [singular]. Não se observa o que a literatura chama de duplicação de clíticos, mas há outro elemento, o SN ese animal, que refere também ao mesmo antecedente.

(12) I7: es como una [panceta]i queda viste vos lei cortás así y tiene dos camaditas de tocino la carne acá el tocino acá y el tocino acá y el otro acá vos lei cortás y queda= (H, GIII, EI)

Em (12), le refere a um antecedente com os traços [feminino], [inanimado] e [singular], que é o OD mais prototípico, por ser inanimado.

Por meio dos exemplos (9-12) podemos ver que le refere tanto a antecedentes femininos quanto masculinos, humanos, animados e inanimados.

Na tabela 3, apresentamos os valores absolutos de le-les em função do gênero do antecedente.

 

Gênero do antecedente

 

feminino

masculino

le-les

211/286 - 73,77%

75/286 - 26,22%

Tabela 3: gênero do antecedente

Percebemos que o pronome átono de 3a pessoa perde a marca de gênero e número, mas mantém a sua capacidade anafórica. Certamente, o número de ocorrência de le com antecedentes plurais é menor do que le com antecedentes no singular, como é possível observar na tabela 2. No entanto, os dados demonstram que le-les podem ter antecedentes tanto masculinos quanto femininos. Não podemos deixar de enfatizar que a frequência de uso de le com antecedentes femininos é bem mais elevada do que com antecedentes masculinos. Esse resultado se afasta do denominado sistema de compromisso16 que caracteriza a linguagem culta peninsular e coincide com o que é prescrito pela Real Academia (NGLE 2010). Futuramente, faremos outros cruzamentos a fim de refinar a análise. A pergunta que segue sem resposta é: o que ocorre com a marca de concordância? Nesse momento temos de olhar o que a literatura denomina duplicação do objeto direto. Vejamos alguns resultados na tabela 4.

duplicação do OD

le-les

lo-los

la-las

clítico + pron. tônico

18/286 - 6,29%

4/159 - 2,51%

1/47 - 2,12%

clítico + SN

39/286 - 13,63%

11/159 - 6,91%

3/47 - 6,38%

clítico + oração

2/286 - 0,69%

0/159 - 0%

0/47 - 0%

total

59/286 - 20,62%

15/159 - 9,43%

4/47 - 8,51%

Tabela 4: duplicação do objeto direto17

A duplicação do objeto direto é baixa em nossa amostra, somente 78 de 492 clíticos aparecem com algum tipo de duplicação. O que destacamos, no entanto, é que a frequência de le-les duplicado e mais elevada do que lo-los/la-las duplicados. Isso poderia indicar que os falantes que usam le-les para o OD tendem a marcar o gênero e o número no elemento que coocorre com o clítico. Se os clíticos permitem identificar essa informação, a tendência é a não duplicação no espanhol falado em Oberá.

(13) I7: […] cuando yo me acompañé con [tu mamá]i la noche que yo me acompañé con ella dice que era una hembra era una pandera porque que no lei quería a ellai18 (H,GIII, EI)

Em (13), observamos a ocorrência de le e do pronome tônico a ella. Segundo a norma exemplar, a ocorrência de um pronome átono com ODs pronominais é obrigatória, mas o que se espera é que esse pronome apresente as marcas de concordância de gênero e número, o que não ocorre em (13).

(14) I25: Sí [mi mamá]i sí ese tuvo internada por la vesícula [...]

I25: o sea no tengo queja de eso porque lei trataron re bien a mi mamái (M, GII, EI)

Em (14), le duplica um SN –mi mamá. Os antecedentes [+definidos] também são duplicados em outras variedades do espanhol. No entanto, destacamos que em Oberá o elemento que coocorre aparece sem as marcas de concordância de gênero e número. Sendo assim, acreditamos que le é uma marca flexiva que antecipa o objeto no verbo e que serve também como uma estratégia focalizadora ou enfática do tópico.

