Apresentação do dossiê: Variação linguística nos espaços de língua portuguesa e línguas românicas

  • Présentation du dossier : Variation linguistique dans des territoires de langue portugaise et de langues romanes
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Présentation du dossier : Variation linguistique dans des territoires de langue portugaise et de langues romanes

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O presente dossiê temático, organizado por Marcia dos Santos Machado Vieira (Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ) e Vanessa Meireles (Université Paul-Valéry - Montpellier 3/UPVM), é um seguimento de ações e interações do projeto VariaR – Variação em línguas românicas (https://variar.wixsite.com/variar). Reúne colaborações nacionais e internacionais sobre abordagens teóricas, metodológicas e descritivas do Português, Espanhol e Francês e suas variedades. A escolha do tema vem a confirmar e refletir os avanços e perspectivas na área.

Esta publicação também é, em parte, um produto do II Colóquio Internacional VariaR, realizado em junho de 2022 na Universidade Paul-Valéry (um evento híbrido, cujas conferências estão disponíveis no canal YouTube do projeto VariaR: https://www.youtube.com/watch?v=EzEBlwY0GN4). O principal objetivo deste colóquio, como já em sua primeira edição, é criar uma sinergia de intercâmbios institucionais e científicos de pesquisadores oriundos de diferentes universidades e países que trabalham sobre a variação fonético-fonológica, morfológica, sintática, lexical e textual-discursiva, bem como sobre suas interfaces, em Português e outras línguas românicas. Além do trabalho dos palestrantes que participaram deste encontro, reunimos no presente dossiê artigos de professores, pesquisadores e doutorandos de universidades do Brasil, Portugal, Alemanha e França, que nos enviaram suas reflexões sobre esta área específica de pesquisa. Há também contribuições selecionadas de alunos-pesquisadores do Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas (PPGLEV) da UFRJ que participaram de uma disciplina ministrada pela professora-pesquisadora Marcia dos Santos Machado Vieira no primeiro semestre de 2022 com participação, a convite da mesma, da professora-pesquisadora Vanessa Meireles (Título da disciplina: Estudos de Interface I (LEV712/LEV812) – Português: língua materna e não materna). Essas contribuições estão organizadas conforme a sequência de sínteses a seguir.

O texto de Aline Bazenga (Universidade da Madeira / Centro de Linguística da Universidade de Lisboa/CLUL), intitulado “Variação em construções possessivas pré-nominais do português: um estudo sobre os usos de falantes do Funchal (Ilha da Madeira, Portugal)”, abre o dossiê. A autora analisa a variação no uso de artigos definidos diante de possessivos pré-nominais com base em dados do Corpus Sociolinguístico do Funchal (CSF). O estudo contribui ao conhecimento do tema no âmbito das línguas românicas e das variedades do português, ao trazer resultados empiricamente motivados concernentes a uma variedade insular ainda pouco estudada do Português europeu, a saber a do Funchal, capital da Ilha da Madeira.

A pesquisadora Gildaris Pandim (da Universidade Sorbonne Nouvelle – Paris 3), no texto redigido em francês “Les variantes muito, maningue et bué en portugais” (“As variantes muito, maningue e bué em português”), debruça-se em dados do corpus África do ponto de vista lexicográfico, destacando as lacunas de dicionários da língua portuguesa em relação à variação morfossintática e demonstrando assim a necessidade de criar recursos que reflitam as particularidades da língua portuguesa escrita e falada nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). O artigo recenseia vários trabalhos que contribuem para um melhor conhecimento do Português falado nos PALOPs, sistematização útil para quem se dedica ao estudo da questão. Chama ainda a atenção para diferenças de uso de alguns lexemas nos países citados.

Ester Moraes Gonçalves (da Universidade Federal do Rio de Janeiro), no artigo “Entre ‘na realidade’ e ‘na verdade’, alguns sentidos passeiam: um estudo centrado no uso”, apresenta uma análise preliminar com base em dados do Corpus do Português das expressões “na realidade” e “na verdade”, que apresentam sentidos similares. O enquadramento teórico da autora para esta análise é Linguística Funcional Centrada no Uso e a Gramática de Construções, atentando para a noção de variação entre construções (aloconstruções), explorando, de modo producente, o fenômeno de variação no âmbito dos adverbiais, com base na descrição de aspectos formais e funcionais de usos diferentes e similares.

