Panorama do ensino da língua portuguesa no Chile: uma experiência com alunos da graduação em Linguística Aplicada à Tradução na Universidade de Santiago

Résumés

O trabalho expõe algumas questões presentes da realidade educacional do Chile, nomeadamente a respeito da Língua Portuguesa, bem como apresenta as dificuldades constatadas quanto ao ensino e à aprendizagem de tal língua na graduação em Linguística Aplicada à Tradução na Universidade de Santiago do Chile - USACH. Ademais, apresentamos algumas crenças de estudantes chilenos concernentes à aprendizagem e ao uso da língua portuguesa por se tratar de uma língua próxima ao espanhol para alunos que terão o português para fins de tradução. Tendo em conta a pesquisa efetivada, os resultados indicam para a importância de implementação de uma política linguística e uma revisão dos programas de língua portuguesa da graduação em Linguística Aplicada à Tradução.

The paper touches on some current issues of the educational reality in Chile regarding the Portuguese Language, as well as the difficulties concerning the teaching and learning of the Portuguese Language at an undergraduate degree in Applied Linguistics to Translation in the University of Santiago of Chile - USACH. In addition, given that Portuguese is a language close to Spanish, we also present some beliefs of Chilean students who study Portuguese for translation purposes. Taking into account the research carried out, the results indicate the importance of implementing a linguistic policy, as well as and a revision of the existing Portuguese language programs of the Applied Linguistics to Translation.

Plan

Texte

Introdução

O ensino da língua portuguesa como língua estrangeira no Chile se apresenta num panorama complexo, tendo de “competir” com a língua inglesa. Isso se comprova quando verificamos os programas de ensino de língua estrangeira, há um monopólio e uma dependência de modelos oriundos dos Estados Unidos e da Inglaterra. Entendemos evidentemente que o inglês e também o francês são línguas com longa história no sistema educacional no país, mas que, nos últimos tempos, o inglês abarca os currículos educacionais e se tornou a única língua estrangeira na maioria dos estabelecimentos de ensino do país.

O português, como veremos, é ensinado em alguns institutos ou cursos livres e num contexto particular num programa de formação de tradutores onde essa língua representa uma saída profissional na graduação em Linguística Aplicada à Tradução na Universidade de Santiago do Chile.

Assim, para dissertarmos sobre o ensino do português no Chile, considerando os objetivos indicados neste artigo, conjecturamos conveniente contextualizar, na primeira parte, alguns aspectos históricos e linguísticos, e pretendemos discorrer acerca dos fatores que podem ter levado à presença do português no país. Posteriormente, na segunda parte, descrevemos nossa experiência em ensino de língua portuguesa para estudantes do curso superior em tradução, mencionando dados que orientam nossa discussão sobre o processo de ensino e de aprendizagem dessa língua na USACH. Na seção seguinte, na terceira parte, apresentamos uma reflexão para tentar compreender as crenças de estudantes chilenos em relação à aprendizagem dessa língua e, para concluir nossa discussão, apresentamos as considerações finais baseando-nos nos aspectos teóricos e práticos evidenciados no trabalho que ora se apresenta.

1. Cenário histórico e linguístico da Língua Portuguesa no Chile

O ensino da língua portuguesa no Chile é ainda bastante tímido. A princípio, podemos supor que isso ocorre em razão de aspectos geográficos. O Chile não é um país fronteiriço com o Brasil, país com maior número de falantes de português, ao contrário do que ocorre com a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, por exemplo, onde já há políticas para o ensino do português na educação pública nas escolas de ensino básico - no caso da Argentina, há os “professorados de português”, nomenclatura utilizada no país para se referir às licenciaturas de formação de professor de português, tanto em nível básico como superior. Pensando desse modo, no que se refere a aspectos geográficos, é possível que para o povo chileno não seja significativo o ensino/aprendizagem do PLE (Português Língua Estrangeira) não só por esse ponto de vista, mas também por ser considerada uma língua fácil (discutiremos adiante sobre essa questão).