Como aponta Gómez Seibane (2012, 52), não há consenso entre os estudiosos no que diz respeito à duplicação do objeto. A discussão gira em torno ao elemento duplicado e ao elemento duplicador. Alguns dizem que é o SN o duplicador e o clítico o duplicado, outros apontam o contrário. Neste trabalho, defendemos que o verdadeiro objeto direto é o SN que é "duplicado" pelo clítico. Acreditamos que, na verdade, não há um OD duplicado, mas sim uma marca flexiva do objeto no verbo. A nossa hipótese se fundamenta na alta produtividade do SN (sem coocorrência) como estratégia anafórica, é a terceira forma mais empregada. Outro argumento que defende a nossa hipótese é a ocorrência do pronome tônico sem a presença do átono, como ilustramos no exemplo (7) anteriormente. Discutiremos essa estratégia futuramente.

O sintagma nominal

Como ilustramos na tabela 1, o SN é a terceira estratégia mais empregada pelos falantes em nossa amostra. Contabilizamos 247/1101 dados, o que equivale a 22,4%. Os estudos que descrevem o sistema pronominal átono de 3a pessoa no espanhol não incluem o SN como uma variante. No entanto, aparece nos trabalhos que tratam sobre o objeto direto anafórico no português brasileiro (doravante PB) (Duarte 1986; Abreu Gomes 2007; Yakota 2014; de Ávila Othero et al. 2018). Duarte (1986) inclui o SN como uma das seis formas variantes para OD anafórico e conclui que é empregado, sobretudo, pelos informantes mais escolarizados. Vejamos o que indicam os valores absolutos em nossa pesquisa:

Escolaridade

SN

ensino fundamental

92/247 - 37,24 %

ensino médio

62/247 - 25,1%

ensino superior

93/247 - 37,65%

Tabela 5: SN em função da escolaridade do falante

O SN tende a ser moderadamente mais produtivo entre os falantes com ensino fundamental (15) e entre os que possuem ensino superior (16), mas o percentual não diminui muito entre os falantes com ensino médio (17).

(15) I5: y: no le hicieron nada los ladrones le sacaron la plata de [la cartera]i tiraron la carterai y siguieron como que no pasó nada (M, GIII, EI)

(16) I16: fue uno de los días más importantes e: esa gran fiesta mi vestido la gente que había invit/ [los regalos]i porque me acuerdo que me moría de sueño pero quería ver los regalosi (M, GII, EIII)

(17) I24: Aumentó porque el tema de drogas la droga y la libertad porque si ahora vos querés este que [tu hijo]i aprenda a trabajar estás maltratando a tu hijoi (M, GIII, EII)

Certamente, resta bastante por pesquisar no que se refere a essa estratégia. Assim, buscaremos defender a hipótese segundo a qual os falantes em Oberá, que dispõem do SN nos seus repertórios linguísticos, usam essa forma para i) evitar a forma le-les, considerada uma forma sem prestígio social e que tende a funcionar como uma flexão do objeto no verbo e ii) para evitar o uso de lo-los/la-las, vista como muito elitizada ou rebuscada. Não podemos esquecer que a série acusativa é a mais usada na variedade estandardizada da Argentina, ou seja, a de Buenos Aires.

Tendência ao objeto nulo

Vários linguistas (García Tesoro e Fernández-Mallat 2015; Gómez Seibane 2012a, 2012b, Palacios 2015) indicam que o objeto nulo é a última etapa do processo de gramaticalização das formas pronominais átonas de terceira pessoa. Palacios (2015), especialista em contato linguístico, afirma que:

La omisión de objeto es el último paso en estos procesos de gramaticalización de las formas pronominales hacia concordancias de objeto, por lo que se podría pensar que las formas pronominales simplificadas, algo más complejas en términos morfológicos que el cero fonético, tendrán la función de anticipar en el verbo el objeto19 (Palacios 2015, 114).

Recentemente, e desde perspectivas muito diferentes, especialistas tanto do espanhol quanto do português, especialmente do PB, têm analisado o processo de gramaticalização dos clíticos, que passam a funcionar como uma marca flexiva do objeto no verbo. O que se deve destacar é a congruência no que diz respeito à etapa final do processo. Isto é, o objeto nulo. Aproximemos um pouco mais a lupa. Embora o espanhol seja uma língua de objetos plenos, permite objetos nulos sob certas condições. A norma exemplar menciona que a presença ou ausência de um clítico pode ser explicada considerando a escala de definitude. Assim, se o antecedente é um pronome tônico, um nome próprio ou um SN [±definido] e [específico], a presença do pronome é obrigatória. Por sua vez, se o antecedente for indefinido inespecífico, há várias possibilidades, como aponta Gómez Seibane (2012a, b). A mesma autora afirma que “fatores externos, como o contacto prolongado com outras línguas, poderiam ter atuado [...] como gatilho e catalisador diretos e indiretos de modificações de determinados traços”20 (tradução minha) (Gómez Seibane 2012b, 194). Vejamos as frequências absolutas para Oberá.

