José Saramago e os princípios de uma ética para a história

  • José Saramago et les principes d’une éthique de l’histoire
  • José Saramago and the Principles of Ethics of History

É a partir da leitura das reflexões ensaísticas de José Saramago sobre as relações entre ficção e história que investigamos algumas diretrizes sobre o que designamos como uma ética da história. Entendemos que essa preocupação, nascida de uma crítica à noção de “fim da história”, se estabelece a partir da compreensão segundo a qual a história, tal como a cultura ocidental passou a concebê-la, é um tanto problemática porque se revela como outra das estratégias das ideologias de domínio que resulta na nulificação das vidas. Atitude reivindicativa, renovação pelo questionamento, a ética da história, segundo Saramago, fundamenta-se no trabalho de reparar o acontecido a fim de possibilitar novas significações para a história, compreendendo essa como aparelho outro de olhar suas próprias constituintes, como possibilidade para repensar criticamente o presente e, consequentemente, para fundamentar o futuro.

C’est à partir de la lecture des réflexions essayistiques de José Saramago sur le rapport entre fiction et histoire que nous explorons quelques lignes directrices de ce que nous désignons comme une éthique de l’histoire. Nous considérons que cette préoccupation, née d’une critique de la notion de « fin de l’Histoire », s’établit à partir de l’idée que l’histoire, telle que la culture occidentale en est venue à la concevoir, est quelque peu problématique puisqu’elle s’avère être une stratégie des idéologies de domination aboutissant à la négation des vies. Attitude revendicative, renouvellement par le questionnement, l’éthique de l’histoire selon Saramago repose sur le travail de réparation de ce qui s’est passé pour permettre l’émergence de nouveaux sens de l’histoire, en envisageant celle-ci comme un dispositif permettant d’observer ses propres constituants et comme possibilité de repenser le présent de façon critique et, par conséquent, de fonder l’avenir.

From the reading of José Saramago’s essayistic reflections on the relationship between fiction and History, we investigate some guidelines on what we designate as ethics of History. We understand that this concern, originated from a critique of the notion of the “end of history”, and established from the understanding according to which History, as the Western culture came to conceive it, is somewhat problematic because it is revealed as another one of the strategies of the ideologies of domination which results in the nullification of lives. Demanding attitude, renewal through questioning, the ethics of history, according to Saramago, is based on the work of repairing what has happened in order to allow the emergence of new meanings of history, considering it as a device for observing its own constituents and as a possibility to rethink the present in a critical way, and thus to found the future.

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A história para mim é um jogo de máscaras e o problema é, provavelmente, não chegar nunca ao rosto claro da verdade histórica.
José Saramago, entrevista a Horácio Costa, 6 de novembro de 1985

No fundo, há que reconhecer que a história não é apenas selectiva, é também discriminatória, só colhe da vida o que lhe interessa como material socialmente tido como histórico e despreza todo o resto, precisamente onde talvez poderia ser encontrada a verdadeira explicação dos factos, das coisas, da puta realidade.
José Saramago, A viagem do elefante

Para as reflexões sobre uma ética da história em José Saramago, dois textos são fundamentais: “Sobre a invenção do presente”, publicado no Jornal de Letras, Artes e Ideias em fevereiro de 1989, e dez anos mais tarde com outro título, o aqui utilizado “O tempo e a história”; e “História e ficção”, também aparecido no Jornal de Letras, em março de 19901. É a partir do exame desses textos que a leitura aqui apresentada se desenvolve. A ética da história segundo Saramago se estabelece a partir de uma crítica à noção de “fim da história” e rivaliza, no âmbito do seu pensamento e, por conseguinte, da sua literatura, com o debate acerca das relações entre ficção e história. Para o escritor, é problemática a compreensão da história como “uma espécie de consenso universal, um sistema de relações, que não se preocupa com questões de ordem ética” (Reis 1998, 88) porque se revela como outra estratégia das ideologias de domínio, que, no âmbito das sociedades do alto capitalismo, são um dos fatores da nulificação das vidas.

Essa é uma preocupação que se sustenta por pelo menos duas linhas: incomoda a Saramago, especificamente, certo papel ou visão tradicional da história e o caráter parcelar e parcial que sempre questiona, inclusive pelas escolhas figurativas estabelecidas no âmbito da sua ficção – é nesta que se situa especificamente uma possibilidade de compreender o que agora nos interessa. A outra linha abriga a extensa bibliografia que discute a literatura saramaguiana de cariz histórico (desde suas peças para o teatro, algumas de suas crônicas, passando aos romances que se apropriam de alguma figura, circunstância ou episódio histórico): interessa ao escritor descobrir a natureza do acaso, sempre revelada como parte de uma série de conexões entre as coisas do passado e do presente que aparentemente não guardam uma afinidade visível. Interessa ainda a José Saramago encontrar uma interpretação não para “o que foi”, mas sim, para “o que teria sido”, exercício este que lhe permite se infiltrar nos acontecimentos e renová-los a partir de uma perspectiva capaz de examinar, pela criação imaginativa, apagamentos, negações, silêncios, lacunas e incongruências da história.

