O estudo das relações entre a França e Portugal, na segunda metade do século XIX e no início do século XX, através das colecções específicas da Biblioteca Nacional de Portugal, nomeadamente as revistas e os jornais da altura, os manuscritos dos Reservados, mais especificamente a correspondência entre os intelectuais da época, a Colecção Camoneana, também nos Reservados, e outras referências únicas, permitiu-me destacar uma figura portuguesa importantíssima no intercâmbio cultural e literário dos dois países, José Francisco Xavier de Carvalho1, mais conhecido como Xavier de Carvalho, autor que também usou os pseudónimos de Octávio Mendes2, Léon Dierx3 e Marraschino & Ca4. Relativamente ao importante papel que desempenhou, cito António de Portugal de Faria, um amigo também radicado em Paris:
Un compatriote intelligent, très actif, M. Xavier de Carvalho, un de mes bons amis, devenu doyen des correspondants parisiens de journaux portugais, est, très certainement, l’un de ceux qui ont le mieux contribué, et qui contribue encore, à faire connaître le Portugal, à l’étranger. Il n’est pas une circonstance où il ait laissé échapper l’occasion de prouver son patriotisme clairvoyant ; c’est sûrement à lui qu’appartient l’initiative de plusieurs commémorations historiques portugaises, qui ont eu lieu dans la capitale de la France. La manière toute attrayante, avec laquelle il présente ses projets, lui acquiert aussitôt les adhésions unanimes de nos compatriotes. Il suffit de le voir prendre une initiative de ce genre, à Paris, pour que, dans notre colonie portugaise, la réussite lui soit immédiatement assurée d'avance.
Il convient de reconnaître que c’est l’individualité qui a le plus de chance de succès dans ces missions délicates où il faut convaincre tant d’esprits, aux opinions diverses, pour les réunir et les fusionner dans une même idée. Aussi, est-ce avec raison que l’on doit recourir à son concours très indispensable, lorsqu’il s'agit de semblables entreprises.
Chez lui, tous nos compatriotes éprouvés trouvent le plus généreux accueil et toute sa protection ; il leur donne les lettres de recommandation les plus chaleureuses, empreintes de cette sympathie, qu’il s’efforce toujours éloquemment de communiquer aux autres5.
Este testemunho feito a meados da sua carreira jornalística demonstra o papel de relevo que teve no início do século XX e a importância da sua influência no que diz respeito aos assuntos portugueses e à integração dos Portugueses na capital francesa. A sua intervenção foi essencial na construção e na difusão da cultura e da literatura portuguesas em França, entre 1885 e 1919, por ter sido uma fonte precisa de informações sobre Portugal na capital e o principal coordenador das relações franco-portuguesas.
O facto de se encontrarem muito poucos dados biográficos e bibliográficos e numerosas referências esparsas a seu respeito, nos documentos consultados, revelou a importância de se produzir um primeiro esboço biobibliográfico cronológico desse jornalista que permaneceu durante trinta e quatro anos em Paris, onde veio a falecer. Ao resgatar a vida de Xavier de Carvalho, procuramos também resgatar os circuitos intelectuais por ele organizados na capital francesa, circuitos que favoreceram não só as relações luso-francesas como também as relações franco-brasileiras. São disso exemplo as revistas Le Portugal à l’Exposition (1900), Revue de la Société des Études Portugaises à Paris (de 1904 a 1906), Le Portugal à Paris (1907), Latina (de 1909 a 1910) e a criação da Sociedade dos Estudos Portugueses em Paris (1892).
Xavier de Carvalho nasceu em Lisboa, no dia 30 de Janeiro de 18616. Com 16 anos, e já no Porto, publica três poemas no Museu ilustrado: álbum literário7: « Os Cânticos da noite », « Blasé8 » e « Ruínas ». Aos 17 anos, adere ao Partido Republicano e funda o seu primeiro semanário de combate e agitação política, O Combate, semanário republicano radical (Porto, 1879), seguido de O Estado do Norte, semanário republicano federal (Porto, 1880) e O Norte Republicano, folha semanal política e noticiosa (Porto, 1881). Além disso, colabora no Almanach Republicano, onde publica poemas de 1879 a pelo menos 1885: « Vida Nova », « A Senhora de Conceição », « Ao Christo », « Ao papa », « A forja » dedicado a « Bruno9 ». Cria então o primeiro centro de extrema esquerda radical do Porto. Em Abril de 1879, redigiu, ao lado de Xavier Pinheiro, o seu primeiro jornal, A Mulher, com F. Maria Rodrigues, proprietário do mesmo. De referir a criação, em 1880, em Portugal, da Associação dos Jornalistas e Escritores Portugueses fundada, entre outros, por Teófilo Braga, Ramalho Ortigão, Ennes, que permitiu muito provavelmente ao jovem Carvalho uma segurança relativamente ao futuro da profissão.
