José Saramago: a voz e os ecos

  • José Saramago : la voix et les échos
  • José Saramago: the Voice and the Echoes

Nos Diálogos travados com Carlos Reis, José Saramago reconhece a grande influência que sobre ele exerceu a leitura de Raúl Brandão, principalmente a de Húmus, e assume também que os seus grandes mestres foram “os escritores do século XVII, António Vieira e Francisco Manuel de Melo”, principalmente o primeiro. A verdade, porém, como aliás o escritor afirma em outras ocasiões, é que não é possível descurar o enorme fascínio que sobre ele, ou sobre a sua obra, direta ou indiretamente exerceram autores como Luís de Camões, Almeida Garrett, Cesário Verde ou Fernando Pessoa e as suas várias pessoas. Se de Brandão lhe ficou o gosto pelas reflexões sobre a existência e a essência de Deus ou sobre a existência humana, e, por consequência, sobre “o que é isto de ser-se um ser humano”; se de Garrett reteve, entre outras influências, a prática digressiva, de António Vieira colheu um modo de escrever e uma forma de olhar e avaliar o mundo que dele fez, e faz, um humanista e um humanitarista. Na teia dos ecos que ouvimos na obra de Saramago, cabe ainda destacar o que de Luís de Camões, Cesário Verde e Fernando Pessoa percorre as tessituras narrativas de obras como O ano da morte de Ricardo Reis, por vezes em filigrana ideologicamente trabalhada, desse modo confirmando a assunção de Julia Kristeva de que todo o texto é “um cruzamento de palavras (de textos), onde lemos, no mínimo, um outro texto”.

Dans les Dialogues avec Carlos Reis, José Saramago reconnaît la grande influence qu’a eue sur lui la lecture de Raúl Brandão, notamment Húmus, et admet également que ses grands maîtres ont été « les écrivains du XVIIe siècle António Vieira et Francisco Manuel de Melo », surtout le premier. La vérité, cependant, comme l’écrivain l’affirme ailleurs, c’est qu’on ne peut négliger l’énorme fascination que des auteurs comme Luís de Camões, Almeida Garrett, Cesário Verde ou Fernando Pessoa et ses différents hétéronymes ont exercée sur lui ou sur son œuvre, directe ou indirectement. S’il a hérité de Brandão le goût des réflexions sur l’existence et l’essence de Dieu ou sur l’existence humaine et, par conséquent, sur « ce que c’est qu’être un être humain » ; s’il a retenu de Garrett, parmi d’autres influences, la pratique de la digression, il a puisé chez António Vieira une manière d’écrire et une façon de regarder et d’évaluer le monde qui ont fait, et font encore, de lui un humaniste et un humanitariste. Dans le réseau d’échos qui retentissent dans l’œuvre de Saramago, les mots de Luís de Camões, Cesário Verde et Fernando Pessoa parcourent certaines œuvres comme L’année de la mort de Ricardo Reis, parfois en filigrane idéologiquement travaillé, confirmant ainsi l’hypothèse de Julia Kristeva selon laquelle tout texte est « un croisement de mots (de textes), où nous lisons, au moins, un autre texte ».

In his Dialogues with Carlos Reis, José Saramago acknowledges the great influence of Raúl Brandão, especially of Húmus, and also admits that his great masters were “the 17th century writers António Vieira and Francisco Manuel de Melo”, especially the former. The truth, however, as the writer has stated on other occasions, is that it is not possible to ignore the enormous fascination that authors such as Luís de Camões, Almeida Garrett, Cesário Verde or Fernando Pessoa and his various heteronyms have directly or indirectly exercised over him or his work. If Brandão transmitted to him a taste for reflections on the existence and essence of God or on human existence and, consequently, on “what it is to be a human being”; if he retained from Garrett, among other influences, the digressive practice, from António Vieira he took a way of writing and a way of looking at and assessing the world that made, and still makes, him a humanist and a humanitarian. In the web of echoes that we hear in Saramago’s work, we should also point out that Luís de Camões, Cesário Verde and Fernando Pessoa’s words run through narratives such as The Year of the Death of Ricardo Reis, sometimes in an ideologically worked filigree, thus confirming Julia Kristeva’s assumption that every text is “a crossing of words (of texts), where we read, at least, another text”.

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Texte

Texto integral

Toda a literatura é um palimpsesto
(Saramago apud Gómez Aguilera 2010, 194)

Embora aceitando a presença de ecos de Raúl Brandão na voz literária de José Saramago, sobretudo [d]o Húmus1; e embora reconhecendo, com o próprio autor, “os escritores do século XVII, António Vieira e Francisco Manuel de Melo” (apud Gómez Aguilera 2010, 243-344), como os seus grandes mestres, a verdade é que não é possível descurar o enorme fascínio que sobre o escritor, ou sobre a sua obra, diretamente exerceram autores como Luís de Camões, Almeida Garrett, Cesário Verde ou Fernando Pessoa e as suas várias pessoas.