Em contrapartida, os convênios com o Japão por intermédio da língua inglesa são mais acessíveis uma vez que ambos os países estão conectados pelo oceano pacífico e a ligação marítima é mais viável do que a terrestre. Conforme dados na página oficial do governo chileno1, são aproximadamente 80 tratados multilaterais com o Japão, sendo o primeiro de 11 de julho de 1888 e o mais recente de 12 de abril de 2017 que “promulga el convenio entre la República de Chile y Japón para eliminar la doble imposición con relación a los impuestos sobre la renta y para prevenir la evasión y elusión fiscal, y su protocolo”. Esse fato talvez explique em parte a relevância que a língua inglesa ocupa no país andino.

Para entender o ensino de PLE no Chile, é preciso mencionar um episódio histórico relevante, muito antes da criação do Mercosul2 em 1991: em 13 de maio de 1888, quando da abolição da escravatura no Brasil, no mesmo ano criou-se a Universidade Católica do Chile, instituição tradicional, sendo considerada uma das melhores da América do Sul, juntamente com a Universidade de São Paulo, que disputam, geralmente, o ranking de número um. Para Castro Neto et al. (2013) no artigo As Línguas do ABC: o antes e o depois do Mercosul na história do ensino de PLE na Argentina e no Chile e de ELE no Brasil3, “Pensamos aqui por que tal instituição [no caso, a Universidade Católica do Chile] e o Chile de forma geral não tinham nem têm tanto interesse como se espera(va) em ensinar o PLE. Prova disso, por exemplo, o Instituto Camões não tem, até hoje, uma representação nessa Universidade”. Quanto ao Instituto Camões, em 2016 instalou-se na Universidade de Santiago.

Outro aspecto mencionado pelos autores do artigo é ligado à geografia. Para eles, como o Chile não faz fronteira com o Brasil (na América do Sul, como sabemos, apenas este país e o Equador não são vizinhos dos Brasil), isso seria um dos fatores que possivelmente contribuiria para o não interesse na língua portuguesa. Para sustentar esse argumento, os autores citam que o país é isolado do resto da América do Sul: o Oceano Pacífico ao Leste, o Deserto do Atacama ao Norte e a Patagônia ao Sul. Assim, este seria um fator determinante pelo desinteresse pelo português.

No Chile em 1892, de acordo com Chagas (1967), o ensino de línguas estrangeiras foi totalmente reformulado com novos planos e arrojada concepção de ensino, o que colocaria o país como um dos primeiros na América do Sul em renovação pedagógica no que diz respeito ao ensino de idiomas, porém não contemplava o português. Para Contursi (2012), é preciso considerar que desde a criação de universidades, o acesso à cultura brasileira no Chile era só feito por meio dos artefatos dos museus que destacavam a fisionomia cultural da América do Sul. 

Por outro lado, na perspectiva cultural, a música brasileira está presente no país, o carnaval e as novelas são exibidos nos canais de televisão, e, por causa dos eventos no Brasil, a recém realizada Copa do Mundo e as Olimpíadas, o interesse pelo ensino de PLE está crescendo gradativamente. Nessa perspectiva, segundo Almeida Filho (2001) “é preciso desestrangeirizar” a língua portuguesa nos países hispânicos, de maneira que os dois idiomas (o português e o espanhol) dialoguem entre si e estabeleçam uma harmonia com vínculos mais fortes na América Latina. 