Estratégia/animacidade

humano

animado

inanimado

objeto nulo

73/454 - 16,1%

28/138 - 20,3%

184/428 - 43%

Tabela 6: objeto nulo em função da animacidade do antecedente

Em nosso estudo, percebemos que o objeto nulo é mais frequente com antecedentes inanimados, mas avança consideravelmente até atingir os humanos.

(18) E: ¿Y la y la frecuencia de los de [los colectivos]i?

I2: Y la verdad que casi no Øi utilizo pero creo que cada cada hora cada dos horas hay colectivos [...] (M, GIII, EIII)

Em (18) vemos que o verbo utilizo, que segundo a norma exemplar espanhola é um verbo que requer um objeto direto S-V-OD, carece de um morfema que desempenhe essa função. O sujeito vem marcado no verbo, mas o elemento que indica o antecedente se encontra elidido. No entanto, é possível resgatar o antecedente por meio do contexto comunicativo imediato, é a primeira menção, e pela repetição do mesmo SN na proposição seguinte. Vejamos o que ocorre com a especificidade.

Estratégia/especificidade

[+específico]

[-específico]

objeto nulo

138/524- 26,33%

147/496 - 29,63%

Tabela 7: objeto nulo em função da especificidade do antecedente

Percebemos que a frequência de uso do objeto nulo é relativamente alta tanto com [+específico] (19) quanto com [-específico] (20).

(19) I27: Nosotros tenemos [un nieto] ... Øi criamo(s) desde chiquito .... Øi criamo(s) en los brazos porque su mamá mi hija ella ganó el bebé y:: y ahí entregó para nosotros el bebé (H, GIII, EI)

(20) I10: Y ahí quedé con eso y ahora miro a [los pajaritos]i y digo dejale así que vuelen tranquilos no quiero que Øi maten [...] (M, GI, EII)

Em (20) a informante relata uma experiência de vida. Conta sobre a morte do seu animal de estimação. Percebemos que o verbo maten aparece sem o OD, mas a comunicação não se vê afetada; a distância com relação à primeira menção, bem como a marca de plural no verbo e no adjetivo, permite identificar o elemento mencionado e manter o fluxo da comunicação. Vejamos o que ocorre com a definitude.

Estratégia/definitude

[+definido]

[-definido]

objeto nulo

236/874 - 27%

49/146 - 33,6%

Tabela 8: objeto nulo em função da definitude do antecedente

O objeto nulo é mais usado com [-definido] do que com [+definido], mas a distribuição é bastante equilibrada.

(21) I27: Mira la policía lleva lleva ladrones lleva patotero e:: [una persona]i si procedió mal ¿no cierto? también Øi ellos llevan sí Øi llevan (H, GIII, EI)

Com base nos resultados podemos afirmar que em Oberá, o objeto nulo venceu todas as restrições que o governam na norma exemplar do espanhol. Constatamos também que essa estratégia refere tanto antecedentes no singular (19, 21) quanto no plural (20), femininos (21) ou masculinos (19, 20). Outra constatação é que o antecedente pode ser tanto um SN (19, 20, 21) quanto uma frase (22), porém é mais produtiva com SN, como ilustramos na tabela 9:

Estratégia/ tipo de antecedente

SN

frase

objeto nulo

143/159 - 89,39%

16/159 - 10,06%

Tabela 9: objeto nulo em função do tipo de antecedente

(22) I8: [...] le preguntaron ((ruido)) quién era Antonia? le preguntó y era la tía la tía de tal escritor y dijo [¿qué era la vida de Antonia? ¿qué hacía Antonia?]i o sea ... ella no Øi sabía porque no decía en el libro ... ella tenía que buscar en algún lugar qué hacía la tía de tal escritor (M, GII, EII)