O interesse de José Saramago para com a história encontra-se marcado, entre suas primeiras inclinações, pelo papel que esta desempenha numa sociedade para a qual a verdade e o fato de grandiloquência são sempre convocados pelos aparelhos ideológicos de Estado. Mais especificamente, trata-se da história derivada das máquinas de propaganda dos estados totalitários, como o salazarismo, que se valem de determinados eventos e figuras canônicos. Esse instrumento de propaganda, universal e a-histórico, encontra um impasse entre o que afirma e o que deixa vislumbrar a perspectiva dos subalternos, visto que estes não aparecem como protagonistas no circuito da oficialidade, e isso é o que o escritor designa como o “caráter parcelar da história”. Quer dizer, não é apenas a natural impossibilidade de contar a realidade em seu mínimo detalhe, como se justifica na derrocada de uma utopia realista, mas a adoção de um ponto de vista opressor e, muitas vezes, propositalmente excludente.

Outra dimensão desse interesse é o conceito de tempo. O ensaio “O tempo e a História” problematiza a questão a partir de uma provocação sobre o “agora” com que se define o presente. Os pontos de inflexão são duas definições, a de um “célebre gramático francês, Nicolas Beauzée”, que no século XVIII demove o passado e o futuro em nome de uma perenidade do presente, e a dicionarizada por Aurélio Buarque de Holanda, segundo a qual este é “o período de tempo, de maior ou menor duração, compreendido entre o passado e o futuro”. Para José Saramago, é admissível por praticidade da comunicação a utilização de “uma noção de presente entendido como tempo actual (o que ocorre no agora)”, mas, ao se colocar em relação com o tempo, encontra apenas no “vivido” e no “por viver” as duas formas temporais coerentes – nesse sentido, o que designamos como “presente não seria, portanto, mais do que […] um cursor deslizando ao longo duma escala, e esse cursor caracterizar-se-ia por não ser, sequer, mensurável, não mais que um ponto móvel, infatigável, uma luz que corre para as trevas e deixa atrás de si as trevas” (Saramago 1999, 5).

Se bem notamos, a interpretação levantada por José Saramago rediz a de Beauzée, pelo que é negado nessa: afinal, para o escritor português, se o futuro é o “por vir”, portanto “incerteza”, também inexiste como tocável. Logo, o que resta é apenas o passado. Antecipando, podemos assim dizer, o que observa Michael Löwy sobre a noção de “tempo-de-agora” em Walter Benjamin: “A revolução do presente se alimenta do passado” (Löwy 2005, 120) – perspectiva, nota-se, bastante cara ao pensamento saramaguiano agora em análise. Também para o nosso ensaísta de ocasião, “a invenção do presente dependeria, acima de tudo, da possibilidade duma reinvenção do passado” (Saramago 1999, 5). Para o autor, é no presente que se pode explicar o passado e nele estabelecer as diretrizes para um futuro liberto do circuito da repetição: “Um presente assim inventado, sobre os dados novos ou renovados do passado”, diz-nos, “orientar-nos-ia para um futuro seguramente diferente do que parece prometer-nos este preciso momento em que vivemos.” (Saramago 1999, 5).

Mas não é que o escritor negue o futuro; ele questiona a maneira como este foi convertido em tempo principal, isto é, o futuro como o tempo prometido. Enquanto projeção positiva, esse modelo é paralisante e útil à sociedade do consumo, onde qualquer força se converte em mercadoria. Na fábula capitalista, é o novo reino dos céus: sem a presença do passado porque ignorado, e mesmo do presente porque vivido sem interrogação, como um “todo continuum”, sobra o indivíduo alienado, submetido aos mecanismos e dogmas da engrenagem do mercado, auspicioso de uma miragem (aspecto que o próprio José Saramago investiga em A caverna). Em parte, isso justifica como se instaurou o mal universal das sociedades contemporâneas: a crise como um imperativo espectral, isto é, não mais ponto, mas sim um contínuo na história.

Nesse curso, outra metáfora saramaguiana parece esclarecer melhor o que aqui se figura como o presente enquanto movimento do tempo, e certa contradição surge no referido ensaio quando a pergunta “para onde vai o tempo?” é respondida com uma ideia de imobilidade: “O tempo não vai para nenhum lugar, o tempo fica no tempo.” (Saramago 1999, 5). Trata-se da metáfora formulada nos diálogos com Carlos Reis, “do tempo como uma tela gigantesca, onde está tudo projectado (o que a História conta e o que a História não conta)” (Reis 1998, 80). Nesse sentido, passado, tempo e história mantêm alguma equivalência, a grande tela na qual tudo se inscreve e se move, as instâncias fora das quais nada existe. Para o ensaísta, “o passado é tempo informe” e é do historiador a tarefa de “fazer do passado história”. A natureza “informe” do passado, por sua vez, garante à história seu inacabamento. Tal perspectiva reitera o que Michael Löwy afirma ao comentar o conhecimento de Walter Benjamin acerca da História da Revolução Russa, de Trótski, livro que provavelmente também esteve entre as leituras durante a possível formação marxista de José Saramago: “O movimento da história é necessariamente heterogêneo – desigual e combinado, diria Trótski” (Löwy 2005, 116). Esclarece-se, assim, a noção de ser a história “parcial” e “parcelar”.