De Brandão, a partir do conto “O mistério da árvore” ([1926] 2010), parece ter colhido a influência para a construção do rei que fazia desertos, personagem da história-crónica publicada em A bagagem do viajante com a mesma designação (Saramago [1973] 1986a, 111-113), ou do rei no conto “Refluxo”, da coletânea Objeto quase (Saramago [1978] 1986c, 51-68). De Brandão, ainda, agora sob o signo abrangente de Húmus (1917), ficou-lhe, parece-nos, o gosto, senão o vício, pelas reflexões sobre a existência e a essência de Deus ou sobre a existência humana2. A primeira, ilustrativa do seu confessado ateísmo, traduz-se nas constantes e contundentes abordagens paródicas da temática religiosa, levando-o a considerar, por exemplo, que, “em primeiro lugar [...] o cristianismo não valeu a pena, que se não tivesse havido cristianismo, se tivéssemos continuado com os velhos deuses, não seríamos muito diferentes daquilo que somos” (apud Alves 1991, 82R). A segunda, principalmente a partir de Ensaio sobre a cegueira (1995), verte-a o autor em tessituras narrativas que claramente ilustram a assumida preocupação em deixar de contemplar e de descrever o exterior da estátua para entrar “no interior da pedra, no mais profundo de nós mesmos” (Saramago 2013, 34), assim tentando dar resposta a uma das mais complexas questões da humanidade: “que diabo de gente somos nós?” (apud Luís 2000, 21). Ou, por outras palavras, assim tentanto compreender um mundo, o nosso, em que “estamos todos cegos. Cegos da razão” (apud Gómez Aguilera 2010, 140), e em que, por isso, o Homem parece ter-se convertido, definitivamente “em lobo do homem” (Saramago 2013, 34).

De António Vieira, tal como Francisco Manuel de Melo, um dos nomes maiores do Barroco português, colheu José Saramago um modo de escrever e uma forma de olhar e avaliar o mundo que dele fez, e faz, na medida em que a sua obra continua a ser lida e reconhecida, um humanista e um humanitarista. E por não caber neste espaço o desejado desenvolvimento das influências de todos os escritores barrocos que subjazem ao palimpsesto saramaguiano, será das estreitas relações entre o estilo e o “espírito” da obra do sermonista de Seiscentos e a arte de escrever do autor de Memorial do Convento que, por ora, nos ocuparemos. Em conjunto com muitas intervenções públicas em que assume a influência de Vieira, é seguramente no romance publicado em 1982 que, de modo mais explícito e sistemático, podemos colher exemplos ilustrativos da presença do intertexto vieirano.

Deste modo, além de o narrador mencionar o nome do sermonista em várias situações narrativas, ou de apenas o sugerir3, é necessário convocar, por um lado, as relações de sentido oferecidas por momentos narrativos passíveis de proporcionar uma comparação entre o pensamento e as ações heterodoxas de Vieira e de Bartolomeu de Gusmão, que, em ambos os casos, os levam a perseguições inquisitoriais: um, pela defesa dos direitos e das liberdades dos índios do Brasil, o outro, pela construção de um sonho quimérico tornado máquina de voar, que, tantas vezes, o faz não querer saber do “religioso efeito” do sermão (Saramago 1982a, 91). Por outro lado, é impossível não considerar a abrangente influência da prática e da arte parenética de Vieira na prosa saramaguiana, não só pelo que nesta reconhecemos de “preciosismo e conceptismo do gozo por vezes um pouco obscurecedor do sentido”, mas também pelo que nela encontramos de uso de “uma língua cheia de sabor e ritmo, como se isso não fosse exterior à língua, mas lhe fosse intrínseco” (Saramago 2010, 43).

Uma prosa que, apesar do eventual obscurecimento de alguns sentidos, é pautada pela harmonia, pela explicitação e clarificação de conceitos, mas sempre, também, pelo “poderoso ímpeto vital” que segundo Aguiar e Silva (1988, 477) caracteriza o Barroco, e do qual, entre outros, é exemplo o diálogo travado entre Domenico Scarlatti e Bartolomeu de Gusmão sobre o papel do rei como “grande edificador”. Citamos:

[Domenico Scarlatti] Dizem-me que el-rei é grande edificador, será por causa disso este seu gosto de levantar com as suas próprias mãos a cabeça arquitectural da Santa Igreja, ainda que em escala reduzida, Muito diferente é a dimensão da basílica que está a ser construída na vila de Mafra, gigantesca fábrica que será o assombro dos séculos, Como se mostram variadas as obras das mãos do homem, são de som as minhas, Fala das mãos, Falo das obras, tão cedo nascem logo morrem, Fala das obras, Falo das mãos, que seria delas se lhes faltasse a memória e o papel em que as escrevo, Fala das mãos, Falo das obras.
Parece apenas um gracioso jogo de palavras, um brincar com os sentidos que elas têm, como nesta época se usa, sem que extremamente importe o entendimento ou propositadamente o escurecendo. É o mesmo que gritar um pregador para a imagem de Santo António, clamar na igreja, Negro, ladrão, bêbedo, e, tendo assim escandalizado o auditório, explica a intenção e o artifício, mostra como toda a apóstrofe foi aparência, agora sim vai dizer porquê Negro porque tivera a pele tisnada pelo demónio que lhe não conseguira enegrecer a alma, ladrão porque dos braços de Maria roubara seu divino filho, bêbedo porque vivera embriagado da divina graça, mas eu te direi, Cuidado, ó pregador, que quando fazes virar ao conceito os pés pela cabeça estás dando involuntária voz à tentação herética que dorme dentro de ti e se revolve no sono, e clamas outra vez, Maldito seja o Pai, maldito seja o Filho, maldito o Espírito Santo [...].
Parecem jogos de palavras, as obras, as mãos, o som, o voo [...]. (Saramago 1982a, 165-166)