Frente a essas considerações iniciais, convém fazer um breve mapeamento do ensino da língua portuguesa. Existe o ensino da LP atualmente em algumas instituições da capital chilena, ministrado predominantemente por professores brasileiros. Assim, em nossa pesquisa, podemos destacar o ensino de PLE nas seguintes casas de estudo: na Universidade Católica do Chile, onde há cursos básicos de língua portuguesa (variante brasileira); na Universidade do Chile, por meio do leitorado do governo português, onde há cursos optativos (variante europeia) de língua e cultura; na Universidade de Artes, Ciências e Comunicação (UNIACC), em cursos optativos de algumas graduações; no Instituto Profissional Los Leones, no curso de Turismo bilíngue (inglês/português). Quanto aos cursos livres de português em institutos, destacamos dois: o Instituto Cultura Brasil, centro privado de idiomas que oferece curso de idioma português para executivos e empresas; e o Centro Cultural Brasil Chile, ligado à Embaixada do Brasil, que oferta cursos de diversos níveis de língua portuguesa. É de destacar a mais recente iniciativa de promoção da língua portuguesa: a instalação do Centro de Língua Portuguesa Camões no Chile que está localizado na Universidade de Santiago do Chile (USACH), tendo sido inaugurado no dia 12 de outubro de 2016, que além de oferecer cursos livres de português em vários níveis tem como objetivo criar programas de cooperação com vista ao aprofundamento dos estudos relativos à língua e à cultura portuguesa. Além desses locais, obviamente há outros, que se dedicam ao ensino do português, mas isso será para outro trabalho mais abrangente sobre o tema.

Feita essa explanação inicial, detemo-nos agora ao ensino da língua portuguesa na Universidade de Santiago do Chile, instituição onde trabalhamos.  Dessa forma, no âmbito chileno, delimitamo-nos a discorrer sobre o ensino da Língua Portuguesa que é ensinada na Licenciatura de Linguística Aplicada à Tradução nessa universidade, criada mediante Resolução nº 225 de 12 de janeiro de 1995, inicialmente com a menção Inglês – Japonês, no contexto da necessidade de divulgação de informação técnica e científica com o objetivo de ampliar as relações Ásia-Pacífico, somente com a Resolução n° 3280 de 23 de junho de 2000, por decisão do Conselho do Departamento incorporou-se a língua portuguesa no mesmo curso com o propósito de cobrir as necessidades geradas em decorrência da criação do Mercosul com o apoio da Embaixada de Portugal e do Brasil, por meio do Centro de Estudos Brasileiros, com o compromisso de divulgação da cultura brasileira viu um espaço no curso de divulgação da cultura brasileira para avançar em suas iniciativas plurilaterais no novo cenário que se estabeleceria. Convém também mencionar que a Universidade de Santiago é a única no Chile em que a língua portuguesa é ensinada/aprendida num curso de graduação.

2. Ensino da Língua Portuguesa na USACH

Segundo Almeida Filho (2001), quando ensinamos português para falantes nativos de espanhol, que é o nosso caso na Universidade de Santiago, como são idiomas que apresentam proximidade genética e tipológica, as quais estão presentes na ordem canônica das orações, no léxico e nas bases culturais, essas questões devem ser consideradas no processo de ensino/aprendizagem. A proximidade dessas línguas, conforme o mesmo autor, fortalece-se no campo da língua escrita, no qual temos um padrão mais tradicional, possibilitando a aprendizagem do português por um falante de espanhol mais facilmente, principalmente se o nível de letramento do aprendente for elevado.

Além dessas questões, para o autor, estudantes de línguas próximas à sua língua materna não são vistos como iniciantes, porque podem compreender e serem compreendidos desde as primeiras interações por intermédio da língua-alvo. Isso indica que, na prática, todo falante de espanhol já tem, naturalmente, conhecimentos e habilidades comuns entre o português e sua língua materna. No que diz respeito a essa questão, existe um risco residente no fato de que um falante de espanhol pode ser naturalmente um falante de português, o que, para Almeida Filho (2007a), é algo enganoso. A crença nessa hipótese pode, ao contrário, causar desmotivação no aprendiz, ao se frustrar diante dessa aparente facilidade, devendo ser papel do professor promover atividades que gerem a motivação, a identificação cultural e a compreensão da língua.  Para Santos (1999), de um lado tal semelhança facilita o entendimento do português logo aos primeiros contatos, do outro impede, na maioria das vezes, que o falante de espanhol se comunique sem as constantes interferências da sua língua nativa. Convivemos frequentemente com esses “dilemas” apresentados por Almeida Filho (2007b) e Santos (1999) nas aulas de língua portuguesa. Isso se confirma em parte, quando por ocasião da avaliação do curso por órgãos oficiais, mencionado no documento4 os alunos de português, em resposta à pergunta “Hay una excelente labor de coordinación de los ramos de modo que la malla curricular tenga continuidad y sentido”. Na menção Inglês-Japonês 73% estão de acordo, ao passo que na menção Inglês – Português apenas 57% responderam que o ensino de português tem continuidade e faz sentido para eles, dentro da Licenciatura que estudam.