Na dimensão temporal, admite-se a existência do presente como o intercurso para um passado reinventado ou o futuro. Para Saramago, nossa relação com o tempo é uma relação histórica e por isso o conceito de fim da história o indigna. Essa morte prefigura a negação da experiência e, por conseguinte, nosso desaparecimento enquanto entidade subjetiva. Também se ignora aqui certa noção de progresso da história – no sentido estabelecido desde nossa consciência sobre a tradição; apesar de admitir que “a História não tem mais do que andar em frente”, Saramago não esquece que “este sentido de direcção” é “problemático” (Reis 1998, 88). Sob este ponto de vista, questionar o passado é resultado de uma mudança da nossa ideia sobre o tempo; o progresso, nesse sentido, pode ser lido como “modificação”, tal como postula Octavio Paz acerca da tradição e de uma consciência sobre a tradição: “Ao mudar nossa imagem de tempo, mudou nossa relação com a tradição. Ou melhor, pelo fato de ter mudado nossa ideia de tempo, tivemos consciência da tradição”; e quem sabe “que pertence a uma tradição já se sabe, implicitamente, diferente dela, e esse saber o leva, mais cedo ou mais tarde, a questioná-la e, às vezes, a negá-la.” (Paz 2013, 21).

Encontramos em Karl Marx2 pressupostas as bases sobre as quais se fundamenta a concepção de história formulada por José Saramago, isto é, a possibilidade do indivíduo se produzir enquanto sujeito – não no sentido de entidade submetida, mas decisória no interior da sua coletividade – tal como nota Agamben: uma concepção marxista da história “é certamente inconciliável com a concepção aristotélica e hegeliana do tempo como sucessão contínua e infinita de instantes pontuais” (Agamben 2012, 119). O conceito de história de Walter Benjamin é aqui fundamental e justifica o que chamamos de interesse do escritor português pelas revoluções enquanto pontos na história que se configuram como momentos autênticos pela força com que desfazem a repetição na descontinuidade. Se voltarmos outra vez à metáfora do tempo como uma gigantesca tela, descobrimos uma noção que ignora o tempo enquanto dimensão objetiva e subtraída do nosso controle, em que as ideias de perenidade e de inapreensibilidade são substituídas pela diversidade de tempos como experiência libertadora; diríamos que Saramago distingue cronos e kairos, “tempo histórico ‘pleno’, em que cada instante contém uma chance única, uma constelação singular entre o relativo e o absoluto” (Löwy 2005, 119).

Contribuíram para uma revisão do ponto de vista de José Saramago3 o contato com outras duas fontes ricamente evidenciadas e discutidas no âmbito dos estudos saramaguianos: a escola dos Annales, a Nouvelle Histoire e a tradição do romance histórico português. O primeiro dado é referido pelo próprio escritor; trata-se de um encontro que se estabelece a partir das duas inquietações aqui examinadas: a história como kairos e o interesse em “compreender como se ligam as coisas todas que não têm (ou que parecem não ter) nada que ver ali: Auschwitz ao lado de Homero, por exemplo; ou o homem de Néanderthal ao lado da capela Sistina” (Reis 1998, 80). A primeira fonte é extremamente valiosa porque, aqui, o escritor se encontra nos propósitos dessa corrente historiográfica, que, segundo Peter Burke (1997), serviu para substituir a tradicional narrativa por uma “história-problema” e abriu a história para além da história política. Essa perspectiva alcança José Saramago no trabalho de tradução que exerceu entre o final da década de 1950 e o início da década de 1980, quando se dedica a verter para português, quase sempre do francês, várias obras da literatura, da história, história da arte, história de costumes, educação e variedades. Esse período é importante porque significou a sedimentação pela compreensão de novos conhecimentos que acompanha o escritor numa errância da formação; além de uma formação do intelectual, o trabalho de tradução, nota-se, interfere profundamente no desenvolvimento de sua estética e na maneira como elaborará os usos da história para sua ficção. Especificamente sobre os impasses entre essas duas dimensões discursivas, está o contato com O tempo das catedrais, de Georges Duby, cuja tradução de José Saramago é publicada em 1988. A propósito dessa obra, dirá o escritor: “Aí pude ver como é tão fácil não distinguir o que chamamos ficção, e o que chamamos história.” (Saramago 2010, 21).