Note-se que, neste excerto, o jogo de palavras – em ideia assumida e repetida pelo narrador – é associado ao verbo “parecer”, dessa forma marcando o distanciamento relativamente à aparência de leveza semântica formalmente encenada na e pela estrutura de superfície do enunciado. Com efeito, e entrando no jogo linguístico proposto, que também ilustra quer a articulação entre cultura e coloquialidade, quer a versatilidade retórica, quer, ainda, o envolvimento pessoal na pregação e na narração, o que o excerto transcrito deixa entrever, a um nível mais profundo, remete para um outro aspeto muito importante. Referimo-nos à inscrição de notas de ironia de uma mão narrativa que se afasta do reconhecimento da importância efetiva do papel do rei na construção do Convento de Mafra, aqui não por acaso designado como “a gigantesca fábrica”.

Por conseguinte, adaptando ao contexto saramaguiano as palavras de Aníbal Pinto de Castro, em comentário igualmente aplicável ao sermonário vieiriano, o que move as mãos e as obras destes autores, o que moveu as suas mãos e as suas obras, não foi a procura de meros embelezamentos textuais e de jogos de palavras mais ou menos excêntricos, tendo em vista deleitar o auditório; não foi, pois, “a busca ansiosa da agudeza através do exercício do engenho e a contemplação embevecida da solene riqueza do ornato estilístico” (Castro 1973, 61).

O que ambos os autores parecem procurar é mover, comover, ouvintes e leitores (cf. Maravall 1975, 67). Como pregador, Vieira pretendeu transmitir a palavra de Deus, mas de forma a que o ouvinte assimilasse o todo discursivo, que, pelos termos muitas vezes violentos que eram utilizados, o faria sair da igreja muito descontente de si próprio, como pregou no “Sermão da Sexagésima” (Vieira 1959b, 36). Como romancista, José Saramago não nos deixa indiferentes ao que escreveu, às personagens que criou ou que (re)criou, ou aos ambientes em que as insere. Assim sucede, seja quando toma como personagem a morte e, por conseguinte, quando trata daquela que é uma das grandes preocupações do Barroco (tema ao qual Vieira dedica por inteiro os três sermões “de Quarta-Feira de Cinza”4, Vieira 1959c, 167, 225), seja nas alegorias – também ao gosto do Barroco – que nos oferecem alguns dos seus romances: Levantado do chão (o latifúndio como mar interior em que, lembrando o “Sermão de Santo António”5, os peixes graúdos comem os mais pequenos); A jangada de pedra (sobre a adesão de Portugal e Espanha à, então, Comunidade Económica Europeia); Todos os nomes (sobre a existência, ou sobre a procura da identidade, e, porque não, sobre poder e controlo, ou sobre modelos de vigilância – a partir das relações hierárquicas na Conservatória); A caverna (sobre os perigos da globalização e do neoliberalismo); ou Ensaio sobre a cegueira, aviso à navegação da humanidade sobre o mundo que podemos vir a ter (aviso que será retomado em Ensaio sobre a lucidez).

Ainda no âmbito das influências do Barroco, em geral, e do Padre António Vieira, em particular, cumpre assinalar que o primeiro romance do ciclo universal, Ensaio sobre a cegueira, parece revelar a influência englobante da temática do “Sermão da Quinta Quarta-Feira da Quaresma”. O paralelismo é possível, não só pelo facto de o mote que lhe está na origem, Vidit hominem caecum6, ser “vazado [...] no tropo escritural da cegueira física [...] e da cegueira de espírito”) (Vieira 1959a, 87), mas, também, pelo uso de uma linguagem nua e crua, desprovida de preocupações com um certo conceito de beleza verbal. Além disso, no romance de 1995, a partir do qual, como acima referimos, José Saramago afirma deixar de se dedicar a descrever o exterior de uma estátua, “a superfície da pedra”, para passar a empenhar-se da descrição do “interior da pedra, no mais profundo de nós mesmos”, na tentativa de saber “o quê e quem somos” (Saramago 2013, 34), parece-nos inevitável ler ainda a contaminação do “Sermão do Espírito Santo”. Com efeito, ainda que, no texto do sermonista, aparentemente, e apenas aparentemente, o enfoque seja posto numa escavação exterior e não interior, não nos parece difícil encontrar afinidades entre o tema geral do romance saramaguiano e o momento em que, quase no início da sua sexta parte, o pregador proclama a possibilidade de conversão dos índios, socorrendo-se da metáfora da pedra que, de tosca e informe, pelo trabalho do estatuário, passa a poder fazer um homem, cristão ou santo, não interessa para o efeito (Vieira 1959e, 424).