Em “O comportamento top de [topíssimo] e [topster] à luz da Linguística Funcional Centrada no Uso”, Karen Corrêa Motta (da Universidade Federal do Rio de Janeiro) apresenta uma descrição de formas de intensificar que normalmente não são expostas ou examinadas em lugares em que o Português é objeto de atenção. Há contribuição funcionalista e também construcionista ao olhar variação de unidades lexicais quanto à funcionalidade e à morfossintaxe de colocação em tuítes.

Em “O padrão construcional [Verbo horrores] como estratégia de intensificação em tweets do Português Brasileiro”, outra estratégia de intensificação é analisada em tuítes. O artigo foi escrito por Letícia Freitas Nunes (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Nahendi Almeida Mota (Universidade Federal do Rio de Janeiro/Capes), e Marcia dos Santos Machado Vieira (Universidade Federal do Rio de Janeiro / Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro/Faperj e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/CNPq). Nele, um tipo de construção de predicação verbal que se vale do intensificador [horrores] ganha a atenção sob olhar socioconstrucionista de língua como um diassistema. As autoras descrevem, entre outros aspectos, os significados que podem ser ativados em dados de uso dessa construção e os verbos que mais co-ocorrem na predicação. Trata-se de uma contribuição para o conhecimento científico de recursos de intensificação em Português do Brasil e para exposições sobre o tema que grassam em materiais a circularem em espaços de ensino.

O texto intitulado “Dinâmicas sociolinguísticas e variação morfossintática no contínuo linguístico Espanhol-Português do Brasil”, de autoria de Patricia Vanessa de Ramos (Universidade de Augsburgo), trata da variação de pronomes átonos de terceira pessoa lo-los, la-las, le-les e de outras formas que são empregadas por falantes de uma variedade não padrão do Espanhol na posição de objeto direto anafórico de terceira pessoa. Algumas formas aproximam-se de formas do Português do Brasil. O texto mostra a dinamicidade dos empregos e lida com a questão de gramaticalização de formas analisadas na comunidade de fala de Oberá-misiones, na Argentina, região de contato Português-Espanhol. Busca, ainda, descrever o mosaico cultural e linguístico de Oberá lançando mão de documentos históricos e de estudos antropológicos. Assim, o estudo examina o contínuo linguístico Espanhol-Português do Brasil, oferecendo contribuição importante para a área de contato sociolinguístico.

Em “Predicadores de passividade com verbo suporte no Português e no Espanhol: a diassistematicidade em rede”, Ravena Beatriz de Sousa Teixeira (da Universidade Federal do Rio de Janeiro) também trata de dados do Português e do Espanhol e de construções de passividade com verbo levar/llevar a partir de dados da plataforma Sketch Engine. Ilustra a rede de padrões construcionais associados ao uso desses predicadores, prevendo a existência de uma construção mais esquemática, de natureza interlinguística (diaconstrução) nas duas línguas românicas estudadas. O artigo contribui ao trabalho com as potencialidades de estruturação de passividade no Português e no Espanhol ao tratar de construção de predicação que normalmente não é abordada, apresentando inclusive, de modo didático, a metodologia da análise.

Jeane Nunes da Penha (da Universidade Federal do Rio de Janeiro), no texto intitulado “Não se faz de difícil! / ¡No hagas el difícil! Vem conhecer uma análise diassistêmica!”, também compara dados de predicações do Português e do Espanhol, a partir de dados da plataforma Sketch Engine, que conceitualizam tipos de simulação. Partindo do pressuposto de que existe uma diaconstrução abstrata comum, a autora apresenta dados quali-quantitativos para a análise de usos nas duas línguas em foco. Como destaque, temos o tratamento de um tipo de predicação (representação) que não costuma figurar nas exposições didáticas ou gramaticais, podendo interessar ao trabalho com essas línguas em espaços de língua materna ou adicional. Além disso, trata-se de um contributo em termos de passo a passo metodológico.

Em “Predicadores complexos com o verbo suporte ‘bancar’: uma análise construcional”, Jady Geovana Veroneses Alves (da Universidade Federal do Rio de Janeiro) trata, à luz da Gramática de Construções, de um tipo de predicação complexa com o verbo ‘bancar’ que não costuma estar nas exposições didáticas ou gramaticais do Português. Pode, portanto, interessar a leitores tanto no âmbito de estudos quanto de ensino da língua portuguesa, além de trazer exemplos de espaços virtuais de comunicação (site Google Notícias e redes sociais Facebook, Twitter e Instagram).