Cyrino e Reich (2002, 9) apontam que objetos nulos altamente universais ocorrem em empregos nos quais contextos de conhecimento cultural identificam o referente da estrutura semântica que assim fica prescindível no enunciado linguístico “Messi chutou Ø para fora”. Contudo, segundo os autores, a particularidade do PB começa em construções do tipo "Cê tem que lavar Ø antes de pôr Ø! (falando para alguém querendo pôr o arroz na panela)"21 "que em línguas como o alemão, o inglês e todas as outras línguas românicas levam ao emprego de um pronome objetivo" (Cyrino e Reich 2002, 10). Defendemos que em Oberá, os objetos nulos possuem as mesmas particularidades descritas para o PB. Por exemplo, a possibilidade de que o antecedente se encontre na sentença anterior, no discurso ou no contexto pragmático, bem como que seja um SN ou uma frase. No entanto, notamos uma divergência. Nossos dados divergem parcialmente do apontado por Cyrino e Reich (2002, 22) –os autores descrevem um aumento dessa estratégia com SN [-específicos, -animado] no século XX no PB–. Em nossa amostra, o número de ocorrências do objeto nulo com antecedentes [-específicos, -animados] não é maior do que os [+específicos, - animados], como ilustramos na tabela 10.

 

[-específico]

[+específico]

 

inanimado

animado

humano

inanimado

animado

humano

objeto nulo

71/139 -39%

17/18 -

22%

32/51 -

18%

68/139 - 53%

1/18 -

9%

19/51 -

51%

Tabela 10: objeto nulo em função da animacidade e da especificidade do antecedente22

Uma discussão importante diz respeito à existência do objeto nulo com antecedentes indefinidos quando esse está num turno de fala diferente. Campos (1986) foi o primeiro a observar esses padrões e os exemplos mencionados são os seguintes: i) "a) ¿Compraste el libroi? b) Sí, *(loi)23 compré", o clítico seria obrigatório neste contexto, uma vez que o antecedente é um SN [±definido], [específico]; ii) “a) ¿Compraste café? b) Sí, compre Ø”, a presença do clítico em (ii) seria agramatical, uma vez que o antecedente é interpretado como indefinido e iii) “a) ¿Compraste algunos regalos?, b) Sí, compré *(algunos)”. Em (iii), notamos a presença de um quantificador, que não poder ser omitido na resposta de (b). Para poder entender esses exemplos, no entanto, devemos considerar a forma de expressão da polaridade positiva em espanhol. Rodríguez Molina (2014, 863) comenta que a polaridade positiva carece de marcas morfológicas explícitas no espanhol “Ø ha venido Juan”, mas a polaridade negativa deve ser marcada por meio do advérbio no “no ha venido Juan” ou por meio de algum termo de polaridade negativa. O mesmo autor acrescenta:

En latín las respuestas afirmativas a una interrogación total se marcaban mediante la repetición del constituyente que representaba el foco de la pregunta, que por defecto era generalmente el verbo si ningún constituyente se hallaba focalizado, estructura que denominaré V-eco (Martins 2005, 178-79, Brown, Joseph y Wallace 2009, 515-17 apud Rodríguez Molina 2014, 867)24.

Prestemos atenção à estrutura V-eco que menciona Rodríguez Molina (2014). Segundo o autor, entre as línguas modernas, somente o galego e o português25 continuaram o modelo latino de resposta eco na réplica a uma oração interrogativa total, que consiste em repetir o verbo, como podemos ler em "-Tu compraste o carro ao João? -Comprei". O autor acrescenta que em português, o advérbio de polaridade positiva sim pode ser a resposta a uma interrogativa total e pode aparecer só ou em combinação com o verbo, como em nosso exemplo (23) tirado da nossa amostra oral coletada em Oberá.

(23) E: um: no hay no hay ¿Vos creés que que haya más opciones de ocio ayuda o no ayuda [a los jóvenes]i?

I8: Øi Ayuda (M, GII, EII)

Rodríguez Molina (2014, 863) afirma que, como advérbio de polaridade, presenta dois usos principais: i) proforma oracional (SíPro); ii) modificador do SV ou advérbio de foco (SíFoc). No espanhol atual, um mesmo enunciado pode apresentar ambos os usos dessa partícula "a) Álvaro es muy inteligente, b1) Sí, Ø, b2) lo es".

(24) E: Claro ... bueno ya hablamos de la educación ¿conocés [a ese chico]i?