Acresce ao exposto, lembrando as palavras do romancista sobre o facto de “Um romance [s]eu cresce[r] como faz uma árvore” (apud Gómez Aguilera 2010, 230), mas sempre salvaguardando as devidas distâncias, temporais e ideológicas entre os dois homens (um, orador da igreja e o outro, comunista e ateu confesso), cremos que a metáfora usada não pode deixar de revelar importantes laços entre a globalidade da produção ficcional saramaguiana e o “Sermão da Sexagésima”, prólogo e teoria de todos os que se lhe seguiram.

Vejamos, então, o que escreveu Vieira no sermão pregado na Capela Real, em Lisboa, em 31 de janeiro de 1655. Depois de defender que “O sermão há-de ser de uma só cor, há-de ter um só objecto, um só assunto, uma só matéria” (Vieira 1959b, 22), leva o seu auditório a “ver tudo isto com os olhos”:

Uma árvore tem raízes, tem tronco, tem ramos, tem folhas, tem varas, tem flores, tem frutos. Assim há-de ser o sermão: há-de ter raízes fortes e sólidas, porque há-de ser fundado no Evangelho; há-de ter um tronco, porque há-de ter um só assunto e tratar uma só matéria; deste tronco hão-de nascer diversos ramos, que são diversos discursos, mas nascidos da mesma matéria e continuados nela; estes ramos não hão-de ser secos, senão cobertos de folhas, porque os discursos hão-de ser vestidos e ornados de palavras. Há-de ter esta árvore varas, que são a repreensão dos vícios; há-de ter flores, que são as sentenças; e por remate de tudo isto, há-de ter frutos, que é o fruto e o fim a que se há-de ordenar o sermão. De maneira que há-de haver frutos, há-de haver flores, há-de haver varas, há-de haver folhas, há-de haver ramos, mas tudo nascido e fundado em um só tronco, que é uma só matéria. (Vieira 1959b, 22-23)

De igual modo, julgamos e propomos, talvez não sem alguma polémica, que também a produção literária de Saramago tem um só assunto e uma só matéria, ainda que, tal como Vieira o fez, não possamos negar a existência de grande “variedade de discursos” (Vieira 1959b, 22). A matéria, a mesma, sempre, é fundada em “evangelho” próprio: na sua forte e inabalável crença em ideais democráticos, na defesa dos direitos do ser humano e na consequente convicção no seu poder e na sua capacidade para lutar contra as mais variadas adversidades. A mesma matéria, o mesmo tronco, é, no caso, portanto, a descrição da estátua e, depois, do seu interior, maneira outra de dizer a descrição de e a interrogação sobre a condição humana. Do tronco comum, solidamente enraizado, os temas e as preocupações particulares de cada um dos seus romances, em cujas páginas somos desafiados a descobrir os sentidos dos ramos e das varas, das folhas, das flores e dos frutos, se conseguirmos chegar tão longe. Dos primeiros, obtemos as palavras estética e ideologicamente ornadas, tantas vezes escondendo a mágoa desalentada pela violação aos mais fundamentais direitos do Homem; dos restantes, a mensagem de solidariedade com o seu semelhante, o apelo à liberdade, à igualdade, à fraternidade; o apelo ao inconformismo e à luta por melhores condições de vida.

Sublinhámos, acima, a afinidade temática, e também ideológica, entre a alegoria oferecida pelo “Sermão de Santo António (aos peixes)” e aquela que o leitor encontra na reta final de Levantado do chão. É agora chegado o momento de, a propósito de Viagem a Portugal, voltar a mencionar aquele intertexto vieiriano para também ouvirmos um outro eco da prosa saramaguiana. Referimo-nos ao de Almeida Garrett, escritor pelo qual José Saramago manifesta profunda admiração e com o qual admite ter “uma relação muito directa”7. Por isso admite, ainda, rever-se neste seu antepassado, “sobretudo nas Viagens”, livro de que “todos nós temos uma memória vivíssima” (Reis 1998, 127); livro que empresta o título a uma das crónicas de Deste mundo e do outro, em cujas páginas, todas elas tributo explícito, escreve, por exemplo: “Crónicas, que são? Pretextos, ou testemunhos? São o que podem ser. Mas fosse o Garrett a escrevê-las – e outro galo nos cantaria!” (Saramago [1971] 1985a, 52)8.

A “memória vivíssima” que assim afirma traduz-se, é verdade, na emulação do estilo digressivo do autor de Oitocentos, como assume na crónica que acabamos de citar9, e como confessa em entrevista a Clara Ferreira Alves10. Mas a influência garrettiana manifesta-se, naturalmente, na afinidade estreita com o culto do género literatura de viagens, em ambos os autores se depreendendo, porém, a negação da “viagem como inventário e relatório”, como apontou Carlos Reis (2003, 137), e como os próprios autores reconhecem. Saramago, na apresentação de Viagem a Portugal, adverte a que se resigne:

Pois o leitor a não dispor deste livro como de um guia às ordens, ou roteiro que leva pela mão, ou catálogo geral. Às páginas adiante não se há de recorrer como a agência de viagens ou balcão de turismo: o autor não veio dar conselhos, embora sobreabunde em opiniões. É verdade que se acharão os lugares seletos da paisagem e da arte, a face natural ou transformada da terra portuguesa: porém, não será forçadamente imposto um itinerário, ou orientado habilmente, apenas porque as conveniências e os hábitos acabaram por torná‑lo obrigatório a quem de sua casa sai para conhecer o que está fora. Sem dúvida, o autor foi aonde se vai sempre, mas foi também aonde se vai quase nunca. (Saramago [1981] 1985c, 5)