Nos 23 números da revista O Mundo (Lisboa, 1882), de A. de Souza Pinto, Xavier de Carvalho assina a crónica « Cartas de Paris » com o pseudónimo de Octávio Mendes. Foi provavelmente a partir deste momento que começou a viajar frequentemente a Paris.
Aos 23 anos, escreve, sob o pseudónimo Marraschino & Ca., uma paródia de A Velhice do Padre Eterno de Guerra Junqueiro (1885), editada no Rio de Janeiro em 1885: A Velhice da Madre Eterna que lhe rendeu algum sucesso. Nesse mesmo ano, publica no Porto uma série de dez poemas sob o título Apotheose Camoneana, edição especial camonianista de dezasseis páginas dedicadas a Joaquim de Araújo. Cada um dos poemas é dedicado a uma figura literária portuguesa da época. O primeiro e o último poema, com cinco sextilhas (uso hugoliano), são dedicados a Ramalho Ortigão e Teófilo Braga, respectivamente. Os oito sonetos do meio são dedicados a Manoel Duarte de Almeida, João de Deus, Ferreira de Brito, Conde de Sabugosa, Fialho de Almeida, Camilo Castelo Branco, Xavier Pinheiro e Queiroz Velloso. Essa obra constitui uma homenagem ao grande poeta nacional, Luís de Camões.
Pouco depois, ainda em 1885, instala-se em Paris (exilado por razões políticas? por escolha pessoal? em missão de expansão da República portuguesa na Europa?), onde passa a ser correspondente dos seguintes diários: O Correio da Noite (Lisboa, de 1881 a 1910); O Século, jornal republicano dirigido por Sebastião de Magalhães Lima, socialista e maçónico (Lisboa, de 1881 a 1983), para o qual Xavier de Carvalho trabalha como redactor e cronista; A Província (Porto, de 1885 a 1904), revista que dirige a partir de 1889 e na qual anuncia o simbolismo; O Diário Popular (São Paulo), de F. de Souza. Durante cinco anos, será também redactor, correspondente e secretário da revista quinzenal A Illustração (Paris, de 1884 a 1892), dirigida por Mariano Pina. A sua obra poética destaca-se, em Paris, na revista Le Décadent em 1886 e no opúsculo L’école décadente em 1887. Essas referências e a sua participação na escola decadente parisiense permitiram a Xavier de Carvalho ser conhecido como poeta introdutor do decadentismo em Portugal no final do século XIX e principal intermediário das culturas portuguesa e francesa10.
Fez parte, como maçónico, do comité de direção da revista Révolution cosmopolite (1886-1887), o que o levou a fundar em 1889, com Benoît Malon, economista francês, e com o deputado Cipriani, a Fédération Universelle des Peuples11, nascida da Antiga Internacional e ligada ao movimento republicano socialista. Xavier de Carvalho é o representante português dessa federação em torno de revolucionários franceses, italianos, alemães, belgas, suíços. Esse acontecimento constitui, de facto, a sua primícia em política na França, tendo como principal objectivo a implantação da República em Portugal. Viaja até Madrid onde pronuncia um aclamado discurso no Casino Republicano Progressista. Além disso, em Paris, organiza, nesse mesmo ano, uma reunião republicana12.
Em 1889, Xavier de Carvalho participa na homenagem a Guilherme de Azevedo, ao lado de Teófilo Braga, Guerra Junqueiro, Júlio César Machado, Magalhães Lima, Marcelino de Mesquita, Caetano Pinto, Rafael Bordalo Pinheiro, Camilo Castelo Branco e Ramalho Ortigão num número especial organizado pela redacção do Jornal de Santarém, publicado em Lisboa13. Ainda em 1889, colabora com António Nobre, Alberto de Oliveira, entre outros, no único número da revista Boémia Nova14 (Coimbra, 1 de Fevereiro de 1889), tendo o Dr. Fausto15 como chefe de redação.