A atenção dada aos anônimos, a história como “uma arte essencialmente literária”, o discurso histórico como interpretação marcada pelo ponto de vista subjetivo e, por conseguinte, o passado como uma constante invenção do presente, são alguns dos pontos consumidos na prática literária saramaguiana – nas conhecidas obras que se apropriam de figuras e situações da história – e discutidos ao longo do ensaio “História e ficção”. Ao recuperar o contato na juventude com dois romances, Viagens na minha terra, de Almeida Garrett e Viagens ao redor do meu quarto, de Xavier de Maistre, o ensaísta revisita a questão do tempo pela sua “informidade” e avança com a ideia da “História como ficção”, formulação que examina não para concluir cegamente com um conceito inconteste de equivalência entre dois termos que sabemos distintos, mas sim para problematizá-los, dialeticamente, isto é, discutir os procedimentos do historiador e os do ficcionista a fim de compreendê-los como partes de um mesmo interesse acessado por vias distintas: a primeira submetida ao tratamento da interpretação documental e a segunda interessada pela “grande zona de obscuridade” não acessada pela história. No mais, a tarefa da história e do romance nela interessado deriva de uma atitude “perante um imenso tempo perdido” e são “viagens através daquele tempo, tentativas de itinerários”, “com um só objectivo, sempre igual: o conhecimento do que em cada momento vamos sendo” (Saramago 1990, 20). Especificamente sobre a distinção de sua literatura a partir da perspectiva do romance histórico português, Saramago acrescenta, portanto, a noção de movimento pendular feito de entradas e saídas do passado. Pressupondo que o romancista histórico se dedica exclusivamente ao tempo decorrido, ignorando o tempo em que ele vive, José Saramago declara: “eu faço o possível para não me esquecer que entre o tempo de que falo e o tempo em que vivo houve um outro tempo de que sou também produto, sou filho desse tempo.” (Saramago 2022, 41)4.

Neste ensaio, José Saramago estabelece claramente sua crítica às visões ortodoxas da história ao confrontá-las com sua leitura recente de outros historiadores da nova história, especificamente Georges Duby – “aquele imaginar que antes fora considerado o pecado mortal dos historiadores positivistas e seus continuadores de diferentes tendências” entra em declínio, ou pelo menos se abre ao questionamento quando o historiador utiliza um recurso de escrita derivado da forma fabular, “Imaginemos que…”, tratamento em que subjaz “a consciência da nossa incapacidade final para reconstituir o passado” (Saramago 1990, 19). No caso do ficcionista, essa dificuldade pode se resolver pela tentativa de correção. É essa uma atitude que contraria certo respeito pela preservação intacta do lacunar. Com os recursos da imaginação, capturáveis nas vidas próximas, as dos anônimos em tempos diversos, é possível restabelecer uma presença para a ausência – procedimento que logo nos remete ao tratamento do Sr. José, personagem de Todos os nomes, no estabelecimento para a história de uma existência da mulher desconhecida5. Convocar todos à presença é uma experiência que se manifesta variadamente na ficção saramaguiana; para citar outro exemplo, registre-se o esplêndido desfecho de Levantado do chão, quando vivos e mortos celebram a chegada de um novo tempo pós-opressão, o da libertação dos camponeses do jugo dos latifundiários e o do povo português da ditadura. Esse recurso encontra justificação no conceito teológico de apocatástase recomposto por Walter Benjamin: “aplicar novamente uma divisão a esta parte negativa, inicialmente excluída, de modo que a mudança de ângulo de visão (mas não de critérios!) faça surgir novamente, nela também, um elemento positivo e diferente daquele anteriormente especificado.” (Benjamin 2009, 501). Essa ideia benjaminiana é fundamental para a compreensão do que Saramago sustenta como “correção” do passado: “Quando digo corrigir, corrigir a História, não é no sentido de corrigir os factos da História, pois essa nunca poderia ser tarefa do romancista, mas sim de introduzir nela pequenos cartuchos que façam explodir o que até então parecia indiscutível […].” (Saramago 1990, 19).

Na literatura de José Saramago, a ficção e a história se organizam sempre em conflito por meio dos recursos de natureza subversiva – quais sejam os da ironia, os da carnavalização, os da paródia etc. –, “o que, não significando desorganização duma e outra, pretende ser uma reorganização de ambas” (Saramago 1990, 20). Além de ampliar o conceito de “correção”, o confronto entre história e ficção justifica o vínculo com o romance histórico, modelo que atua por tratamentos como a “reconstrução” ou o “restabelecimento” pela via da própria história. Ora, coadunam-se o plano criativo e o intelectivo, visto que os conceitos de tempo e de história discutidos nos dois ensaios aqui examinados se firmam por esse princípio. E a história é encarada como via de mão dupla, a do historiador que parte do indício, por vezes ficcional, para o factual, e a do ficcionista, que parte do factual para o ficcional. Esse percurso, entretanto, não é um circuito fechado, nem exclusivamente administrado por um sentido único para o historiador e para o ficcionista. Como “expressões da mesma inquietação dos homens”, romance e história “do mesmo modo que tentam desvendar o oculto rosto do futuro, teimam em procurar, na impalpável névoa do tempo, um passado que constantemente se lhes escapa e que hoje, talvez mais do que nunca, quereriam integrar no presente que ainda são” (Saramago 1990, 20).