Por seu turno, Almeida Garrett, no capítulo XXIX de Viagens na minha terra (1846), escreve:

Muito me pesa, leitor amigo, se outra coisa esperavas das minhas Viagens, se te falto, sem o querer, a promessas que julgaste ver nesse título, mas que eu não fiz decerto. Querias talvez que te contasse, marco a marco, as léguas da estrada? palmo a palmo, as alturas e larguras dos edifícios? algarismo por algarismo, as datas da sua fundação? que te resumisse a história de cada pedra, de cada ruína?... (Garrett 2010, 239-240)

Como sublinha Horácio Costa, é, então, necessário ter em conta um outro sentido fulcral, decorrente da “conjunção das noções da crónica e de viagem”: o “da escrita como viagem, do escrever como sua metáfora, do escritor como viajante, da palavra literária como uma viagem – ou uma ‘bagagem’ – do homo viator” (Costa 1997, 111). Não por acaso, pois, Claudio Magris assinala:

Cada texto autenticamente poético – e Viagem o é de modo intenso – sabe bem mais do que o próprio autor; aliás, essa é uma prova de sua grandeza. Saramago viaja em Portugal, ou melhor, dentro de si mesmo, e não só, como ele diz, porque Portugal é sua cultura. É no mundo, no espelho das coisas e dos outros homens, que se encontra a si mesmo, como aquele pintor de que fala uma parábola de Borges, que pinta paisagens, montes, árvores, rios e no fim se dá conta de que, dessa maneira, havia retratado o próprio rosto. Toda verdadeira viagem é uma odisseia, uma aventura cuja grande questão é se nela nos perdemos ou nos encontramos ao atravessarmos o mundo e a vida, se apreendemos o sentido ou descobrimos a insensatez da existência. (apud Saramago 2021, 12)11

Por isso trilham Garrett e Saramago outros caminhos que não os físicos, geográficos, comentando ou convocando, entre outras, questões de arquitetura ou, para o que nos interessa, de literatura, como na viagem de Saramago acontece, por exemplo, no facto de ela ser iniciada sob o signo de António Vieira, com a história de um viajante, que prega “aos peixes do rio”, em parte sintomaticamente subtitulada “O sermão aos peixes” (Saramago [1981] 1985c, 7)12. Tal como Garrett o fez, também Saramago escreveu “crónica” de tudo quanto viu e ouviu, de tudo quanto pensou e sentiu (cf. Garrett 2010, 90), em sinfonia sensorial de onde se não isentam juízos de valor sobre o estilo barroco. E assim, se na Igreja de Santa Maria do Castelo o viajante destaca as “exuberâncias barrocas”, na Igreja do Terço, aplaude “os azulejos setecentistas” e o requinte do “púlpito, lavrado como obra de prataria. Dourado, policromado, está aqui um dos não muitos casos em que o barroco argumenta e ganha”. No Mosteiro de São Bento da Vitória, assinala requererem-se “os granitos barrocos, entendido o barroco como exuberância, pedra que de tão trabalhada acaba por alcançar uma expressão outra vez natural” (Saramago [1981] 1985c, 18, 65, 75, respetivamente).

Mas a “memória vivíssima” também se manifesta, desde logo, na relação intertextual, em forma de um novo tributo que a dedicatória13 de Saramago confirma, entre o título do romance de 1846 e o da sua Viagem a Portugal, embora, como já assinalado por Helena Buescu em conferência proferida no âmbito do Projeto Garrettonline14, seja necessário atentar nas implicações da utilização da contração da preposição e do artigo definido, em Viagens na minha terra, versus o simples uso deste último em Viagem a Portugal.

Assim, se no primeiro caso a impressão é a de um viajante interno que viaja pelo interior da sua terra, no segundo, o viajante vem de fora, iniciando o seu trajeto do exterior do país de cujos cenários e gentes dará conta no decurso da obra (“De Nordeste a Noroeste, duro e dourado” a “De Algarve e sol, pão seco e pão mole”). E, talvez, a nuance apontada possa carregar um sentido simbólico interessante. Como, na mesma conferência, ou depois dela, assinalou Pere Ferré, a viagem de Saramago, em conquista metafórica do país, é, afinal, iniciada a partir do Norte, em coordenada geográfica equivalente àquela de onde, afinal, derivou o que hoje é o território português. Se non è vero, è ben trovato...

E talvez, mais um talvez, como sublinhou Teresa Cristina Cerdeira da Silva, os sentidos de ambas as viagens não possam deixar de apontar, por um lado, para a desmontagem da “máscara do falso conhecimento nacional” e a promoção “[d]o discurso de apreensão de uma possível identidade portuguesa” (Silva 2003, 249). Por outro lado, elas não podem deixar de representar a “falência da imagem secular do país como cais de partida” (Silva 2003, 246) –, ideia que irá ser retomada, no início e no final de O ano da morte de Ricardo Reis (1984), em estreita conexão, agora, com os ecos camonianos que na bagagem deste escritor-viajante também se fazem sentir. Um escritor que ainda criará a viagem de uma península tornada jangada de pedra, ou de um homem que procura uma ilha desconhecida.