I23: ... Øi conocí de chiquito (M, GII, EI)

No primeiro uso (b1), reproduz o enunciado anterior, dotando-o de polaridade positiva; fica fora da estrutura oracional e pode aparecer como enunciado independente e autónomo (Rodríguez Molina (2014, 863). No exemplo (24), marcamos esse em itálico. No segundo caso, ainda conforme Rodríguez Molina (2014, 864), modifica um SV e se localiza dentro da oração. Neste caso, apresenta um valor focal, geralmente contrastivo, mas também pode apresentar uma interpretação de foco afirmativo, como no exemplo (25).

(25) E: A. contame ¿conocés [a este chico]i?

I10: Øi conozco sí (M, GI, EII)

No espanhol atual, SiFoc aparece à esquerda do verbo, obrigatoriamente, nunca a direita –em (25) está à direita– e em estrita adjacência a esse. Somente um clítico poderia aparecer entree o verbo "sí lo conozco". Rodríguez Molina (2014, 872) afirma que a diferença entre o português e o espanhol é a possibilidade do sim aparecer em posição pós-verbal naquela língua. Os nossos dados demostram que no espanhol falado em Oberá, o também aparece em posição pós-verbal, como no português.

O contínuo linguístico espanhol-português do Brasil

Como descrevemos em (I), o contexto sociocultural e linguístico de Oberá é complexo, em virtude do processo de povoamento e colonização da região. O panorama é multiforme e o contato linguístico é intenso e histórico. Buscamos demostrar por meio de dados empíricos que a fronteira linguística não segue a fronteira imposta por agentes externos. A variedade que se fala na região de Oberá é o resultado do contato dos que chegaram com os que já habitavam a região.

Neste estudo, não apresentamos dados referentes ao contato linguístico do espanhol com as línguas indígenas, bem como com as línguas europeias. Por falta de espaço, a nossa análise se limitou a retratar o contínuo linguístico entre o espanhol falado em Oberá e o PB, com base em dados descritos em trabalhos realizados nos últimos tempos. Buscamos demostrar que fatores externos, como o contato linguístico prolongado, podem atuar como gatilhos e catalisadores diretos e indiretos de modificações de determinadas partes da gramática, e podem conduzir à reorganização de um sistema linguístico. O objeto nulo e o sintagma nominal como estratégias para referir a um elemento previamente mencionado no discurso demostram que o espanhol falado em Oberá possui características que divergem da norma exemplar dessa língua, mas que convergem com o PB. Sabemos que o objeto nulo está presente em outras variedades do espanhol, como no País Vasco e em variedades faladas em regiões de contato com línguas ameríndias por exemplo. Com tudo, destacamos que a variedade estândar da Argentina, falada em Buenos Aires, que é núcleo irradiador de cultura e de normas linguísticas no país, apresenta características distintas. Nesse sentido, defendemos a hipótese de que em Oberá, apesar de todos os esforços promovidos por agentes políticos em momentos distintos da história, o espanhol oral é moldado com recursos linguísticos que são altamente produtivos e que resultam congruentes com as línguas implicadas.

Em Oberá não só existe um uso de le que se afasta da variedade de compromisso, senão também estruturas que são descritas somente para o português e para o galego português, como é o caso da estrutura V-eco e o SíFoc pós-verbal, esta última descrita para o português. Notamos que o objeto nulo venceu todas as restrições que o governam na norma exemplar.

Considerações finais

Para a tese de doutorado, continuaremos investigando se houve, ou está havendo, uma recategorização do sistema átono de terceira pessoa no espanhol de Oberá, como já foi apontado para outras variedades (Fernández-Ordóñez 1999; Hernández y Palacios, 2015, Palacios 2015, entre outros). Ao que tudo indica, tanto no espanhol de Oberá quanto no português do Brasil, o objeto nulo e o SN são estratégias altamente produtivas para referir a um elemento previamente mencionado no discurso. A permeabilidade gramatical entre as duas línguas poderia ter eliminado certas restrições semânticas para a presença de objetos nulos no espanhol falado em Oberá. Assim, poderíamos afirmar que a fronteira linguística não obedece à fronteira territorial, o que nos permite considerar a existência de um contínuo linguístico na região.

Bibliographie

ABADÍA DE QUANT, Inés. "El español del nordeste". In Fontanella de Weinberg, Fontanella María (coord.). El español de la Argentina y sus variedades regionales. Buenos Aires, Argentina: Edicial, 2000.