Ao revisitar suas impressões diante dos historiadores da nova história, José Saramago detecta neles parte de sua insatisfação como romancista que busca na historiografia respostas para eventuais impasses do passado e do presente. O que caracteriza como imaginação do historiador a partir do que vislumbra no texto de Georges Duby, é o seu abandono da antiga relação com os fatos da História, da “sujeição resignada ao império em que se tinham constituído”; seu raciocínio sobre o valor da invenção para o campo da historiografia finda com uma provocação às acusações de uma crise da história enquanto ciência: “[…] sempre será melhor ciência aquela que for capaz de me proporcionar uma compreensão duplicada: a do Homem pelo Facto, a do Facto pelo Homem.” (Saramago 1990, 20). Essa consideração resulta numa parte essencial do que inicialmente chamamos de uma “ética da história” saramaguiana. Falaremos no desenvolvimento dos últimos parágrafos desta leitura.

Além de Georges Duby, o ensaio “História e ficção” recorre a outros historiadores que, de alguma maneira, contribuíram para a formação de um conceito saramaguiano de história ou para a compreensão e revisão do escritor sobre o tema. É-lhe exemplar a atitude de Max Gallo, que “resolveu um dia começar a escrever romances históricos por uma necessidade de equilibrar pela ficção a insatisfação que lhe produzia o que considerava uma impotência real para expressar na História o passado inteiro” (Saramago 1990, 19); Benedetto Croce, para quem, segundo o ensaísta, “[t]oda a História é história contemporânea”; e Fernand Braudel, a quem vai buscar uma sentença sobre o interesse da história para dizer qual o do romance. A retomada dos termos de Croce recorda a subversão dos modos temporais designados em “O tempo e a história”, isto é, “tudo provavelmente” é história. Por isso também parece redundante a Saramago a designação de “romance histórico” para se referir àquelas criações que se interessam pelos conteúdos da história; como refere, “toda ficção literária (e, em sentido mais lato, toda a obra de arte) não só é histórica, como não pode deixar de ser” (Saramago 1999, 5). É notório que essa percepção saída dos limites originais em que a questão está circunscrita – a do romance histórico – resulta um tanto reducionista porque iguala a história a um todo temporal ou lhe atribui uma função totalizadora. Ao redizer Braudel substituindo, no seu conceito, o termo história pelo termo romance, que estes não são outra coisa “que uma constante interrogação dos tempos passados, em nome dos problemas, das curiosidades, e também das inquietações e angústias com que nos rodeia e cerca o tempo presente” (Saramago 1990, 20), Saramago repara, de alguma maneira, a incongruência daquela afirmativa. Afinal, história e romance são dois modos de inteleção dos acontecimentos e no caso específico do assim chamado romance histórico, tratamos “de um discurso que, em sua execução e propósitos, se revela organizador da História por intermédio do ficcional” (Cerdeira 2018, 28).

Ao evidenciar seu contato com o Almeida Garrett de Viagens na minha terra para registrar o valor diverso da viagem (enquanto tema que resultou no explicitado Viagem a Portugal e, enquanto modo, no interesse pela história como matéria para sua ficção), José Saramago oferece algum esclarecimento do seu convívio com certa tradição do romance histórico em Portugal: tomando como seu paradigma Fernão Lopes – “um paradigma onde o ser social do escritor e a pulsão de uma voz individual se deu pela vez primeira na tradição literária do idioma” (Costa 2020, 93); de Camões, a evidenciação do pormenor como imagem acutilante no grande quadro épico; de Garrett, mais que o título de um livro de viagem que mal se situa nos propósitos editoriais para a sua composição – ser um catálogo ou um roteiro turístico por Portugal – Saramago herda o interesse pelo corriqueiro e o traço estilístico para a digressão; a postura ideológica de Alexandre Herculano; e o esquema formal de Eça de Queirós, seja na crítica e na ironia (Costa 1996). As evidências dessas relações literárias dizem a inquietação de Saramago que resultará no contato com as leituras da nova história e o estabelecimento das perspectivas que aqui examinamos e resultaram, por conseguinte, numa renovação, na literatura portuguesa, das relações assumidas entre o literário e a historiografia. Para Carlos Reis, este “novo romance histórico” supera o legado oitocentista por abandonar a “contemplação idealizada” da história (Reis 1996, 28). E isso é possível por dois deslocamentos convergentes, partes no interior de uma relativização do conhecimento: a história não se satisfaz com certo imperativo da verdade inconteste e tampouco a ficção como sua oposição negativa.