Assim, tais questões nos põem no centro de uma discussão sobre a aquisição da língua portuguesa a partir de uma língua tipologicamente próxima, no caso o espanhol, e com fins específicos: formar tradutores. Essa questão requer que revisemos os conceitos de interlíngua (portunhol), de interferência e de fossilização, desse modo temos de considerar o papel do aluno (falante de espanhol) futuro tradutor nesse cerne.

Revisando os conceitos de interlíngua, Charaudeau e Maingueneau (2006) entendem que é aquela utilizada por aprendizes que não dominam ainda uma língua estrangeira; é uma realidade provisória e instável, entre duas línguas, porém em relação à qual se requer uma coerência relativa. Referem-se, assim, a uma forma de conceituar sistemas intermediários entre a língua materna do falante e a língua-alvo. Almeida Filho (2007a) complementa, mencionando que é um fenômeno natural do processo de aprendizagem de uma nova língua.

Já com relação à interferência, de forma breve, Scaramucci e Rodrigues (2004), como Almeida Filho (2007), preconizam que as interferências do espanhol são produzidas pela proximidade tipológica de ambas as línguas. Para as autoras, as interferências têm sido o aspecto mais saliente e, por essa causa mesmo, mais enfatizadas na avaliação de textos elaborados por hispano falantes. As autoras conferem ainda que essa ênfase nas interferências tem fundamentado o ensino do PLE, porque a língua é tida como um código descontextualizado, constituído de elementos que se harmonizam em proposições gramaticalmente corretas.

Quanto à fossilização, Ferreira-Júnior (2009) entende que acontece no momento em que o aprendiz deixa de avançar em direção à L2 e não diferencia entre os dois sistemas linguísticos, o da língua materna e o da língua que está aprendendo. Sobre essa questão, podemos caracterizar como maior dificuldade ocasionada pelo processo de fossilização por observação dos alunos chilenos que estão estudando português, no curso de Linguística Aplicada à Tradução, é o fato de que, usualmente, não têm consciência de que estão introduzindo em sua interlíngua elementos inadequados que estão aprendendo. De maneira oposta, creem que têm um comando operacional geral de tal língua e tal fenômeno claramente intercede no avanço de algumas etapas da interlíngua para um nível adequado de produção da língua portuguesa, o que acentua o caso de estudantes que interagem com uma L1 muito parecida com a L2 que estudam.

Nessa busca por encontrar o que diferencia uma língua da outra, é comum aprendizes criarem uma língua conhecida como “portunhol”, um fato natural da língua, submetida a fenômenos da mistura do espanhol com o português. É necessária, desse modo, uma sensibilização para o português, ou seja, o docente deve passar a ver de forma mais tolerante esse fenômeno, tomado como uma manifestação natural da interlíngua em desenvolvimento, uma atitude de convergência cultural, social ou psicológica com relação à nova língua, a qual deve ser aceita e mesmo incentivada (ALMEIDA FILHO, 2007a). Quando o aprendiz estabelece relações entre sua LM (língua materna), no caso o espanhol, e uma língua próxima, o português, também reflete sobre sua própria língua, cultura, e sobre o fato de viver em um mundo heterogêneo, em que convivem diferentes culturas e línguas.