ABREU GOMES, Christina. "Uso variável do dativo em textos jornalísticos". LinguíStica, 2007, n° 1, p. 1-19.

AMABLE, Hugo. Las figuras del habla misionera. Posadas: Ediciones Montoya, 21983.

AISSEN, Judith. "Differential object marking: iconicity vs. economy". Natural Language & Linguistic Theory, 2003, n° 21, p. 435-483.

BROWN, Paul H.; D. JOSEPH, Brian e Rex E. WALLACE. “Questions and answers”. In BALDI, Philip e Pierluigi CUZZOLIN (eds). New Perspectives on Historical Latin Syntax 1. Syntax of the Sentence. Berlín: Mouton de Gruyter, 2009, p. 489-530.

CAMPOS, Héctor. "Indefinite Object Drop". Linguistic Inquiry, 1986, n° 17, p. 354-359.

CAMPOS, Héctor. "Transitividad e intransitividad". In BOSQUE, Ignacio e Violeta DEMONTE (dirs.). Gramática Descriptiva de la Lengua Española. Madrid: Espasa-Calpe, 1999, p. 1519-1574.

CEBOLLA BAIDE, Marilyn. "Docentes y niños: Jurua Kuery e indios. Breve reseña sobre la situaición de las escuelas aborígenes bilingües-biculturales en la provincia de Misiones, Argentina. AIBR. Revista de Antropología Iberoamericana, 2005, nº 41, p. 1-14.

CEBOLLA BAIDE, Marilyn e María Cecilia GALLERO. ""Eran solo indios..." La construcción de la alteridad Mbya en el Alto Paraná de Misiones, Argentina (1920-1960)". Cadernos do LEPAARQ, 2016, n° 26, p. 87-105.

COMPANY COMPANY, Concepción. "El objeto indirecto". In COMPANY COMPANY, Concepción (dir.). Sintaxis histórica de la lengua española. Primera Parte. La frase verbal. México: FCE, UNAM, 2006, p. 479-572.

CYRINO, Sonia e Uli REICH. "Uma visão integrada ao objeto nulo no Português Brasileiro". Romanistisches Jahrbuch, 2001, n°1, p. 360-386.

DUARTE L., Maria Eugenia. Variação e sintaxe: clítico acusativo, pronome lexical e categoria vazia no português do Brasil. Dissertação: Linguística. São Paulo: PUC- SP, 1986.

DE ÁVILA OTHERO, Gabriel; CYRINO, Sonia; SCHABBACH, Giulia; MADRID, Leonardo e Rodrigo ROSITO. " Objeto nulo e pronome pleno na retomada anafórica em PB: uma análise em corpora escritos com características de fala. Revista da Anpoll, 2018, vol. 1, n° 45, p. 68-89.

XXX, 2017.

ECKERT, Penelope. "Three Waves of Variation Study: The Emergence of Meaning in the Study of Sociolinguistics Variation". Annual Review of Anthropology, 2012, vol. 41, p. 87-100.

FERNÁNDEZ ORDÓÑEZ, Inés. "Leísmo, laísmo y loísmo: estado de la cuestión". In FERNÁNDEZ SORIANO, Olga (coord.). Los pronombres átonos. España: Taurus, 1993, 63-96.

FERNÁNDEZ ORDÓÑEZ, Inés. "Leísmo, laísmo y loísmo". In BOSQUE, Ignacio e Violeta DEMONTE (dirs.). Gramática Descriptiva de la Lengua Española. Madrid: Espasa-Calpe, 1999, p. 1317-1397.

FOGELER, María Rosa. Etnografía y red de parentesco de los colonos escandinavos en las sierras centrales de Misiones. Dissertação de mestrado. Antropología social. Misiones: Universidad Nacional de Misiones, 2007.

GALLERO, María Cecilia. "La colonización privada en Misiones y el accionar de la compañía Eldorado". Folia Histórica del Nordeste, 2008, n° 17, p. 63-84.

GALLERO, María Cecilia e Elena María KRAUTSTOFl. "Proceso de poblamiento y migraciones en la Provincia de Misiones, Argentina: (1881-1970)". Avá. Revista de Antropología, (online) 2010, n° 16 [Acesso em 03.04.2022]. https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=169020992013

GARCÍA TESORO, Ana Isabel (2006). "Contacto de lenguas en Guatemala: cambios en el sistema pronominal átono del español por contacto con la lengua maya tzutujil". Tópicos del Seminario, 2006, n° 15, p. 11-71.