Esses nomes da literatura portuguesa contribuem para o desenvolvimento, em José Saramago, do interesse em reparar no pormenor da história e na “arraia miúda” – é extensa a galeria de trabalhadores comuns no papel de protagonistas de seus romances: escritores, agricultores, empregadas domésticas, donas de casa, balconistas, cuidadores de animais, professores, operários, funcionários de repartição, revisores, artesãos, médicos, músicos, guardas, jornalistas, prostitutas, soldados, etc. Horácio Costa (1996) evidencia o papel fundamental do contato com a obra de Alexandre Herculano para o desenvolvimento de uma postura ideológica do autor de História do cerco de Lisboa, romance que num claro intertexto com A ilustre casa de Ramires, abre a caixa de máquinas do enredamento da histografia e da ficção; é Herculano, autor de uma literatura que se faz pela inspiração nos modelos da ficção histórica de Walter Scott, quem primeiro oferece, ao mudar o plano de focalização para o papel das classes médias na história da nação portuguesa, uma leitura moderna de Portugal. Soma-se a isso o “respeito pelo exercício da ficção, como exemplo de uma modalidade do discurso da verdade e como forma de compreender e desvelar o complexo funcionamento interior da história” (Costa 1996, 101).  Em Saramago, isso se amplia na sua leitura do passado, e, por conseguinte, da história “como algo radicalmente necessário aos homens de hoje para que eles possam conhecer-se melhor” (Saramago 1990, 20), sendo esta consciência formada do presente e não da sua evasão, tampouco da negação da história.

Busca contínua, dentro e fora do seu projeto literário, o conceito saramaguiano de história se articula num diapasão que se firma desde o interior das pretensões cientificistas herdadas do século XIX, as quais produziram seu impacto em toda a cultura ocidental, e avança, ora por força do natural ceticismo, ora pelas margens dos imprecisos limites assumidos entre o ficcional e o histórico, resultando, enfim, numa compreensão que privilegia a atitude historiográfica como uma aventura crítica do saber. O ensaísta manifesta o seu interesse pela batalha de Austerlitz, mas sobretudo em saber “como era aquela paisagem, se haveria casas por ali, quem vivia nelas, que histórias foram as das pessoas que tiveram de fugir para deixar despejado o campo onde os soldados iam travar a batalha de que viria a depender, ou não, a História da Europa, ou do Mundo” (Saramago 1990, 20); a história é o grande acontecimento, a irrupção na malha do tempo, mas também o é o pormenor, muitas vezes indispensável para o que se estabelece fora do documento; é este e não outro o sentido assumido em História do cerco de Lisboa, quando a alteração involuntária do fato se abre como possibilidade para que Raimundo Benvindo Silva fabule o miúdo da história; como ao revisor, interessa a José Saramago a compreensão “das inúmeras e ínfimas histórias pessoais, desse tempo angustiosamente perdido, o tempo que não retemos, o tempo que não aprendemos a reter como aquilo que é também: uma parte de nós próprios” (Saramago 1990, 20). E isso só se mostra possível por uma atitude refrativa que assumimos perante o passado. Para nos centrarmos no caso do romance citado, são as inquietações do cerco amoroso vivido entre Silva e Maria Sara que resultarão na sua releitura do episódio do histórico cerco a Lisboa. A acentuada subversão conduzida pelo escritor nesse romance, alinhavando o individual ao coletivo, o trivial ao excepcional, esclarece pela ficção uma dinâmica da história que se assume liberta das armaduras fabricadas à revelia das práticas do saber, ou pelo menos da burocratização de tais práticas, circunscritas no limite da nossa própria condição.

Parece então essencial esclarecer o que chamamos de uma ética saramaguiana da história, que se funda não numa instituição da história, mas na atitude do homem na relação que constitui com o tempo e com o outro. Em “História e ficção”, ao relacionar o trabalho do ficcionista ao do romancista, José Saramago compreende seus princípios comuns: selecionar fatos e organizá-los de uma maneira coerente. As decisões são exercidas “quase sempre, sobre um consenso ideológico e cultural”: escolher e organizar são atitudes que se estabelecem a partir de uma variedade de fatores, não somente de um ponto de vista. Mais precisamente, um ponto de vista fala sempre “em nome de classe ou de Estado, ou de natureza política conjuntural, ou ainda em função e por causa das conveniências duma estratégia ideológica que necessite, para justificar-se, não da História, mas duma História” (Saramago 1990, 20). Esse papel sobreleva a responsabilidade da atividade do historiador porque o que conta e o que silencia são essenciais na memória coletiva dos povos. Entretanto, a competência do romancista que se interessa pela história não lhe é inferior, simplesmente porque, para o ensaísta:

[…] se a leitura histórica, feita por via do romance, chegar a ser uma leitura crítica, não do historiador, mas da História, então essa nova operação introduzirá, digamos, uma instabilidade, uma vibração, precisamente causadas pela perturbação do que poderia ter sido […]. (Saramago, 1990, 20)

E isso é talvez “tão útil a um entendimento do nosso presente como a demonstração efectiva, provada e comprovada do que realmente aconteceu” (Saramago 1990, 20). Nos dois casos, o ensaísta convoca a necessidade de uma ética moral fundada nas transformações essenciais só possíveis se pautadas numa posição ativa do homem e no seu compromisso com o coletivo. No caso do “historiador perfeitamente consciente das consequências político-ideológicas do seu trabalho”, sua prática incide em quem se destina: “o historiador surge como criador de um mundo outro, ele é aquele que vai decidir o que do passado é importante e o que do passado não merece atenção” (Saramago 1990, 20). Assim, o primeiro pilar da dimensão ética da história deve ser o compromisso com a leitura do passado em nome de um futuro outro.