Na teia de ecos de que vimos falando, e da memória cultural neles presente, cabe, agora, portanto, prestar alguma atenção ao que de Luís de Camões, Cesário Verde e Fernando Pessoa percorre, por vezes em filigrana ideologicamente trabalhada, este romance de José Saramago em cujas páginas as personagens e os acontecimentos confluem numa Lisboa-cidade labiríntica, decadente e “sombria, recolhida em frontarias e muros” (Saramago 1984, 13), “guardada” por um Adamastor de dolorosa expressão (e que, pelas hipóteses que O ano da morte de Ricardo Reis propõe, não é de lição simbólica tão clara quanto o afirma Fernando Pessoa) (Saramago 1984, 227). E assim, tendo em mente que, como lemos, “todos os caminhos portugueses vão dar a Camões” (Saramago 1984, 180) – que toma como protagonista da peça Que farei com este livro?, 1980, e a quem dedica dois poemas e uma crónica15 –, não é só a estátua-figura do vate que é sistematicamente convocada nas páginas do romance. Uma figura que, aqui, note-se, tem os dois olhos cegos, talvez não de tanto lhos picarem “os pombos” e “os olhares indiferentes de quem passa” (Saramago 1984, 181), mas porque, simbólica e voluntariamente, os fechou, lhos fechou José Saramago, perante uma realidade que não era digna de ser contemplada, a portuguesa e, por extensão, a europeia.

A mesma linha crítica, o mesmo reflexo de uma determinada visão do mundo, pode ser verificada na recuperação do texto do épico com que se inicia e termina o romance. Uma visão do mundo também partilhada e convocada por Cesário Verde16 em duas das estrofes do poema “O sentimento dum ocidental” que, claramente, expõem o contraste entre o passado glorioso e a decadência do presente:

E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!
Mas num recinto público e vulgar,
Com bancos de namoro e exíguas pimenteiras,
Brônzeo, monumental, de proporções guerreiras,
Um épico doutrora ascende, num pilar! (Verde s./d., 93, 97)

Quanto à reapropriação camoniana feita por José Saramago, as frases “Aqui o mar acaba e a terra principia” e “Aqui, onde o mar se acabou e a terra espera” (Saramago 1984, 11, 415) – com, pelo meio, a menção a “tanto mar, a terra tão pouca” (Saramago, 1984, 66) – configuram uma subversão paródica dos três primeiros versos da estrofe 20 do canto III de Os Lusíadas17 e apontam para a ideia de que, ao contrário do que sucedeu no passado, não é possível ao presente de enunciação atingir a grandeza no mar.

O papel de Portugal no mundo de então, e muito provavelmente no mundo de hoje, não é mais o do tempo dos Descobrimentos, nada há de grandiloquente numa “terra tão pouca”. Na linha do não pessimismo do autor, porém, a alteração de “a terra principia” para “a terra espera” talvez possa ser entendida como uma nota de esperança num futuro a vir, em que outros viajantes de outros Highland Brigades desembarquem, não com ar melancólico, num regresso onde “não há sombra de alegria” (Saramago 1984, 14), mas, antes, com ar confiante num retorno onde só pode haver a luz do contentamento.

De entre tantos sentidos oferecidos por outros versos de Camões (sob a forma de alusão ou de citação), principalmente de Os Lusíadas, destacamos, ainda, os que Saramago parece ter bebido no canto V (ests. 37-60), aproveitado como anúncio do desfecho, não diremos trágico, mas, antes, desde o início condenado ao fracasso, da relação entre Ricardo Reis e Marcenda. Dois dos versos da estrofe 53 serão mesmo citados páginas depois: “Qual será o amor bastante de ninfa, que sustente o dum gigante” (Saramago 1984, 221). Tal como sucede com o Adamastor, rejeitado por Tétis, também Ricardo Reis será rejeitado por Marcenda, não pela sua “grandeza feia” mas, eventualmente, por preconceito em relação à grande diferença de idades; por pretender protegê-lo da sua invalidez, de uma relação com alguém com “um braço sem remédio” (Saramago 1984, 409); ou, apenas, porque, acrescidas as razões anteriores, numa atitude que lembra o tempero estoico das odes de Ricardo Reis, e numa justificação que, de facto, não colhe, pois não podemos antever o futuro, a donzela de Coimbra considera que “não seríamos felizes” (Saramago 1984, 407).

Confirmando a possibilidade de antevermos o desfecho fracassado dos amores entre o heterónimo e Marcenda, note-se, ainda, que a referência ao Adamastor surge praticamente em simultâneo com uma primeira alusão a uma das mais trágicas histórias de amor também convocada na epopeia camoniana: o episódio de Inês de Castro (canto III, ests. 118-135) – “Uma donzela de Coimbra marca, em furtivo bilhete, encontro com o médico de meia-idade que veio do Brasil, talvez fugido, pelo menos suspeito, que quinta das lágrimas se estará preparando aqui” (Saramago 1984, 180). A segunda alusão ocorre quando, recebendo uma carta que pensa ser de Marcenda, Ricardo Reis idealiza o que aí estará escrito: “agora, meu amor, espero-te na Quinta das Lágrimas, se ainda me quiseres” (Saramago 1984, 323)18.