GARCÍA TESORO, Ana Isabel e Víctor FERNÁNDEZ-MALLAT. "Cero vs. lo en español andino (Chinchero, Cuzco). Círculo de Lingüística Aplicada a la Comunicación (CLAC), 2015, n° 61, p. 131-157.

GÓMEZ SEIBANE, Sara. Los pronombres átonos (le, la, lo) en español. Madrid: Arco Libros, 2012a.

GÓMEZ SEIBANE, Sara. "La omisión y duplicación de objetos en el castellano del País Vasco". In CAMUS, Bergareche Bruno (ed. lit.) e Sara GÓMEZ SEIBANE (ed. lit.). El español del País Vasco. Bilbao: Universidad del País Vasco / Euskal Herriko Unibertsitatea D.L., 2012b, p. 193-214.

HERNÁNDEZ Edith e Azucena PALACIOS. "El sistema pronominal átono en la variedad de español en contacto con el maya yucateco". Círculo de Lingüística Aplicada a la Comunicación (CLAC), 2015, n° 61, p. 36-78.

HUALDE, José Ignacio; OLARREA, ANTXON; Escobar, Anna María e Catherine E. TRAVIS. Introducción a la lingüística hispánica. New York: Cambridge University Press, 22010.

IORD AN, Iorgu e María MANOLIU. Manual de Lingüística románica. Madrid: Gredos, 1989.

LACA, Brenda. "El objeto directo preposicional". In COMPANY COMPANY, Concepción (dir.). Sintaxis histórica de la lengua española. Primera Parte. La frase verbal. México: FCE, UNAM, 2006, p. 423-475.

LABOV, William. Sociolinguistic Patterns. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1972.

LAPESA, Rafael. Estudios de morfosintaxis histórica del español. Madrid: Gredos, 2000.

MARTINS, Ana Maria. “Clitic Placement, VP-Ellipsis, and Scrambling in Romance”. In BATLLORI, Montserrat, HERNANZ, Maria-Lluïsa, PICALLO, Carme e Francesc ROCA (eds). Grammaticalization and Parametric Variation. Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 175-93.

PALACIOS, Azucena. "De nuevo sobre la omisión de objeto directo en el español andino ecuatoriano. Círculo de Lingüística Aplicada a la Comunicación (CLAC), 2015, n° 61, p. 104-130.

PALACIOS, Azucena. Variación y cambio lingüístico en situaciones de contacto. Madrid: Iberoamericana, 2017.

PENNY, Ralph. Gramática histórica del español. Barcelona: Ariel Lingüística, 1993.

RAE e ASALE, Real Academia Española y Asociación de Academias de la Lengua Española. Nueva gramática de la lengua española: Morfología. Madrid: Espasa, 2009.

REICH, Uli 2003. "Mudança sintática e pragmática na Língua Geral Amazônica: Marcação de caso e sistema pronominal". In FREIRE, José Ribamar e Maria Carlota ROSA (eds.). Línguas Gerais. Política linguística e catequese na América do Sul no período colonial. Rio de Janeiro: UERJ, 2003, p. 167-184.

RODRÍGUEZ MOLINA, Javier. "La gramática oculta de la polaridad positiva en español antiguo". RILCE, n° 30, p. 861-915.

WEINREICH, Uriel; LABOV, William e Marvin I. HERZOG. Empirical Foundation for a Theory of Language Change. Austin-London: University of Texas Press, 1968, p. 95-199.

YAKOTA, Rosa. “Brasileiro falando espanhol e argentino falando português: uma análise do objeto direto anafórico na produção não nativa. Estudos Linguísticos, 2014, n° 43, p. 709-719.

ZOUVI, Susana (2010): "La federalización de Misiones. In Dossier. Reflexiones en torno a los estudios sobre territorios nacionales. Historiapolítica.com, 2010, n° 6, p. 1-24.