Ao atribuir ao plano da ficção a proposta de uma nova verdade – talvez mais verossímil e, portanto, mais autêntica e aceitável que a versão da história –, verdade centrada sob outro ponto de vista, nascido no longo silêncio dos oprimidos, José Saramago cobra da história uma revisão da primeira atitude que a distingue como história, a de questionadora das suas verdades ou dos valores institucionais que a determinaram como verdade única, inviolável, inquestionável e universal. Resulta problemática, nesse sentido, a história que ignora o papel daquilo que o escritor chama de “vidas desperdiçadas” e, direta ou indiretamente, o papel por elas exercido na tessitura de uma ordem e numa memória coletivas.

Ao reclamar uma ciência que atenda “o Homem pelo Facto” e o “Facto pelo Homem”, se recobra a visão ampla da história e estabelece sua dimensão como produto de uma dialética do convívio entre o homem e os acontecimentos; para Saramago, como exímio ficcionista, os documentos não falam por si. Todo o passado é grande silêncio que, paradoxalmente, interfere sonoramente no presente, mas suas vozes só são reveladas pelas vozes dos vivos. Ao se referir à atitude de Max Gallo de se imiscuir na prática de ficcionalização como alternativa compensatória à impotência de abraçar uma totalidade da história, José Saramago restaura não apenas a invenção como espécie de consolo das nossas impossibilidades, mas o potentado da imaginação, como engenho que nos trouxe até aqui porque capaz de construir os complexos sistemas de inteleção que resultam fundamentais ao andamento da nossa coletividade. Tudo o que nos rodeia, e, talvez, a matriz do que chamamos realidade, é parte desse esforço. Portanto, se mesmo a existência é produto de nossa invenção, a história sem imaginação é a mais irrisória das nossas aporias. A tentativa de subtrair dela a criatividade, colocando o fato como rebento bruto e limpo em oposição à ficção, é ignorar seus protagonistas e suas dimensões da historicidade, fundadas, para bem ou para mal, pelas nossas mãos. Quer dizer, não falamos do caso simples da invenção indissociada da natureza humana, mas do nosso papel no estabelecimento, funcionamento e utilização dos sistemas, neles incluídos o tempo e a história, da nossa civilização. Para José Saramago, uma ética da história se assume quando compreendemos a história como campo de reconhecimentos; enquanto um ato de sinceridade, denunciando e renunciando certa pretensão totalizadora e objetiva dos documentos, o que significa “assumir o fracasso do sonho cientificista de plenitude do conhecimento” (Cerdeira 2018, 27) e se desvencilhar da custosa interpretação de que povos e culturas se organizam por graus de superioridade.

Movimento incessante, a história também não é uma instituição. Ainda na relação entre tempo e história e no uso da viagem como metáfora das entradas do historiador no tempo recomposto e sempre limitado pelo fato, entende o ensaísta que “graças a visões novas, a novos pontos de vista, a novas interpretações, [o historiador] irá tornando sucessivamente mais densa a imagem histórica que do passado [ele] vinha nos dando” (Saramago 1990, 19). Essa imagem, entretanto, parece um tanto limitada porque fixada numa ideia de história como repositório modificado pela presença do historiador; o autor se desfaz da dialética própria de qualquer movimento que tenha o homem num dos polos, além de contradizer certa noção de variabilidade da história pressuposta pela variabilidade do presente. De toda a maneira, se vislumbra uma noção de história outra, articulada pelo desassossego e as circunstâncias da vida coletiva, destituída da força do dogma e interessada numa forma relacional.

Até aqui, situamos como se estabelece um pensamento saramaguiano sobre o tempo, a história e uma dimensão ética da história. Articulamos essa discussão com dois ensaios-base, lidos como exemplos paradigmáticos das modificações da percepção do escritor em relação às matérias aqui tratadas. Vez ou outra recorremos a situações esparsas da sua ficção a fim de fornecer algumas diretrizes que apontem para uma prática do que se entrevê na leitura crítico-teórica do escritor, não querendo, afinal, reivindicar para si outra posição que a já estabelecida pela sua presença no cânone literário português. Outras abordagens assumidas a partir das leituras desses romances certamente chegaram às conclusões aqui estabelecidas acerca de uma crítica saramaguiana da história. Mas o movimento que experimentamos nesse exercício de interpretação procurou dar a conhecer as bases do que se demonstra de maneira irrefutável na literatura de José Saramago. É sobre isso que nos referimos com o termo “pensamento”, algo mais que uma “perspectiva” ou uma “prática” porque enraizado no interior das convicções, das ideias, dos juízos, e, portanto, não obrigatoriamente ligado à criação. É possível que as leituras saramaguianas sobre o tempo e a história se fundam numa diretriz tomada a partir de uma posição do leitor de sua própria obra. Efetivamente, os dois ensaios datam de momentos imediatamente posteriores ao da publicação de romances como Levantado do chão, Memorial do Convento, O ano da morte de Ricardo Reis e História do cerco de Lisboa, aparecendo assim como respostas ao que a crítica classificava de sua predileção pelo romance histórico. O mais notável é a confluência entre o pensamento e a atitude criadora, ficando as contradições restritas à maneira como muitas vezes formula ou organiza seu pensamento, quase sempre marcado por uma exaltação imperativa que lemos como uma alternativa retórica de demonstrar no discurso sua posição.