Sem pretensão de esgotarmos os inúmeros exemplos, também não podemos deixar de referir o eco intertextual da estrofe 40 do canto V de Os Lusíadas, quando, em Fátima, sabemos “das carnes e do cabelo” arrepiados da gente que assiste à procissão das velas. Porém, se a descrição feita se aproxima da que Camões faz no episódio conhecido como “do Adamastor”, pela dimensão sobrenatural que lhe assiste, dela se afasta, porque, ao contrário do que sucede no texto camoniano, em que os navegadores portugueses, na pessoa de Vasco da Gama, se engrandecem, ousando desafiar o gigante – desse modo provando a capacidade e a força humanas para ultrapassar vários perigos –, no “quadro” saramaguiano os portugueses crentes apequenam-se, rebaixam-se. No âmbito da visão ideológico-religiosa do autor, em que “é urgente rasgar ou dar sumiço à teologia velha e fazer uma nova teologia” (Saramago 1984, 65), a do Homem livre e independente de dogmas, Fátima surge, portanto, como símbolo, estilhaço, de um tempo amesquinhado e mesquinho.

O mesmo tempo que Ricardo Reis vai conhecendo e aprendendo a assimilar e a comentar nas páginas deste romance em que os ecos maiores são, seguramente, os que provêm da constelação heteronímica pessoana, aludida ou citada, mas de tal modo assimilada por José Saramago que a tessitura discursiva é nimbada de uma profunda dimensão poética que, por vezes, pode confundir o leitor no que toca à autoria. Como sublinhou já Teresa Cristina Cerdeira da Silva, não é muito difícil descortinar que “a prosa apropria-se da poesia, inserindo-a em seu corpo e operando as transformações necessárias para que o texto apropriado não constitua algo alheio à sua forma” (Silva 1989, 153).

É certo que Teresa Cerdeira se refere ao modo como as odes do poeta percorrem, em filigrana, o xadrez narrativo, numa operação por vezes comentada pelo narrador19. Não é menos certo, todavia, que não é sequer necessário recorrer à intertextualidade para provar a poeticidade da escrita saramaguiana. Com efeito, esta acaba por emanar da globalidade da obra, como o prova Pedro Alvim (2014, 1), a partir de um extraordinário exercício formal que transforma passagens da narrativa em odes:

[A]berta foi a porta deste quarto,

em silêncio, fechada está,

um vulto atravessa tenteando,

pára à beira da cama,

a mão de Ricardo Reis avança

e encontra uma mão gelada,

puxou-a,

Lídia treme,

só sabe dizer,

Tenho frio,

e ele cala-se,

está a pensar se deve

ou não beijá-la na boca,

que triste

pensamento

(Saramago 1984, 131-132)

[T]inha o casaco e as calças,

também o colete,

cuidadosamente pendurados

no cabide,

sem uma ruga,

é o que fazem amorosas

mãos

(...)

ele poeta, ela

por acaso Lídia,

mas outra,

ainda assim afortunada,

porque a dos versos

nunca soube

que gemidos e suspiros

estes são,

não fez mais que estar

sentada à beira dos regatos,

a ouvir dizer,

Sofro, Lídia,

do medo

do destino

(Saramago 1984, 143)

De muitos ecos, pois, se compõem os universos saramaguianos, provando, como escreveu, que “Toda a literatura é um palimpsesto” (Saramago apud Gómez Aguilera 2010, 194). No seu caso, um palimpsesto que saborosamente nos desafia a encontrar os ramos e os ramilhos de que se compõe, na certeza de que, como um dia disse H. de Manual de pintura e caligrafia: “Estas coisas que escrevo, se alguma vez as li antes, estarei agora imitando-as, mas não é de propósito que o faço. Se nunca as li, estou-as inventando, e se pelo contrário li, então é porque as aprendera e tenho o direito de me servir delas como se minhas fossem e inventadas agora mesmo” (Saramago [1977] 1985b, 129-130).

Bibliographie

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____________ Os poemas possíveis. 2ª ed. Lisboa: Caminho, [1966] 1982b.

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____________ “Sermão do Espírito Santo”. Obras completas do Padre António Vieira. Porto: Lello & Irmão, tomo V, 1959e, p. 397-434.