Outra questão que consideramos ao ensinar português na Universidade de Santiago, nos sete semestres em que a língua é ensinada (Português I, II; III; IV, V, VI e VII), ver Quadro 1 abaixo, é adequar a metodologia aos objetivos do curso. Conforme o documento, já mencionado, da Universidade intitulado “Informe de Autoevaluación: Licenciatura en Lingüística Aplicada a la Traducción (Menciones en Inglés y Japonés e Inglés y Portugués)” que indica logo em sua introdução que foi elaborado sobre as bases de indicações contidas no Manual de Desenvolvimento de Processos de auto avaliação, Cursos de Graduação da CNA-Chile e as recomendações institucionais para acreditação das graduações da Universidade de Santiago. É de competência da CNA (Comisión Nacional de Acreditación) verificar e promover a qualidade da educação superior no Chile, mediante à acreditação institucional das universidades, institutos professionais e centros de formação técnica. Com efeito, a licenciatura em Tradução se fundamenta, segundo o referido documento, para satisfazer a crescente necessidade de contar com um profissional idôneo altamente qualificado, capaz de mergulhar em uma fonte primária da produção em língua inglesa, japonesa e portuguesa e transformar esses conhecimentos em língua espanhola com o propósito que os receptores possam ter acesso aos avanços culturais, especialmente no campo da ciência e da tecnologia. Observemos abaixo a distribuição da LP no curso em questão.

Quadro 1

Grade Curricular da Licenciatura de Linguística Aplicada à Tradução (Inglês-Português) da Universidade de Santiago do Chile

Grade Curricular da Licenciatura de Linguística Aplicada à Tradução (Inglês-Português) da Universidade de Santiago do Chile

O Quadro 1 apresenta a grade curricular da Licenciatura em Linguística Aplicada à Tradução (da menção inglês-português) da Universidade de Santiago do Chile. Como podemos observar nos dois primeiros semestres do curso, os alunos estudam três idiomas estrangeiros (inglês, japonês e português), e somente a partir do segundo ano é que esses alunos optam entre o português e o japonês como segunda língua. O inglês é obrigatório nos cinco anos do curso. O quadro mostra também, como mencionamos, que a língua portuguesa é ensinada em sete semestres. Há ainda as disciplinas que estão ligadas ao português: Fonética e Fonologia Portuguesa, Cultura em Língua Portuguesa, Comunicação Oral em Língua Portuguesa, Produção Escrita em Português I e II, Gramática Contrastiva Português-Espanhol, além das disciplinas dos últimos anos do curso relacionadas à Tradução.

Nesse contexto, como se poderia enquadrar o perfil o aluno de PL ao concluir o curso? Como o documento que norteia a área não faz referências específicas a LP, cita apenas que o perfil do tradutor profissional, no caso dessa Licenciatura, está organizado em quatro domínios de desempenho: a tradução, a comunicação, a interpretação e a investigação. Consideramos, para esse efeito, que a LP se encaixaria no desempenho comunicação que teria como competência profissional “expresarse con fluidez en forma oral y escrita en las lenguas que utiliza profesionalmente” e interpretação “en su función de intérprete debe demostrar dominio profesional en competencias comunicativas y en sus lenguas de trabajo, conocimientos extralingüísticos, capacidad de oratoria y habilidades cognitivas necesarias para el proceso traslativo oral”. Assim, entendemos que esses domínios no contexto para tradutores na área de língua portuguesa só são possíveis com a inserção do aluno em uma sociedade letrada, em consonância à perspectiva de trabalho com gêneros textuais durante a aquisição e ensino-aprendizagem de língua, no nosso caso, o português.