De 1890 a pelo menos 1897, mantém uma correspondência16 regular com o Conde de Valenças17, na qual conta a sua vida jornalística, literária e política parisiense. Em 1892, funda a importante18 Société des Études Portugaises à Paris19 ao lado de António Portugal de Faria, cônsul em Paris, da qual Xavier de Carvalho20 é secretário-geral durante vários anos, tendo publicado a Revue de la Société des Études Portugaises à Paris a partir de 1904. Como sócios dessa sociedade, destacam-se vários intelectuais franceses, entre os quais Henry Faure, Maxime Formont, Marc Legrand, Sarran d’Allard, Paul Vibert mas também portugueses, como Almada Negreiros, além de belgas e brasileiros.
Pouco após a implantação da República no Brasil, em 1889, participa n’A Revista, ilustração luso-brasileira publicada em Paris em 1893, com José Barbosa como director literário e José Colaço como director artístico. A revista publica artigos de Eça de Queirós, Gomes Leal, C. Mendes, Luiz Murat, Urbano Duarte. A política editorial da revista visa defender os interesses do Brasil e de Portugal na Europa, principalmente em Paris. Nela, Xavier de Carvalho publica os seguintes artigos: Pelos teatros e pelos concertos; Quintina Bocayuva; Magalhães Lima (com referência à Fédération Ibérique e ao Conde d’Alto Mearim). É de notar que o número 6 de 5 de Outubro, último número dessa revista, é composto por uma nova direcção, A. de Souza, e um novo director literário, Xavier de Carvalho.
Também passa a ser redactor e correspondente no Brasil do jornal O Paíz (Rio de Janeiro), de que Quintino Bocayuva é o director político. Xavier de Carvalho representa esse diário no segundo congresso internacional da imprensa em Bordéus, em 1895, onde relata e qualifica a história da imprensa brasileira como « propaganda das ideias generosas da Revolução Francesa21 ».
Em 1894 e 1895 (número de Natal e Ano Novo), colabora, ao lado de António Feijó, Gomes Leal, João Chagas, João de Deus e Júlio Lobato, na revista de arte do Porto, A Geração Nova, criada pelos directores Heliodoro Salgado e Júlio Lobato.
No dia 8 de Março de 1895, publica em Paris Os de Paris a João de Deus, número único, homenagem dos Portugueses de Paris ao poeta e pedagogo, com prefácio de Eça de Queirós, poemas, gravuras, ilustrações e uma partição musical. Esta revista artística conta com colaboradores portugueses (Eça de Queirós, Silva Lisboa, António Nobre, Moniz Barreto e A. de Souza), franceses (Blanche de Mirebourg e Raul Didier), brasileiros (Jayme de Séguier, Assis Brasil e Mello Viana) e alguns artistas (Souza Pinto, F. da Silva Gouveia22 e Queiroz Moura). Xavier de Carvalho, director literário, assina o último artigo comparando essa homenagem às homenagens realizadas pela França aquando da morte de Voltaire no século XVIII e da de Victor Hugo23 no século XIX.
De 1896 a 1899, Xavier de Carvalho é o representante francês de A Arte – Órgão do movimento intellectivo internacional, Porto, de Júlio Lobato e Raul Maria Pereira, pintor. Esta revista segue provavelmente a linha editorial de Arte – Revista Internacional (Coimbra, 1895-1896), fundada por Eugénio de Castro24 e Manuel de Silva Gaio, com Louis Pilate de Brinn’ Gaubast como representante francês25.
Em 1897, participa, tal como Eça de Queirós, na revista brasileira, A Revista Moderna26, com os seguintes artigos: A Grécia contemporânea27; O espírito revolucionário na obra de Eça28; O Natal em Paris29. Em 1898, a propósito do IV° centenário da descoberta do caminho marítimo para a Índia, organiza-se um comité francês para preparar uma cerimónia no dia 28 de Abril. Membro e delegado desse mesmo comité, Xavier de Carvalho participa, com Mallarmé e Léon Daudet, numa edição especial dedicada ao IV° centenário de Vasco da Gama30 na Revue Encyclopédique Larousse: « Le Portugal (1498-1898) », editada no dia 28 de Maio de 1898.