Notes

1 http://historiapolitica.com/dossiers/ Retour au texte

2 " De esta manera, en un breve período de tiempo, un pequeño territorio fue ocupado por actores con una gran variabilidad sociocultural" (Fogeler 2007, 2). Retour au texte

3 "Dicha constitución multifacética [...] es la que dará a Misiones un perfil particular de pluralismo sociocultural" (Gallero e Krautstofl 2010, 256) Retour au texte

4 Labov (1972); Weinreich, Labov e Herzog (1968). Retour au texte

5 "And as these concerns continually change, variables cannot be consensual markers of fixed meanings" (Eckert 2012, 94) Retour au texte

6 "It is used by human beings in a social context, communicating their needs, ideas, and emotions to one another" (Lavob 1972, 183). Retour au texte

7 "If we are to make good use of speaker's statements about languages, we must interpret them in the light of unconscious, unreflecting productions" (Labov 1972, 199). Retour au texte

8 Coseriu emprega os termos "norma" e a opõe a "norma exemplar", empregada por nós também neste artigo. A norma se define como o uso que é "normal" numa comunidade de fala. Por sua vez, a "norma exemplar" é a norma prescritiva. No seguinte endereço eletrônico é possível ler um pouco mais: https://coseriu.ch/lo-correcto-y-lo-ejemplar/ Retour au texte

9 Os exemplos explicativos são criados pela autora do texto, exceto quando especificado. Retour au texte

10 "recibió algunos rasgos nuevos, entre los cuales figuró la posibilidad de tener un antecedente con el que concertar en género y número" (Iordan e Manoliu, 1989, 282). Retour au texte

11 No presente estudo, somente consideramos os elementos explicitamente mencionados ou aqueles que podem ser facilmente reconhecidos no contexto. Descartamos os pronomes catafóricos, ou seja, os que fazem referência a um elemento posteriormente mencionado no discurso. Retour au texte

12 O antecedente aparece entre [colchetes] e em itálico. Retour au texte

13 O objeto anafórico aparece em itálico e indexado. Retour au texte

14 Dados sociolinguísticos dos informantes: M=mulher; H= homem; G= geração; E= escolaridade. Retour au texte

15 O presente estudo é um recorte da tese de doutorado que está sendo desenvolvida na XXXX, cuja data de conclusão está prevista para o segundo semestre de 2023. Retour au texte

16 Ver Fernández-Ordóñez (1993, 8). Retour au texte

17 A análise é feita somente com os clíticos lo(s), la(s) e le(s) por isso não soma 100% (ver tabela 1). Retour au texte

18 A duplicação do OD aparece sublinhada e em itálico. Retour au texte

19 A omissão de objeto é o último passo nesses processos de gramaticalização das formas pronominais para a concordância de objeto, pelo que se poderia pensar que as formas pronominais simplificadas, um pouco mais complexas em termos morfológicos do que o zero fonético, terão a função de antecipar no verbo o objeto (tradução minha) (Palacios 2015, 114). Retour au texte

20 "factores externos, como el contacto prolongado con otras lenguas, podrían haber actuado [...] como detonantes y catalizadores directos e indirectos de modificaciones de determinados rasgos (Gómez Seibane 2012b, 194). Retour au texte

21 Cyrino e Reich (2002, 9). Retour au texte

22 Ver de Xxxx (2017, 168). Retour au texte

23 O asterisco fora do parêntesis indica que a ausência do elemento seria agramatical. Retour au texte

24 "Em latim a resposta negativa à uma interrogativa total é marcada por meio da repetição do constituinte que representa o foco da pergunta, que por defeito era geralmente o verbo se nenhum constituinte se encontrava focalizado, estrutura que denominarei V-eco (Martins 2005, 178-79, Brown, Joseph y Wallace 515-17 apud Rodríguez Molina 2014, 867, tradução minha) Retour au texte

25 Se observamos o francês também continua o modelo latino de resposta eco nesse tipo de réplica. Retour au texte

Citer cet article

Référence électronique

Patricia Vanessa de Ramos, « Dinâmicas sociolinguísticas e variação morfossintática no contínuo linguístico espanhol-português do Brasil », Reflexos [En ligne], 6 | 2023, mis en ligne le 17 janvier 2023, consulté le 29 avril 2024. URL : http://interfas.univ-tlse2.fr/reflexos/1196

Auteur

Patricia Vanessa de Ramos

Universität Augsburg

patriciaa.de.ramos@uni-a.de

Droits d'auteur

CC BY