Findamos, constatando que o pensamento saramaguiano sobre o tempo, a história e uma dimensão ética da história se fundam numa atitude reivindicativa que se faz notar não apenas nos textos referidos, no seu romance ou no teatro de cariz historiográfico. Em todos os casos, não se trata de escamotear a feitura do acontecido, mas de rever, de outro ângulo, a fim de possibilitar novas significações para a história. É dessa maneira que sua ficção se coloca como aparelho outro de olhar a história. Além disso, a ficção indica como a história é tomada enquanto possibilidade para repensar criticamente o presente e, consequentemente, o futuro. Dentro ou fora do discurso histórico, a ética saramaguiana é a da renovação pelo questionamento.

Bibliographie

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____________ Literatura e compromisso: textos de doutrina literária e de intervenção social. Belém: Ed.ufpa; Lisboa: Fundação José Saramago, 2022.

Notes

1 Assim como o primeiro texto, este sofreu algumas revisões. Sua primeira versão intitulada “Contar a vida de todos e de cada um” foi lida numa conferência na Feira do Livro de Oslo, em outubro de 1995; Saramago reproduziu esse texto no terceiro tomo dos seus diários. Depois, com o título da publicação no Jornal de Letras, Carlos Reis acrescenta-o à seleta de ensaios e intervenções Literatura & Compromisso (2022). As versões utilizadas nesta leitura são as referidas no texto. Retour au texte

2 Sobre a concepção de história em Karl Marx, ver o texto de Roberto Nunes Junior, “O conceito de história em Karl Marx”, publicado na Griot: Revista de Filosofia (ver bibliografia no final do texto). Os caminhos aqui apontados para pensar em relação os conceitos de história entre José Saramago e o pensador alemão partem especificamente da leitura do texto aqui recomendado. Retour au texte

3 Numa primeira versão das reflexões aqui construídas em torno de “O tempo e a história” e “História e ficção”, observamos que o desenvolvimento de uma ética saramaguiana da história principia pela noção de verdade e totalidade do acontecimento, isto é, as mesmas bases de certa concepção positivista, segundo a qual o historiador é autor da voz do passado. Na ocasião, contribui para compreensão dessa modificação do ponto de vista de José Saramago a crônica “As memórias alheias”, publicada entre finais de 60 e finais da década seguinte, e depois recolhida em A bagagem do viajante. Nesse texto, o cronista recorda seu fracasso, não conseguindo fazer um levantamento dos envolvidos no levante de implantação da república, no 5 de outubro de 1910, simplesmente porque os documentos oficiais, o fundamento da voz do historiador, possuem suas lacunas. Retour au texte

4 A compreensão é desenvolvida numa entrevista de José Saramago a Horácio Costa de 6 de novembro de 1985 e só publicada em 2022. Na discussão sobre o tema do romance histórico e, por conseguinte, dos impasses entre ficção e história, e a natureza do tempo, o escritor emprega a metáfora da viagem: “o meu romance histórico entendido como tal, e cá está, no fundo trata de fazer na história apenas uma pequena viagem, a minha própria.” (Costa 2022, 44). Essas entradas na história pressupõem que essa só se alcança por aproximação: “uma hipotética acumulação de viagens destas, quer no espaço, quer no tempo, poderia aproximarmos, enfim, provavelmente não duma visão sintetizadora, porque quanto menos soubermos, mais fácil se torna a síntese. E quanto mais soubéssemos, menos, ou talvez a síntese não seja possível sequer, ou talvez não seja necessária...” (Costa 2022, 44). Retour au texte

5 Neste romance, o protagonista, funcionário do registro civil, se dedica às buscas por uma mulher desconhecida, cuja primeira informação da sua possível existência aparece ao acaso enquanto o Sr. José investiga nos arquivos da instituição figuras para uma coleção particular com informações sobre famosos. O itinerário das suas investigações resulta na possibilidade de constituição da história sobre a mulher das suas buscas. Todos os nomes é um dos romances de José Saramago que melhor significa a noção de história enquanto matéria feita das subjetividades de seus agentes. Retour au texte

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Référence électronique

Pedro Fernandes de Oliveira Neto, « José Saramago e os princípios de uma ética para a história », Reflexos [En ligne], 7 | 2023, mis en ligne le 21 avril 2023, consulté le 24 avril 2024. URL : http://interfas.univ-tlse2.fr/reflexos/1571

Auteur

Pedro Fernandes de Oliveira Neto

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

pedro.neto@ufrn.br

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