Participa igualmente no centenário de Garrett em Paris, em 1899, num sarau literário e artístico31 organizado no salão nobre da Sociedade de Geografia de Paris, onde estavam também presentes Bartolomeu Ferreira, secretário da Legação de Portugal em Paris, o seu irmão, Dr. Cisneiros Ferreira, o escultor Thomaz Costa, o compositor Francisco de Lacerda, Borges de Castro, Alexandre Soares, José de Figueiredo e Silva Lisboa. Catulle Mendès (de origem portuguesa e cujos antepassados eram judeus portugueses radicados em Bordéus) presidiu à homenagem na qual Brinn’ Gaubast pronunciou um discurso sobre o homem e a obra, e Henri Faure outro sobre a lenda de Santa Iria. Monsieur Vincent apresentou um estudo sobre os predecessores de Garrett enquanto Maxime Formont, colaborador de Gil Blas e do Journal, apresentou outro sobre Frei Luis de Souza, drama que traduziu e adaptou com o título Le Pélerin, e do qual Mlle Moreno, da Académie Française, leu duas das melhores cenas. Alguns poemas de Garrett, traduzidos por Marc Legrand, foram também declamados. Xavier de Carvalho publica numerosos artigos32 em francês sobre esse centenário no Journal des Débats, Journal, Revue d’Europe, Courrier de l’Allier, etc.
Aquando da comemoração do V° centenário do teatro português, em Maio de 1902, Xavier de Carvalho participa, ao lado de António Lobo de Almada Negreiros, A. de Souza, A. de Silva Lisboa, no Comité da Imprensa Portuguesa que organiza a representação teatral da peça Frère Luis de Sousa, traduzida por Maxime Formont, no Nouveau Théâtre, 15 rue Blanche, em Paris. Alguns anos depois, Xavier de Carvalho, então decano dos correspondentes de jornais portugueses, organiza o 49° aniversário da morte de Garrett33. Em 1900, Xavier de Carvalho colabora na revista Portugal-Brasil34, dirigida por Augusto de Castilho, Jayme Victor e Lorjó Tavares num artigo intitulado Um monumento na Bulgária de Queiroz Ribeiro, dedicado ao artista35.
Aquando da Exposição Universal de 1900 em Paris, na qual Portugal36 participa, surge a revista Le Portugal à l’Exposition, dirigida por Xavier de Carvalho37 e na qual Sarran d’Allard38 publica o artigo « Garrett e o Pantheon39 ». Daniel-Henri Pageaux nota uma participação mais activa dos Portugueses instalados em Paris a partir desse momento: « o que poderá conhecer o leitor francês [...] que não conhece os “Portugueses de Paris”, activos desde a Exposição de 1900, reunidos sobretudo à volta de Xavier de Carvalho?40 ». Em 1900, encontra ainda Émile Zola, provavelmente na altura da morte de Eça de Queirós em Paris.
Depois de obter o título de Cavaleiro da Legião de Honra41, colabora nas revistas Renaissance Latine42 e Petite République Socialiste43. Em 1903, encontra Joseph Joubert, que precisa de informações sobre Maria de Portugal44 para acabar um estudo, e Xavier de Carvalho serve-lhe de intermediário para obter mais informações sobre a rainha45 junto de Teófilo Braga.
Xavier de Carvalho trabalhou para que várias ruas46 de Paris homenageassem a cultura e história portuguesa, sendo a Rue Vasco da Gama inaugurada no dia 23 de Janeiro de 190447, a Avenue de Camões48 em 1905. Aliás, o poeta foi homenageado em 1912, tendo-lhe sido erguida uma estátua no Trocadéro49.
No dia 24 de Novembro de 1905, Xavier de Carvalho, da imprensa portuguesa, toma lugar, com A. de Souza, A. De Lobo de Almada Negreiros e Silva Lisboa, no cortejo oficial do rei D. Carlos I em Paris para acompanhar, com título permanente, os trabalhos da Assembleia Municipal. Trata-se de um ano importante nas relações luso-francesas, não só pela visita do monarca português a França, como pelos acordos estabelecidos com o presidente francês Émile Loubet. Funda-se, nesse ano, a Caza Portuguesa de Paris por Silva Lisboa, a Câmara do Comércio franco-portuguesa e uma exposição portuguesa no museu colonial, organizada por Almada Negreiros. Daí podermos ler nos jornais franceses:
Aucun pays, peut-être, n’a plus de points de contact avec la civilisation française que le Portugal. Notre langue y est très répandue et d’un usage plus courant que l’anglais ou l’allemand. Dans ce petit pays latin, notre littérature, notre histoire sont connues non seulement de l’aristocratie lettrée, mais encore de la masse instruite de la population ; les lois françaises ont servi de modèle à la plupart des lois portugaises ; ce sont nos mœurs, nos manières que les habitants du pays assimilent le plus aisément. « Il n’a pas un Portugais de quinze ans qui n’ait pleuré la mort de Hoche et de Marceau », écrivait au moment de la visite du Président, l’un des principaux organes quotidiens de Lisbonne, et il ajoutait : « Nous naissons, nous grandissons et nous mourons dans l’intime amour de la France »50.