Maria Cristina Vieira Bastos (da Universidade Federal do Rio de Janeiro), em “Construções (semi-)idiomáticas com [VPAGARX] e [VPAGAR deX]: vexação e fingimento na construção de sentido”, trata de um tema que normalmente não figura nas descrições linguísticas: expressões com verbo que têm comportamento mais ou menos idiomático. Estas normalmente são vistas em manuais de lexicologia. A autora trata, então, de lhes dar uma apresentação que as põe no cerne da descrição gramatical. O artigo contém descrição de usos recorrendo a duas bases de dados do Português do Brasil com farta exemplificação (Corpus do Português e Dicionário inFormal), que parece ser interessante ao trabalho em espaços de língua materna ou adicional.

“‘Vai que’ e ‘quem sabe’: o que há de novo com essas construções?”, escrito por Julia Pinheiro Soares da Silva (da Universidade Federal do Rio de Janeiro), centra-se no operador argumentativo “vai que” e no modalizador discursivo “quem sabe” a partir de dados de vídeos do YouTube retirados da plataforma Youglish. Lida com o processo de gramaticalização dessas unidades linguísticas sob olhar que relaciona a Gramática de Construções Centrada no Uso e a Sociolinguística e que procura examinar a intercambialidade dessas unidades.

Marcelo Rodrigues Affonso Junior (da Universidade Federal do Rio de Janeiro), em “Cláusulas insubordinadas: um breve olhar interlinguístico”, lida com dados de duas línguas, o Português e o Francês, oriundos de duas fontes: folhetins do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro e do Jornal Figaro do século XIX. Aborda o fenômeno da insubordinação e aponta resultados de congruência entre as escolhas formais para as cláusulas insubordinadas em ambos os jornais escritos nas duas línguas românicas analisadas.

Em “Variação em línguas românicas: ações do projeto VariaR como contributos de ciência aberta e cidadã”, Marcia dos Santos Machado Vieira (Universidade Federal do Rio de Janeiro/Faperj e CNPQ) e Vanessa Meireles (Universidade Paul-Valéry – Montpellier 3) traçam movimentos, trilhas e horizontes relativos ao intento de incorporar sujeitos, corpora e informações que viabilizem a comparação das línguas românicas em uso no mundo, o amplo conhecimento de seus diassistemas e o trabalho com eles em espaços de ciência e educação respaldado por dados da realidade heterogênea e pluricultural. Tratam particularmente de ações planejadas para viabilizar o portal inCorpora, que busca abrigar contribuições que permitam um painel rico das variações em línguas românicas. Entre essas contribuições, descrevem o Portal digital de estados de coisas em Português e línguas românicas a variar e ensinar.

Oferecemos ao público-leitor, assim, um panorama de fenômenos linguísticos em variação. Agradecemos aos autores por compartilharem os resultados e as discussões de seus trabalhos com a comunidade científica interessada. Agradecemos também ao comité científico do II Colóquio Internacional VariaR e, no processo de avaliação dos artigos submetidos a este dossiê, especialmente, a Ana Cristina Braz (Universidade Aberta de Portugal), Danielle Kely (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Heglyn Pimenta (Universidade Paris 8), Maria Cecilia Mollica (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Niguelme Cardoso Arruda (Instituto Federal de Santa Catarina), Sandra de Caldas (Universidade Paris 8), Silvana Silva de Farias Araújo (Universidade Estadual de Feira de Santana), por terem contribuído com sua expertise para a seleção de artigos submetidos ao dossiê. A versão final de cada texto, de inteira responsabilidade dos autores, certamente foi enriquecida pelas observações realizadas. Agradecemos também a Joan Simpson, aluna do mestrado de Línguas Estrangeiras Aplicadas (LEA) com especialização em tradução inglês-português na Universidade Paul-Valéry – Montpellier 3, pela revisão dos resumos dos artigos em inglês. Agradecemos, especialmente, ao Professor Doutor Marc Gruas (da Universidade de Toulouse) pela acolhida da proposta deste dossiê, por todo o apoio e toda a liberdade que ele e sua equipe nos deram para a edição do dossiê.

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Marcia dos Santos MACHADO VIEIRA et Vanessa MEIRELES, « Apresentação do dossiê: Variação linguística nos espaços de língua portuguesa e línguas românicas », Reflexos [En ligne], 6 | 2023, mis en ligne le 19 avril 2023, consulté le 29 avril 2024. URL : http://interfas.univ-tlse2.fr/reflexos/1106

Auteurs

Marcia dos Santos MACHADO VIEIRA

Universidade Federal do Rio de Janeiro

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Vanessa MEIRELES

Rio de Janeiro/Montpellier, janeiro de 2023

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