Notes

1 Nos diálogos tidos com Carlos Reis (1998, 37) afirma: “tenho a impressão de que, como leitura profunda, é o Raul Brandão, sobretudo o Húmus, que fica”. Retour au texte

2 Veja-se, por exemplo: “Que é Deus agora? Deus é tudo e nada. É uma força. Deus é uma lei inexorável. Mas então tu que podes tudo – tu não podes nada. És uma lei – e hás-de cumprir essa lei. És um destino e não podes dar um passo fora desse destino. Não vês, não ouves, não sentes. Eu sou uma insignificância e valho mais do que tu. Porque eu grito, eu sofro, eu atrevo-me. Amanhã quebro o meu destino. Tenho uma consciência. Sou ilógico e absurdo. Debato-me. E tu, Deus, não passas duma força cega e estúpida. Não me serves de nada [...]. Um Deus-força, um Deus que não se comove com os meus gritos nem as minhas súplicas, não me interessa. Um Deus que caminha para um fim que não atinjo, é um Deus absurdo” (Brandão [1917] 2021, 106). Retour au texte

3 Quando, na abegoaria onde se constrói a passarola, o visionário ensaia o sermão que iria pregar a Salvaterra de Magos; quando discorre sobre o mau governo do reino e sobre as (in)justiças que nele se veem, as cometidas pelo Santo Ofício incluídas; quando relembra o “Sermão de Santo António [aos peixes]” (Saramago 1982a, 91, 190, 231, respetivamente). Registe-se, ainda, a menção ao nome do sermonista em Folhas políticas (“quiseram o Acaso e a Providência que viessem ao mundo, no momento exato, um António Vieira e um Bartolomeu de Las Casas”, Saramago 1999, 183); em O ano da morte de Ricardo Reis, a propósito das influências em Fernando Pessoa (Saramago 1984, 351); ou em A jangada de pedra (a proposta de um jornal espanhol de se fazer de Madrid um centro político “deu tempo para se esgotarem todas as edições da História do Futuro do Padre António Vieira e das Profecias do Bandarra”, Saramago 1986b, 298). Retour au texte

4 Os dois primeiros sermões foram pregados em Roma, na igreja de Santo António dos Portugueses, em 1672 e em 1673. O terceiro sermão, embora escrito, não chegou a ser pregado, por doença de Vieira. Retour au texte

5 Proferido em São Luís do Maranhão, no ano de 1654 (Vieira, 1959d). Retour au texte

6 “Viu um homem que era cego” (Jo. 9.1). Sermão pronunciado na Misericórdia de Lisboa, em 1669. Retour au texte

7 “O Garrett para mim é uma referência fundamental” (Gusmão 1989, 98). Retour au texte

8 Sobre a cronística saramaguiana, ver Thimóteo (2016). Retour au texte

9 “Neste ponto descubro que me afastei do propósito inicial. É costume velho de que não penso emendar-me: no correr do pensamento, uma coisa puxa outra, e, se não ponho mão em mim, acontece, como agora, partir da literatura e cair na construção civil”. Apesar de dizer que “não será assim desta vez”, acaba por fazer novo desvio, acrescentando, “Mas antes de andar para a frente, ainda quero acrescentar que, nas Viagens, o que me regala é aquele prazer digressivo do Garrett, que salta de tema em tema com um ar de benigna indiferença, mas que, lá no fundo, não perde o norte, nem uma gota de água que lhe faz andar o moinho” (Saramago 1985a [1971], 52). Retour au texte

10 “Tenho uma tendência digressiva que tem exemplo na nossa literatura e o melhor é o de Almeida Garrett” (apud Reis 1998, 127). Retour au texte

11 Prefácio à primeira edição espanhola de Viagem a Portugal. Retour au texte

12 Este intertexto vieiriano ecoa em outras páginas iniciais de Viagem a Portugal, nomeadamente quando aborda o tema da fraternidade (ou da falta dela) entre os homens (Saramago [1981] 1985c, 7, 12, 28). Retour au texte

13 “Em lembrança de Almeida Garrett, mestre de viajantes” (Saramago [1981] 1985c, 4). Retour au texte

14 CLP – Centro de Literatura Portuguesa / Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (30.03.2022). Retour au texte

15 Os poemas intitulam-se “Epitáfio para Luís de Camões” (Saramago [1966] 1982b, 33), “Poema para Luís de Camões” (Saramago [1970] 1987, 13) e a crónica, “São asas” (Saramago [1971] 1985a, 57-58). Retour au texte

16 Para outros exemplos ilustrativos da relação entre os dois autores, ver Arnaut (2017). Retour au texte

17 “Eis aqui, quási cume da cabeça / De Europa toda, o Reino Lusitano, / Onde a terra se acaba e o mar começa” (Camões 2000, 104). Retour au texte

18 Em outro exemplo que exige que novamente convoquemos o episódio do Adamastor, sabemos da primeira visita de Marcenda à casa do Alto de Santa Catarina, e, a propósito, do nervosismo com que Ricardo Reis aguarda a jovem, sabemos ser “possível, agora, compreender o sofrimento de Adamastor” (Saramago 1984, 244). Retour au texte

19 “Não é assim, de enfiada, que estão escritos, cada linha leva seu verso obediente, mas desta maneira, contínuos, eles e nós, sem outra pausa que a da respiração e do canto, é que os lemos” (Saramago 1984, 23-24). Retour au texte

Citer cet article

Référence électronique

Ana Paula Arnaut, « José Saramago: a voz e os ecos », Reflexos [En ligne], 7 | 2023, mis en ligne le 21 avril 2023, consulté le 18 avril 2024. URL : http://interfas.univ-tlse2.fr/reflexos/1564

Auteur

Ana Paula Arnaut

Universidade de Coimbra /Centro de Literatura Portuguesa

arnaut@fl.uc.pt

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