Convém que entendamos gênero textual inicialmente para adentrarmos um pouco nessa discussão. Conforme Santaella (2014), Bakhtin foi um dos pioneiros a trabalhar a noção de gênero textual. De acordo com o autor, “gêneros do discurso” são diversos gêneros textuais que emergem e se caracterizam de acordo as necessidades das atividades de interação social e de comunicação do ser humano. Complementando as ideias de Bakhtin, Marchuschi (2010) desenvolve uma compreensão para o conceito de gênero textual, argumenta que gênero textual diz respeito a cada texto materializado na sociedade em que estamos inseridos no nosso dia a dia. Assim, quanto mais autênticos forem os materiais utilizados em nossas aulas, mais aproximamos nossos estudantes para a cultura estrangeira e, consequentemente, para a língua estrangeira que ensinamos. Assim, enfatizamos nossas aulas em atividades que não só ensinam sobre a língua, mas também promovem a aprendizagem cultural.

Ao refletir sobre a importância de envolver estudantes neste tipo de atividade, podemos mencionar o trabalho de Wildman (2005), em From the Outside In: Lessons in Learning Beyond the School Walls o qual propõe a transição da cognição à prática social. Conforme o autor, aprender na escola foi visto como separado do fazer e, para mudar isso, a prática social deve ser tomada mais seriamente por professores. Devemos, dessa maneira, adicionar ao currículo atividades que proporcionem aos alunos as mais autênticas e variadas situações de uso da língua. Essas atividades perpassam por um ensino integrado das quatro habilidades linguísticas, com realce para os aspectos comunicativos e críticos. Assim, o ensino de uma LPE não só instrumentaliza o aluno para usar a língua em vários contextos sociais, como também reforça, constantemente, o caráter educativo da língua, proporcionando um posicionamento cidadão e plural do aluno. Nessa perspectiva, destacamos a importância de se trabalhar com os gêneros textuais. Conforme Oliveira (2010, p. 25), no trabalho com gêneros textuais no ensino de uma LE, “aumenta a consciência linguística do aprendiz, permitindo seu engajamento e atuação social nas comunidades nas quais ele se insere, já que se constitui de material autêntico, presente na vida social...”. Assim, nessa linha fundamenta-se a noção que as práticas sociais humanas abrangem sempre o uso da linguagem e necessitam, dessa forma, ser compreendidas como práticas sociais, histórica e ideologicamente formadas.

Frente ao exposto, nas aulas de LPE para futuros tradutores, faz-se necessário rever, a título de exemplo, as atividades de repetição e/ou reprodução de modelos condensadas pelo audiolingualismo, e incorporar o discente em contextos reais de uso da LPE com base em um olhar enunciativo, isto é, direcionado para os aspectos comunicativos e persuasivos da linguagem. Dessa forma, sob esse prisma as atividades pedagógicas com gêneros textuais, em determinado contexto (histórico, social, cultural e ideológico) com um objetivo comunicativo.

3. Língua Portuguesa para fins específicos – Tradução

A relevância de focar a linguagem como prática social no ensino de uma LPE para fins de tradução tem sido largamente reconhecida. Não é novidade prever que a tradução, ainda que em suas acepções mais divulgadas seja apenas considerada como passagem, transferência, transporte, transposição de uma língua para outra. Para além desse ponto de vista, Cardozo (2014, p. 149) vê que “na tradução, o tradutor relaciona línguas, textos, culturas e, portanto, diferentes sujeitos, diferentes tempos, diferentes contextos políticos, sociais, ideológicos, diferentes tradições editoriais, literárias, tradutórias, etc.”.

Sob outra perspectiva, como estamos ensinando numa graduação para alunos que serão futuros tradutores, levamos em conta o que autores como Malmkjaer (1998), por exemplo, classificam a tradução como uma atividade comunicativa, que oportuniza a variados usos, como ensinar a traduzir, aprimorar o conhecimento da língua materna e da língua estrangeira, nesse caso, do português, através da análise contrastiva, e aprimorar habilidades de leitura. Conforme o referido autor, o uso da tradução em sala de aula torna os alunos mais ativos e eles passam a participar mais das atividades em sala de aula. Albir (1998), por sua vez, acredita que o uso da tradução em sala de aula inclui dois aspectos: i) tradução interiorizada – feita por todo aprendiz de língua estrangeira; e ii) tradução pedagógica – utilizada em sala de aula como ferramenta pedagógica para reforçar e verificar a aprendizagem utilizando textos, análise contrastiva e reflexão. A tradução pode ainda ser utilizada como atividade para explicação de conteúdo específico ou como exercício. Contudo, seu uso nesses casos deve ser controlado e restrito a determinadas situações.