Logo depois, Xavier de Carvalho organiza a edição de um volume sobre Portugal: Le Portugal51, que apresenta um retrato do país (geográfico, etnológico, administrativo, económico, literário, artístico, colonial, etc.) acompanhado de 162 gravuras e 12 mapas. Esta obra, escrita em francês por Xavier de Carvalho, Brito Aranha, Daniel Bellet, Brinn’Gaubast, Alcide Ebray, Magalhães Lima, Silva Lisboa, entre outros, tinha como principal objectivo a promoção do país em França, na Belle Époque, onde Portugal era ainda pouco conhecido.
Publica Le Portugal à Paris52 em 1907. Em Outubro de 1908, publica uma colectânea de poesias parnasianas, Poesia Humana, que reflete a sua vida: as idas e voltas entre Lisboa e o Porto num tempo de Boémia, os seus primeiros anos de vida em Paris onde compôs a maior parte dos poemas, de 1889 a 1890, os anos da prosa, os primeiros cabelos brancos, a família, os cinco filhos (Rafael, Odette, Yvonne e dois desconhecidos), o duro labor e a violência do ganha-pão quotidiano. Os seus poemas são directamente influenciados pela literatura parnasiana e decadentista parisiense. Inspira-se de, e cita, Baudelaire, Bainville, Dierx, Mendès, Richepin, Verlaine, Moreas, Verhaeren, René Ghil, Samain, Viellé-Griffin, Rodenback, Gustave Kahn, Retté, Henri de Regnier, Stuart Merril, Victor Orban, Maxime Formont e Maeterlinck. Os seus versos modernos exprimem, por vezes, um lirismo suave e ingénuo (Symphonia de Abertura; Intermezzo, Suavissima), por outras, uma síntese subtil naturalista (Aquarelas da Rua, Em Saint-Brieuc, A Torre Eiffel, Para o Duque Jean des Esseintes), ou ainda um impressionismo psicológico e emotivo (A Alma doente, Pointe sèche, Nevrose do gaz) e até mesmo uma sexualidade de inspiração sáfica (O Amor das fêmeas)53. Anota também, no prefácio, os elogios recebidos por Camilo Castelo Branco, João de Deus, Antero de Quental e Eça de Queirós, em Portugal, e os de Verlaine, Mallarmé, Huysmans e Coppée, em França.
Organiza, também em 1908, uma conferência54 franco-brasileira na Sociedade dos Estudos Portugueses em Paris. Coordena, no dia 24 de Fevereiro de 1909, uma festa55 literária na Sociedade que dirigiu em honra ao professor, historiador, poeta, crítico filosófico e chefe da escola positivista portuguesa (presidida por Anatole France): Teófilo Braga. Este agradece-lhe56 e Xavier de Carvalho acaba por traduzir-lhe um inquérito: Force morale des grandes puissances57.
Em Julho de 1909 (e pelo menos até Novembro de 1910), cria, em francês, a revista mensal Latina que começa com a homenagem a Mistral58, pelo cinquentenário de Mireille. No dia 2 de Maio, compõe um soneto em português em sua homenagem: Apotheose a Mistral. Conheceram-se na Sociedade dos Estudos Portugueses em Paris e Mistral59 considera-o um poeta, escritor e jornalista distinto60. Em jeito de agradecimento, Xavier de Carvalho envia uma carta à Câmara de Lisboa para que atribuíssem o seu nome a uma rua da capital61.
No dia 5 de Outubro de 1910, é proclamada a República Portuguesa. Xavier de Carvalho e Sebastião de Magalhães Lima celebram a vitória de Teófilo Braga como presidente da República62.
Um sarau teatral e literário, organizado no dia 6 de Fevereiro de 1913 pela Société Académique Portugaise da qual Xavier de Carvalho é vice-presidente, no Cercle du Théâtre Latin, sociedade para a difusão das obras teatrais de autores de origem latina, apresenta a comédia Une Audition.