Seguindo as ideias expostas previamente, ressaltamos que, ao usar a tradução em sala de aula, numa graduação de tradução, devemos considerar os seguintes aspectos:  a) a orientação da tradução; ii) a tradução oral e escrita; e iii) a sua utilização como procedimento de aprendizado e/ou avaliação. A tradução, dessa forma, é considerada como uma quinta habilidade, associada à fala, escuta, leitura e escrita, e que o ensino de línguas pode ganhar uma perspectiva cultural, ajudando a identificar dificuldades de aprendizagem relacionadas a aspectos culturais das línguas. Desse modo, entendemos que com essas estratégias de tradução, utilizadas pelos alunos de língua portuguesa no curso de Linguística Aplicada à Tradução, em textos escritos em português, de acordo com a abordagem funcionalista da tradução, têm um resultado satisfatório.

Conclusão

Portanto, com essas breves considerações acerca do ensino de língua portuguesa no Chile, em especial na USACH, podemos afirmar que se carece de políticas linguísticas que deem um protagonismo maior à língua portuguesa no Chile, nomeadamente na educação básica, bem como a criação de licenciaturas para termos professores chilenos de português, como já ocorre em outros países da América do Sul, por considerar, principalmente, a proximidade geográfica com o Brasil e as relações comerciais e culturais com esse país e também com Portugal. No entanto, há de assinalar uma iniciativa importante: o governo chileno em 2017, como um país que apoia o multilateralismo em visita a Portugal, manifestou interesse em ser país observador da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o que foi apoiado pelo presidente desse órgão. E se tal pedido for ratificado, o Chile precisa criar políticas linguísticas de ensino do português na educação básica, o que consideramos um passo importante. E, em particular na USACH, o redesenho curricular, tendo em conta o conceito de currículo como um processo dinâmico precisa dar um protagonismo maior ao gênero textual na prática, com o uso de textos diversos que contribuam diretamente com a formação de futuros tradutores.

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Notes

1 Disponível em: < https://www.leychile.cl/Consulta/tratados_por_pais?pais=Jap%C3%B3n >. Acesso em 08 de abril de 2018. Retour au texte

2 Mercado Comum do Sul, organização intergovernamental fundada a partir do Tratado de Assunção de 1991, composta por: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Retour au texte

3 Disponível em: < http://www.siple.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=291:as-linguas-do-abc-o-antes-e-o-depois-do-mercosul-na-historia-do-ensino-de-ple-na-argentina-e-no-chile-e-de-ele-no-brasil&catid=69:edicao-6&Itemid=112 >. Acesso em 08 de abril de 2018. Retour au texte

4 Informe de Autoevaluación - Licenciatura en Lingüística Aplicada a la Traducción - Menciones Menciones en Inglés y Japonés e Inglés y Portugués, de 2013, Departamento de Linguística e Literatura, Faculdade de Humanidades, Universidade de Santiago do Chile. Retour au texte

Illustrations

  • Grade Curricular da Licenciatura de Linguística Aplicada à Tradução (Inglês-Português) da Universidade de Santiago do Chile

Citer cet article

Référence électronique

José Genival Bezerra Ferreira, « Panorama do ensino da língua portuguesa no Chile: uma experiência com alunos da graduação em Linguística Aplicada à Tradução na Universidade de Santiago », Reflexos [En ligne], 4 | 2019, mis en ligne le 03 mai 2022, consulté le 07 décembre 2024. URL : http://interfas.univ-tlse2.fr/reflexos/340

Auteur

José Genival Bezerra Ferreira

Doutor em Linguística - Professor Associado

Departamento de Linguística e Literatura

Universidade de Santiago do Chile

Jose.ferreira@usach.cl

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