A Société des Amis de Camoens foi criada, em primeiro lugar, para reunir os admiradores do grande poeta português e amadores de Belles Lettres que pretendessem prestar um culto eficaz à memória de um dos mais puros génios da literatura universal; em segundo lugar, para agremiar todos os que se interessassem pelo desenvolvimento das relações de amizade entre a França e Portugal, irmãs latinas; em terceiro lugar, para ajudar, na medida do possível, o governo português no seu projecto de erguer em Paris um monumento digno do imortal autor de Os Lusíadas; em quarto lugar, para apresentar teatralmente o drama Camões de Cypriano Jardim, adaptado à cena francesa tal como nas festas do terceiro centenário de Camões em Lisboa em 1880 e, em último lugar, para publicar mensalmente um boletim literário63 com poemas e estudos sobre o poeta, assinados pelos nomes mais famosos da literatura francesa e portuguesa. Entre os seus membros, constam Xavier de Carvalho, Guillaume Apollinaire, Emile Bergerat, Félix Castanier, François Deloncle (deputado e director de Paris-Journal), Maxime Formont, Paul Fort, René Ghil, Octave Houdaille, Philéas Lebesgue, Pierre Loti, Magalhães Lima (senador da República Portuguesa), Raymond de Nys, Victor Orban, Paulo Osório (director da agência do Século), Jules Romains, Edmond Rostand, Émile Sicard (director da revista Le Feu), a Union Universelle des Journalistes, Paul Théodore-Vibert (economista), Émile Verhaeren.
Xavier de Carvalho colabora no Mercure de France desde 1914 e trava amizade64 com Philéas Lebesgue65, republicano, que redige, desde Maio de 189666, a rúbrica Lettres Portugaises. Numa edição consagrada a esse lusófilo67, Xavier de Carvalho publica o artigo « Philéas Lebesgue et la littérature portugaise68 ».
Um ano após a guerra, morre69 o seu único filho, Rafael Xavier de Carvalho, voluntário na Legião Estrangeira70, em combate na batalha de Champagne, no dia 28 de Setembro de 1915. Blaise Cendrars perde a mão no mesmo dia e no mesmo sítio, na quinta de Navarin. Este dedica-lhe um poema, La guerre au Luxembourg (1915), e Xavier de Carvalho redige Cantos Épicos da Guerra (1918) em homenagem à coragem do filho, « À la mémoire glorieuse de mon fils Rafael, soldat de la légion étrangère », e dos Portugueses que participaram na guerra71. Neste livro de poesia, constam os sentimentos assinados por Guerra Junqueiro e Gomes Leal, assim como um poema manuscrito, talvez inédito.
Durante a guerra, organiza o funeral do seu amigo Mário de Sá-Carneiro, suicidado em Paris no dia 29 de Abril de 1916. O enterro decorre no cemitério de Pantin72. Além de Carvalho, estavam presentes José Araújo, Carlos Ferreira e uma desconhecida.
Le Monde Latin de Julho de 191673 anuncia uma conferência de Xavier de Carvalho sobre Camões e ele assina, nesta mesma revista, um artigo intitulado Portugal.
Em 1917, surge uma polémica74 entre Xavier de Carvalho, humanista e idealista, e Leal da Câmara, caricaturista revoltado que também viveu em Paris, sobre a ideia da raça e da importância da língua alemã e do seu ensino em Portugal.
Xavier de Carvalho morre na capital francesa no dia 2 de Agosto de 1919 e é enterrado no cemitério de Pantin.
Durante trinta e quatro anos, Xavier de Carvalho participou no desenvolvimento das relações luso-francesas e conseguiu dar a conhecer a literatura e a cultura portuguesas em Paris. O seu percurso admirável influenciou os simbolistas, os académicos e os jornalistas parisienses. A organização de comemorações, de conferências, de manifestações literárias e teatrais, de aulas de português gratuitas, a criação de uma sociedade de estudos portugueses em Paris, de revistas especializadas sobre Portugal (bilingues ou em francês) e a constituição de uma rede intelectual entre os dois países permitiram cimentar uma amizade já secular e constituir um espaço intelectual bicultural fecundo.
Resgatar este autor considerado menor, raramente lembrado no meio académico português e omitido pela pesquisa internacional, permitiu compreender como a cultura francesa percebeu e assimilou a cultura portuguesa desse período. Importador e exportador de ideias, este jornalista tornou-se um intermediário português importantíssimo em França a partir da Exposição de 1900, criando laços culturais marcantes e duradoiros. Favoreceu um diálogo intercultural que permaneceu após a sua morte e cumpriu uma missão imensa, constante e insubstituível: a difusão da literatura e da cultura portuguesas na capital francesa, capital universal da literatura e da imprensa na época.